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"Quando abrirmos os restaurantes, clientes não vão fazer filas à porta"

Está previsto que os restaurantes abram na próxima segunda-feira, dia 18 de maio, depois de cerca de dois meses de portas fechadas por causa da pandemia da Covid-19. Como é que os empresários estão a preparar-se para o regresso? Como será ir a um buffet a partir da próxima semana?

"Quando abrirmos os restaurantes, clientes não vão fazer filas à porta"
Notícias ao Minuto

14/05/20 por Beatriz Vasconcelos

Economia AHRESP

O setor do alojamento e da restauração está a ser um dos mais afetados pela pandemia do novo coronavírus. Obrigados a fechar portas há cerca de dois meses, os restaurantes planeiam agora o regresso à normalidade possível no início da próxima semana, com uma lotação máxima de 50%. 

O Notícias ao Minuto falou com a secretária-geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), Ana Jacinto, que se mostrou confiante relativamente ao cumprimento das normas de segurança definidas pela Direção-Geral da Saúde, porque o setor há muito que cumpre normas apertadas. 

Porém, também teme que os empresários sejam forçados a fechar portas novamente por falta de dinheiro na caixa registadora, porque os clientes não vão, nesta primeira fase, fazer fila à porta. Por isso, Ana Jacinto pede mais medidas ao Governo para apoiar os contratos de trabalho. 

O que é que a AHRESP pensa sobre este pacote de medidas da DGS para a reabertura dos estabelecimentos? 

No dia 21 [de abril] tivemos oportunidade de estar com o senhor primeiro-ministro, a pedido dele próprio, a propósito da eventual reabertura dos estabelecimentos da restauração. Nessa reunião, a AHRESP teve oportunidade de transmitir duas coisas, [uma delas] que obviamente estávamos interessados em reabrir portas, porque era essa a mensagem que os empresários nos passavam todos os dias, mas com duas condições: a primeira era a definição de regras claras ao nível da higiene, segurança e saúde quer dos colaboradores quer dos clientes. 

Para isso, a AHRESP estava a ultimar um guia de boas práticas que fazia intenções de entregar ao Governo para recolher os contributos da Diração-Geral de Saúde (DGS), da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) e foi isso que foi feito. Tivemos a reunião no dia 21  [de abril] e no dia 24 fizemos a entrega deste documento para validação. 

Posteriormente, saiu esta orientação da DGS com muitas questões que nós já evidenciamos no nosso guia, sendo que algumas matérias, por serem demasiado vagas, geram depois alguma confusão nos nossos empresários. O que dissemos foi que o guia continuava a ser imprescindível independentemente da orientação da DGS

Esse manual da AHRESP chegou, inclusive, a ser elogiado pelo primeiro-ministro…

Foi precisamente isso que aconteceu terça-feira, quando tivemos oportunidade de assinar um protocolo com a DGS para informarmos e comunicarmos junto dos empresários o que é que têm de fazer e ao mesmo tempo a DGS comunicou que tinha o guia de boas práticas da AHRESP nas mãos, estava a ser validado para nós também comunicarmos junto dos empresários esse mesmo guia. 

Estes dois documentos são importantes porque o guia é complementar à orientação da DGS. Perguntava-me se eu concordo com a orientação da DGS, ela é feita com base nos conhecimentos técnicos que a DGS tem e quanto a isso não temos tanto conhecimento para dizer se está bem ou se está mal. Certamente estão validados por conhecimentos científicos, mas o nosso guia elucida e clarifica cada uma das orientações mais vagas que ali estão. 

setor da restauração há anos que tem de praticar regras apertadas de segurançaPode dar um exemplo?

Numa das orientações da DGS diz que não são recomendáveis os serviços de buffet. Não são recomendáveis, mas podem ser feitos, têm é de ser observadas determinadas regras para se fazer esse serviço e é isso que o guia depois explica. 

Por exemplo, as orientações dizem que nós temos de manter um distanciamento entre pessoas nas mesas de dois metros. A comunicação social e os empresários começaram logo em pânico, porque isto não era reduzir a capacidade a 50%, mas reduzir eventualmente a capacidade a 20% em algumas situações. O que diz a DGS é "sempre que possível" e no nosso guia explicamos exatamente isso, porque pode haver situações em que isto é completamente inviável. É esse tipo de coisas que nós concretizamos e explicamos no guia. 

O setor da restauração há anos que tem de praticar regras apertadas de segurança alimentar, HACCP [Análise de Perigos e Controlo de Pontos Críticos], saúde dos colaboradores e, portanto, tudo o que vem nas orientações é uma intensificação. 

Estamos a fazer uns vídeos, que ainda esta semana estarão concluídos, para que seja mais fácil que os empresários e os colaboradores percebam quais são as regras que temos de intensificar. Estamos também a elaborar um conjunto de perguntas e respostas frequentes, porque nestes últimos dias têm sido inúmeras as chamadas que chegam ao nosso gabinete de apoio, no sentido de pedir clarificação de coisas que não estão no guia nem nas orientações da DGS, mas que preocupam os empresários. 

Quais são as três principais preocupações que os empresários fazem chegar à AHRESP

As principais preocupações resultam da organização do espaço, mas depois perguntam muito sobre a esplanada, se podem ter ou não podem ter, depois há questões que nada têm a ver mas que geram dúvidas, como, por exemplo, se se mantém a possibilidade de permitir a entrada de animais no estabelecimento. 

Além da orientação que vamos publicar, do guia, ainda temos estes vídeos e este conjunto de perguntas e respostas, por isso acreditamos que está aqui um conjunto de instrumentos que vai permitir aos empresários cumprir as regras com mais facilidade, que é isso que nós pretendemos.

Estamos a viver uma situação extraordinária, não podemos esquecer-nos que não é por reabrimos que a pandemia acabou

Há pouco falava das regras dos buffets, pode esclarecer melhor como é que se poderão realizar? Como pode ser feito um pequeno-almoço buffet de um hotel, por exemplo?

Desde que o cliente não tenha contacto direto com os alimentos é possível. Claro que o conceito do buffet altera-se um bocadinho, mas desde que os alimentos estejam tapados, que haja um colaborador do espaço a servir o cliente e que o cliente não tenha de pegar nas colheres, nos talheres, nos materiais para se servir e não tenha contacto direto com géneros alimentícios - porque eles estão devidamente tapados ou resguardados - é possível continuar a ter uma linha de 'self'. Não é propriamente um buffet como nós gostaríamos e conhecíamos, mas se o estabelecimento estiver organizado para esse tipo de serviço e o quiser manter pode fazê-lo, mas tem de ter um colaborador a fazer o empratamento perante o cliente e o cliente não pode tirar os géneros alimentícios da mesa ou onde estiverem. 

O que eu quero dizer com isto é que as orientações da DGS têm de ser bem lidas. Não diz lá que os buffets são proibidos, o que diz é que não são recomendáveis, portanto temos de ter cuidados adicionais se quisermos manter aquele serviço. Há um conjunto de situações que temos de ler desta forma. 

Temos de perceber que estamos a viver uma situação extraordinária, não podemos esquecer-nos que não é por reabrimos que a pandemia acabou, ela ainda aqui está, ainda não temos nenhuma solução para uma vacina ou que possamos dizer que estamos tranquilos e temos de ter regras inevitavelmente. 

A questão dos equipamentos de proteção individual (...)  podia não ser uma fatura pesada se estivéssemos em circunstâncias normais e estivéssemos a faturar normalmenteToda esta 'revolução' vem também alterar o orçamento dos próprios estabelecimentos, porque grande parte deles registou uma quebra de faturação e agora tem também uma fatura de material de proteção para pagar. Esse montante é 'pesado'? Vai fazer a diferença na conta dos estabelecimentos? 

Foi isso mesmo que nós dissemos ao primeiro-ministro. A segunda condição foi precisamente essa. Vamos abrir em circunstâncias únicas, inclusivamente face às outras atividades económicas. Não temos mais nenhuma atividade económica que vá abrir só 50% do seu espaço. As outras atividades abriram com regras, evidentemente, mas não com limitações desta natureza. Limitar um estabelecimento a 50% faz toda a diferença. 

A questão dos equipamentos de proteção individual, do álcool gel, dos desinfetantes, que vão ter de ser mais, podia não ser uma fatura pesada se estivéssemos em circunstâncias normais e estivéssemos a faturar normalmente. Como não é nada normal, isto é mais um custo relevante para as empresas que não têm dinheiro. 

E numa altura em que as contas estão fragilizadas… 

Exatamente. O que nós pedimos ao senhor primeiro-ministro foi, por um lado, que se abrissem linhas de apoio para a compra dos equipamentos de proteção individual e foi isso que o senhor primeiro-ministro fez, e bem, e aplaudimos a medida. Tivemos a reunião no dia 21 e logo passado alguns dias estava o Governo a anunciar o lançamento de uma medida de apoio a fundo perdido em que apoiam 80% do valor gasto. É uma ajuda. Mas há sempre um 'mas', tem um entrave complicado porque estamos a falar só de microempresas. Temos ouvido dizer que há hipótese de estender às pequenas empresas, mas neste momento o anúncio que foi feito, que a medida ainda nem sequer está operacional, foi no sentido de só ser disponível para as microempresas. E parece-me que o processo de acesso também não será muito simples para as microempresas. Temos de ir passo a passo. Já é bom haver aqui um apoio, não é suficiente porque é só para as microempresas e vamos lá ver como é que ele chega. 

O lay-off termina em junho. Seja uma medida semelhante ao lay-off,  seja outra medida de apoio à manutenção dos postos de trabalho, ela é vitalAlém desta nossa preocupação ainda temos a preocupação relativa aos colaboradores. Se vamos abrir a 50% é óbvio que não precisamos dos colaboradores todos, além de que nem eles podem estar a trabalhar todos juntos por razões de segurança, porque temos de manter distanciamentos. Se estamos a funcionar a 50%, uma grande parte da equipa deve ficar em casa sem trabalhar. 

Propõe por isso um prolongamento do lay-off? 

O lay-off termina em junho. Seja uma medida semelhante ao lay-off, seja outra medida de apoio à manutenção dos postos de trabalho, ela é vital. Não vamos ter, vamos estar a trabalhar a 50%, seria muito bom já ter 50% das receitas, o que não vai acontecer, porque também não temos clientes. Quando abrirmos, os clientes não vão fazer filas à porta. Eles próprios também têm rendimentos diminuídos, não é só o setor da restauração que está em lay-off. Obviamente que as pessoas não vão a correr jantar e almoçar fora, sabemos disso. As receitas vão ser extremamente diminuídas e nós temos os encargos dos postos de trabalho na totalidade, porque não queremos dispensar estes trabalhadores, por isso precisamos necessariamente de ter apoio para os manter. Mesmo no lay-off temos de ter uma parte que é da nossa responsabilidade e ainda é significativa, mas numa situação em que não entram receitas isto não é viável. 

Além de que sabemos que durante o Estado de Emergência e durante o período de encerramento das empresas ocorreram algumas dilações e moratórias de pagamentos que vão acabar por culpa da reabertura e do fim do Estado de Emergência. Portanto, vai cair tudo em cima do estabelecimento na reabertura, sem possibilidade de fazer as mesmas receitas. Se considerarmos 50%, que é muito, das receitas, vamos ter custos de 100% e até mais resultado de algumas moratórias que entretanto vão acabar e que vão cair os pagamentos em cima das empresas...

O que vai acontecer é que estas empresas vão abrir porque querem muito regressar à economia, mas quando repararem que a caixa registadora continua a zero ou com pouco dinheiro, vão chegar ao final do mês e não vão ter condições para continuar

E o Governo mostrou abertura nesse sentido?

Deixe-me só concluir e já lá vou, que isto é importante. Tudo isto é agravado pelo facto de na altura do encerramento poucos apoios terem entrado nas empresas. A verdade é essa. Agora estamos a falar dos apoios na reabertura, mas no tempo - dois meses - em que estiveram encerrados que apoios estas empresas tiveram? Fala-se muito de financiamentos, das linhas que foram criadas, ainda ontem o senhor primeiro ministro dava conta que estavam quase a esgotar-se os valores… É tudo verdade, mas estas micro-empresas que têm recorrido à banca, que é um dos apoios que está disponível, não estão a ter quaisquer operações aprovadas.

Fizemos uma plataforma para acompanhar os processos dos nossos associados na banca e desde pedidos de garantias patrimoniais e pessoais, que não podem fazer porque o Governo já disse que não podem fazer, mas continuam a fazer; spreads mais altos do que aqueles regulamentados pelo Governo; prazos de resposta completamente fora daquilo que são os prazos que deviam cumprir. As empresas não estão a ser apoiadas pela banca, só algumas é que estão. Estas micro e pequenas empresas não estão.

O lay-off, sabemos que algumas delas ainda não receberam. Estamos a trabalhar muito de perto do Ministério do Trabalho. A linha de microcrédios que está a funcionar muito bem, mas que é exclusivamente para micro-empresas, apesar da AHRESP ter solicitado, várias vezes, ao Governo que também as pequenas empresas fossem incluídas, pelo menos. Isto para dizer, que o cenário da reabertura é muito difícil. Relativamente à compra de equipamentos de material de proteção individual, a resposta [do Governo] foi imediata e bem. Em relação à manutenção dos postos de trabalho, teremos o lay-off até junho, pelo menos, mas serão necessárias medidas de apoio. Sabemos que o Governo está a estruturar novas medidas, mas a verdade é que não vamos ter condições de manter os postos de trabalho.

Daqueles que nos responderam, no último inquérito, cerca de 30% vão abrir falência. Não vão abrir portasO que vai acontecer é que estas empresas vão abrir porque querem muito regressar à economia, mas quando repararem que a caixa registadora continua a zero ou com pouco dinheiro, vão chegar ao final do mês e não vão ter condições para continuar. Porque não vão ter condições para pagar aos fornecedores. Há um investimento inicial que tem de ser feito, mais os custos todos associados à operação, mais as rendas, que agora as moratórias vão cair e terão de ser pagas. Tudo isto são encargos pesados para quem vai ter uma faturação muito reduzida.

Faz ideia do número de estabelecimentos que encerraram definitivamente por causa da pandemia

Daqueles que nos responderam, no último inquérito, cerca de 30% vão abrir falência. Não vão abrir portas. Cerca de 20% disseram que não iam reabrir portas no dia 18 [de maio], mas estes dados estão sempre a mudar face ao cenário que eles têm em cima da mesa.

É preciso ter consciência de que se não houver dinheiro na tesouraria das empresas, são subsídios de desemprego amanhã e eles terão de ser pagos de qualquer formaHá sempre uma expectativa de que, de facto, possam ser verdadeiramente apoiados e que haja a possibilidade de injectar dinheiro nas tesourarias destas empresas. É isso que temos dito. Sabemos também que o senhor ministro da Economia tem dito, variadíssimas vezes, que dinheiro a fundo perdido hoje são mais impostos amanhã. É um facto, mas também é preciso ter consciência de que se não houver dinheiro dinheiro na tesouraria das empresas, são subsídios de desemprego amanhã e eles terão de ser pagos de qualquer forma. Não queremos subsídios de desemprego, queremos manter os empregos e queremos manter todo este 'know-how' que foi criado ao longo dos anos.

Somos o setor que mais emprego dá e são muitas as famílias dependentes deste setor. Não queremos ver destruídas estas empresas, que eu também tenho ouvido muita gente dizer que há pequenas microempresas que vão ter de morrer, mas não podem morrer porque todas estas microempresas têm famílias a depender delas. O turismo não vive só de algumas empresas, vive de todas por mais pequeninas que elas sejam. 

Há muitos consumidores ansiosos pelo regresso deste setor, mas nunca será como foi antes da pandemiaQual é a mensagem que gostaria de deixar aos clientes para que, a partir de segunda-feira, comecem a frequentar estes espaços?

Os estabelecimentos de restauração e de hotelaria sempre foram os mais seguros para nós desfrutarmos. Temos regras complicadíssimas. Temos de ter cuidados diferentes e sempre fizemos isso durante anos. Agora, o que temos de fazer é intensificar algumas regras. Se as casas de banho eram desinfetadas duas/três vezes ao dia, se calhar vão ter de ser desinfetadas mais vezes. A orientação da DGS tem essas regras. Sempre foram espaços seguros e vão continuar a sê-lo. Os empresários têm noção das regras e dos cuidados que temos de ter. O que eu apelo é que os consumidores e o nosso cliente voltem aos seus espaços preferidos.

A AHRESP está a ultimar com o Governo a possibilidade de, depois de cumpridas estas orientações, ser emitido um selo que certifique que aquele estabelecimento tem regras adicionais por culpa desta pandemia. Está a ser estruturado e também estamos a fazer uma campanha dirigida aos clientes para recuperarem a confiança e regressarem aos nossos espaços. Há muitos consumidores ansiosos pelo regresso deste setor, mas nunca será como foi antes da pandemia.

Não vamos contar com o turista externo, até que a questão dos voos seja restabelecida. Vamos conviver apenas com o nosso turismo interno, mas já estamos a fazer esse trabalho para relembrar e informar o turista estrangeiro que Portugal tem estabelecimentos seguros. Não podemos esquecer-nos que há bem pouco tempo ganhávamos prémios quase todas as semanas. Queremos voltar a ganhar esses prémios e voltar a ser aquele destino de excelência que sempre fomos. Temos de trabalhar para ganhar a confiança de quem está cá dentro e de quem vem de fora. O nosso foco tem sido esta primeira fase, que começa no dia 18, mas se não fora apoiada, não vamos ter mais fases. Temos de apoiar já e agora. 

Tem alguma expectativa sobre como será o turismo este ano? Já se verifica um acréscimo das reservas para o período do verão? 

Não consigo perspetivar porque isto depende de muitos fatores. O que posso dizer é que estamos todos a trabalhar para voltarmos a ter pessoas nos nossos hotéis e restaurantes. A própria reabertura a dia 18, mas isto tudo pode mudar de um momento para o outro. Os hotéis nunca estiveram encerrados pelo Estado de Emergência, mas muitos deles foram forçados a fechar. Vamos ver como se comporta o consumidor e como será o turismo interno.

O nosso desejo é que os hotéis abram porque têm reservas. Precisamos das reservas e das pessoas, mas ainda não sabemos o que vai acontecer.

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