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"Fazer música para sensibilizar a população é prostituí-la"

Os Mão Morta apresentam, esta sexta-feira, dia 27 de setembro, o álbum 'No Fim Era o Frio'. Cinco anos depois do lançamento do último trabalho, o Notícias ao Minuto esteve à conversa com o vocalista da banda, Adolfo Luxúria Canibal.

"Fazer música para sensibilizar a população é prostituí-la"
Notícias ao Minuto

27/09/19 por Natacha Nunes Costa

Cultura Mão Morta

�No Fim Era o Frio’ é o mais recente álbum dos Mão Morta. A irreverente banda de Braga, que nasceu em 1984, não lançava um álbum há cinco anos. Mas não esteve parada. Deram muitos concertos, incluindo em França, lançaram um livro biográfico, fizeram uma digressão com 70 mulheres de Paredes de Coura, tiveram a cargo um programa de televisão e até fizeram um filme biográfico com o realizador João de Sá.

Apesar de toda esta atividade, os fãs já pediam um novo trabalho. E eis que, esta sexta-feira, dia 27 de setembro, surge o 11.º álbum de originais da banda que, ao longo de 11 faixas, vai narrar um cenário pós-apocalíptico ao mesmo tempo que conta uma parábola sobre a solidão humana.

Ao Notícias ao Minuto, Adolfo Luxúria Canibal, vocalista, letrista e fundador dos Mão Morta, explicou a “génese bíblica” de ‘No Fim Era o Frio’ e todas as temáticas que este novo álbum traz na bagagem.

Ao vivo, os fãs poderão ouvir o disco já este sábado, dia 28 de setembro, no Hard Club, no Porto, e a 11 de outubro no LAV, em Lisboa. Além disso, a banda vai dedicar tempo de qualidade aos seguidores, com três sessões de autógrafos gratuitas: a 27 de setembro, na Tubitek, em Braga, a 29 de setembro na FNAC de Santa Catarina, no Porto, e a 1 de novembro, na FNAC do Chiado, em Lisboa. Todas estas sessões são de entrada gratuita.

No dia 27 de setembro apresentam o vosso mais recente álbum ‘No Fim Era o Frio’. Como é que surgiu este nome? O que representa? O que quer dizer?

O nome funciona como uma réplica à génese bíblica do ‘No princípio era o verbo’, sendo que o frio aqui é simultaneamente o frio cosmológico do espaço sideral e o frio afectivo da perda e solidão humanas, uma vez que é nessas duas dimensões que a narrativa do disco se desenvolve.

O que é que os fãs podem encontrar ao longo das 11 músicas do vosso novo trabalho?

Podem encontrar um cenário distópico de ocaso da civilização e do planeta para uma história de amor, de perda e fim do amor, e das perturbações psicológicas e delirantes a que isso dá azo.Fazer música para sensibilizar a população é subalternizar a música a uma mensagem e, no fundo, prostituí-la, por muito pias que sejam as intençõesNeste disco falam do aquecimento global, da subida das águas do mar, de diferentes problemas que atingem a sociedade hoje em dia. De que forma estas preocupações ambientais mudaram a vossa vida? Que mudanças fizeram na vida pessoal?

As questões ambientais em geral – e não só a subida das águas do mar ou o aquecimento global – fazem parte da nossa vida há muito tempo, diria mesmo desde sempre, até por motivos profissionais, pelo que a sua recente visibilidade pública não implicou qualquer mudança na nossa vida pessoal – mas implicará certamente mudanças radicais, na nossa vida e na de toda a gente, se não forem encontradas rapidamente respostas que minimizem, no mínimo, os danos que o capitalismo causa ao planeta…

E como músicos?

Também não, pelos mesmos motivos.

A música é uma boa forma de chamar a atenção e de sensibilizar a população para estas problemáticas?

Não, a maioria das pessoas ouve música como entretenimento e não quer ser massacrada com problemas, sejam eles quais forem. Fazer música para sensibilizar a população é subalternizar a música a uma mensagem e, no fundo, prostituí-la, por muito pias que sejam as intenções – além de que tal música só irá encontrar anticorpos da parte dos ouvintes, que apenas querem coisas ligeiras e inócuas a adornar-lhes o quotidiano.

Podemos dizer que este é um álbum ecologista?

Não, este disco não faz – nem pretende fazer – qualquer apologia comportamental nem manifesta qualquer preocupação pela defesa e protecção do ambiente. Não tem nada de ecologista!

O disco anterior acabou a debruçar-se sobre o mal-estar existencial que se vivia em Portugal; este, influenciado pela toada mântrica que a composição modular trouxe, alonga-se numa distopia de perda e de desconforto vitalHá cinco anos que não lançavam um disco. O que mudou nestes cinco anos? O que andaram a fazer?

Além de termos envelhecido cinco anos, fizemos muitos concertos, incluindo França, Açores e Madeira, um espectáculo de comunidade, e respectiva digressão, com 70 mulheres de Paredes de Coura ('Chão'), um livro biográfico com 30 anos só de recortes de imprensa ('Revista de Imprensa – Os Mão Morta na Narrativa Mediática (1985-2015)'), um espectáculo, e respectiva digressão, com a sinfonieta de música contemporânea da Casa da Música Remix Ensemble ('Mão Morta + Remix Ensemble'), um espectáculo comemorativo, e respectiva digressão, com manipulação digital de ilustrações ('25 Anos de Mutantes S.21'), um espectáculo de dança, e respectiva digressão, com a coreógrafa Inês Jacques ('Mão Morta + Inês Jacques – No Fim Era o Frio'), um programa de televisão ('No Ar'), dois discos gravados ao vivo ('Carícias Malícias' e 'Nós Somos Aqueles Contra Quem Os Nossos Pais Nos Avisaram', com o Remix Ensemble), um filme biográfico com o realizador João de Sá ('Mutantes S.21 – 25 Anos') e muitas outras pequenas experiências que aguardam continuidade. Pode-se dizer que não estivemos parados!

Em que difere este álbum do último?

Desde logo nos seus objectivos: no álbum anterior, 'Pelo Meu Relógio São Horas de Matar', queríamos experimentar composições com o tempo muito lento, em que atrasávamos o tempo o mais possível, para ver o que daí resultava; neste, quisemos trazer para a música eléctrica, e para o rock em particular, uma forma de composição característica da música electrónica, a composição modular, e ver o que daí resultava. Depois, influenciado pelo peso que as músicas ganharam à conta da sua lentidão e contaminado pelo ambiente político e económico da época, o disco anterior acabou a debruçar-se sobre o mal-estar existencial que se vivia em Portugal; este, muito influenciado pela toada mântrica que a composição modular trouxe, alonga-se numa distopia de perda e de desconforto vital.

Vão celebrar o lançamento do disco na vossa cidade natal com uma sessão de autógrafos e de encontro com os fãs. Foi de propósito? Com certeza tem um significado especial, com que surpresas poderão contar os vossos fãs e conterrâneos nesta sessão?

Não foi de propósito, foi apenas a data possível para satisfazer o desejo de uma nova loja de discos da cidade em assinalar a edição do nosso novo álbum. Tem significado especial, claro, não tanto por ser na nossa cidade, mas por ser numa nova loja de discos – simbolicamente, é a nossa saudação muito carinhosa a uma profissão tida como extinta ou em vias disso e que teima em sobreviver e mesmo a renascer!

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