Depois de 'Ainda Há pastores?', 'Páre, Escute, Olhe' e 'Pára-me de Repente o Pensamento', chegou às salas de cinema o novo documentário de Jorge Pelicano: 'Até Que o Porno Nos Separe'. Um filme que acompanha uma mãe, Eulália, que descobre através da Internet que o filho, Sydney Fernandes (conhecido no mundo artístico como Fostter Riviera) é homossexual e ator de filmes pornográficos.
Foi já durante o processo de reaproximação do filho que Pelicano chegou à vida de Eulália, conseguindo com este filme abordar várias questões que definem o significado da palavra família: a aceitação, a liberdade e o respeito, tanto do ponto de vista dos pais como dos filhos. Além disso, estão incluídas na obra temáticas como as redes sociais e o efeito de dependência que geram na sociedade atual, além da forma como podem contribuir para a aproximação - ou afastamento - dos laços familiares.
Nesta história vemos uma mãe a tentar aproximar-se do filho e do seu mundo através de um computador, uma vez que ambos estão separados pela distância que separa Portugal da Alemanha, onde Sydney trabalha.
Em conversa com o Notícias ao Minuto, Jorge Pelicano fala abertamente sobre o que o moveu neste novo trabalho e como este acaba por ser também mais um passo na caminhada LGBT.
Como já revelou anteriormente, primeiro falou com os atores e só depois é que chegou aos pais dos mesmos, mas quando abordou esta mãe, Eulália, como é que foi o processo? Porque no filme ela segue o ‘guião’ com toda a transparência, de uma forma muito natural.
Em primeiro lugar não podemos esconder ao que vamos porque se escondes ao que vais corres o risco de a meio do processo o protagonista desistir. Isso era importante e logo desde o início expliquei que queria fazer um documentário sobre o impacto que as escolhas dos filhos têm na vida dos pais. No caso concreto da Eulália, o impacto que teve para a vida dela, ela ter descoberto pela Internet que o seu filho era ator porno gay na Alemanha, e sendo ela uma mulher conservadora. E ela aceitou.
Ela fez isto pelo filho. Queria contar esta história também pelo filho porque queria mostrar que o amor consegue vencer determinado tipo de obstáculosFoi um processo feito de uma forma natural…
Sim, foi natural e depois vim a perceber porquê, porque ela fez uma caminhada muito solitária. Ela sempre foi uma pessoa muito comunicadora. Trabalhou com cerca de 60 mulheres no passado, num trabalho de estudos de mercado que ela tinha. Portanto, estava habituada a lidar com pessoas. Mas, no caso desta descoberta do filho, foi uma caminhada muito solitária. Quando a nossa equipa apareceu, voltou novamente essa vontade que ela tinha de falar e de se abrir. Até ao fim nunca vacilou em deixar de contar esta história. Também acabei por perceber que mesmo que ela tivesse algumas dúvidas, o facto de amar tanto o filho como ama… ela fez isto pelo filho. Queria contar esta história também pelo filho porque queria mostrar que o amor consegue vencer determinado tipo de obstáculos.
O filme faz transparecer que o amor de mãe é o maior do mundo…
Desde o início do processo senti que a mãe era sempre aquela pessoa que dava um apoio maior. O pai, os homens em si, muitas vezes repudiavam esse tipo de situações, sentiam-se envergonhados. Daí começou a surgir o tal amor materno que vence determinado tipo de obstáculos e de dificuldades. No fundo isto também é um filme sobre a força das mulheres. E esta força vem ao de cima nestes momentos. Ela, depois de ser surpreendida com esta revelação de ele ser homossexual e de ser ator porno, tem de se reinventar de certa maneira. E o filme acompanha todo esse processo.
O pai aparece no filme mas de uma forma mais ‘resguardada’.
Essa cena é representativa neste caso do papel do pai nesta família. Mas é algo que é perfeitamente contextualizado pela educação e pela formação destas pessoas. São pessoas de uma geração completamente diferente, têm neste momento cerca de 65 anos, foram educadas de uma maneira completamente diferente. O mundo em 20 anos mudou e as pessoas tiveram de se adaptar. É óbvio que as mentalidades, felizmente, hoje em dia são muito mais tolerantes, muito mais abertas, muito mais modernas do que eram há 30/40 anos.
Tem também algumas imagens religiosas.
Sim, é o contexto. No fundo, é importante contextualizar o personagem porque esta história tem a sua força tendo em conta que ela vem de uma educação muito mais conservadora, também religiosa, que muitas vezes não compactua com este tipo de escolhas dos filhos e daí o conflito. Por haver esse conflito, daí a razão por nós termos optado por contar esta história.
Uma das cenas que mais me tocou foi quando a Eulália disse que ela é teve de sair do armário. De facto, sente-se isso porque muitas vezes só olhamos para o sofrimento dos filhos e 'esquecemo-nos' dos que estão do outro lado...
Sim, desde o início essa sempre foi a minha curiosidade. Como é que os nossos pais reagem a determinadas escolhas dos filhos porque qualquer pai e qualquer mãe, pode não dizer, mas tem sempre determinado tipo de expectativas, desejos e ambições para os filhos. Depois quando estas coisas acontecem, a tua expectativa quase que tem uma espécie de efeito de ricochete. Quase como uma bala que tu disparas e, de repente, bate em qualquer lado e atinge-te novamente. Neste caso foi também isso que aconteceu. Interessava-me o lado dos pais porque é um lado menos falado, mas isto não é só nestas profissões.
A novidade deste filme é que dá uma espécie de ‘coming out’ não do filho, mas da parte de uma mãe, que é um lado menos exploradoAlém de abordar a pornografia também fala do lado LGBT, cuja causa tem dado vários passos em Portugal.
Sim e este é mais um passo. A novidade deste filme é que dá uma espécie de ‘coming out’ não do filho, mas da parte de uma mãe, que é um lado menos explorado. Nomeadamente nos festivais onde nós já participámos, foi uma das coisas que mais saltou à atenção, o facto de termos optado por esta perspetiva. Mas isso também vai ao encontro da minha maneira de trabalhar, do meu método de trabalho que é sempre um processo criativo de negação. No fundo quando tenho uma ideia, a primeira pergunta que faço a mim próprio, depois de ter essa ideia, é: Já alguma vez alguém fez alguma coisa neste tipo de perspetiva? No fundo foi sempre assim que eu pensei. Quando entrei no universo da pornografia não queria fazer coisas sobre os bastidores da pornografia em Portugal. Queria ter uma perspetiva diferente. A mesma coisa que nos meus filmes anteriores. O primeiro, 'Ainda Há pastores?', em que o próprio pastor não é aquela figura típica do pastor velhinho de 60 anos… Não, era um pastor que tinha na altura 25 anos e que andava com um leitor de cassetes a ouvir música do Quim Barreiros. Ou se calhar no meu terceiro filme, 'Pára-me de Repente o Pensamento', em que a gente introduziu um ator dentro de um hospital psiquiátrico e metemos o ator a interagir com aquela realidade psiquiátrica. No fundo, é sempre procurar dentro de determinados universos, que já foram explorados, uma perspetiva diferente e que traga um outro olhar sobre uma determinada realidade.
Agora que o filme já foi exibido em festivais e está nas salas de cinema, sente que vai contribuir para novos passos precisamente no âmbito LGBT? Principalmente em Portugal…
Acho que sim. Não só em Portugal, como noutros sítios. Pelo menos as pessoas que vão ver o filme nunca saem indiferentes, não digo propriamente ao filme, mas a este tipo de abordagem porque os alerta, não só aos pais, mas também aos filhos. E é mais um passo. Mais do que um passo é um outro olhar porque os passos são as pessoas que têm de os dar. O filme mostra essas coisas e depois, é óbvio, a prática tem de ser o espectador. A pessoa que vê o filme é que tem de dar esses passos.
O filme mostra realidades diferentes sobre o tema entre Portugal e lá fora. Aquilo que o Sydney Fernandes (nome artrítico Fostter Riviera) vive em Portugal é muito diferente do que ele vive na Alemanha. Há uma aceitação muito maior.
Sim, essa foi uma das razões por que também na altura o Sydney decidiu emigrar. Ele sentiu que o mundo em Portugal era um pouco menos tolerante do que na Alemanha. Mas isso é perfeitamente normal. Não quer dizer que Portugal não seja um país tolerante, pelo contrário. Acho que a nível de homofobia, felizmente, estamos muito melhor do que estávamos há dez anos. Mas é óbvio que Berlim, nesta caso a Alemanha, era no fundo a ‘praia’ do Sydney.
Se eu tivesse uma filha atriz porno? Acho que mais tarde ou mais cedo teria de aceitar. Se é uma escolha responsável, teria de aceitar. Não é uma decisão fácil, por isso é que quisemos fazer este filmeCom este filme, sente que a família tem ou não necessariamente de aceitar as escolhas dos filhos e até onde é que vai essa liberdade?
Posso falar pela minha experiência pessoal. Nós também tentámos mostrar que o Sydney não era apenas um porno star. Era uma pessoa que também tem um trabalho e isso também era muito importante para caracterizar o personagem. Porque se nós só mostramos um lado da vida dele, as pessoas vão ter um determinado tipo de visão, se calhar, deturpada do que é que é a vida do Sydney. Acho que em primeiro lugar não devemos generalizar porque não é fácil para as famílias. Só posso falar por este caso aqui e dei essa justificação de que ele não era só ator porno, também tinha o seu trabalho normal. Era autónomo do ponto de vista financeiro, educado, responsável… Isso são fatores que não podem ficar de fora quando nós depois temos de tomar uma decisão de aceitarmos ou não. Agora, homossexualidade, na minha opinião, claro que as famílias devem aceitar porque não é uma escolha.
Sim, quando falo é sobre a escolha da pornografia…
Faço a pergunta a mim mesmo: Se eu tivesse uma filha atriz porno? Acho que mais tarde ou mais cedo teria de aceitar. Se é uma escolha responsável, teria de aceitar. Não é uma decisão fácil, por isso é que quisemos fazer este filme, mostrar todo o processo. Mas acho que essencialmente, no geral, deve haver abertura de parte a parte, nomeadamente para as famílias porque nem sempre os filhos devem ser aquilo que a gente acha que devem ser.
Marcou-me essencialmente a insistência desta mãe, de não querer deixá-lo. Este amor louco. Senti que havia ali um grande amor desta mãe por este filhoQuais os momentos que mais o marcaram na realização deste filme?
Marcou-me essencialmente a insistência desta mãe, de não querer deixá-lo. Este amor louco. Senti que havia ali um grande amor desta mãe por este filho. Depois também o facto do Sydney nos deixar totalmente à vontade para contar esta história. Fiquei muito sensibilizado pelo facto de ele ter falado com a mãe antes de nós começarmos a filmar - e nós vimos essas mensagens que ele trocou com ela - em que ele queria que a mãe fosse verdadeira. Ou seja, que dissesse as coisas boas e as coisas más do filho. Isso mostrou uma grande confiança em nós. Depois, dentro do mundo da pornografia, senti que existe um determinado número de atores e atrizes que não têm nada a ver com o universo que eu pensava que eles pertenciam que é o universo da prostituição. Algumas pessoas que faziam pornografia estavam completamente fora desse meio. Eram pessoas que trabalhavam em trabalhos ‘normais’ e volta e meia faziam filmes porno. Às vezes nós temos determinados tipos de preconceitos na cabeça que achamos que o mundo da pornografia está muito ligado ao mundo da prostituição… Na verdade, também existe, mas havia outras atrizes que não faziam nada parte desse mundo de atores. E quando nós lhe perguntávamos [porque estavam ali] eles dizem logo que não vinham da prostituição, que começaram a fazer aquilo porque faziam com o namorado e quiseram ter uma aventura. Muitas vezes estas pessoas começam em casal.
Por vezes até podemos ter a ideia de que em Portugal fazer filmes pornográficos é a profissão daquelas pessoas mas, na verdade, muitas vezes é apenas um hobby.
Em Portugal e, se calhar na Europa, é muito difícil ser profissional daquela área, nomeadamente na pornografia homossexual. Apenas algumas atrizes e atores em Barcelona, talvez em Praga e, de facto, a grande meca da pornografia nos Estados Unidos. Mas cá em Portugal é praticamente impossível viveres apenas da pornografia.
Sente que este meio ainda não está desenvolvido?
É um meio muito pequeno. E talvez por não haver assim tantas histórias cativantes decidi não fazer dos bastidores. Mas é muito difícil sobreviver apenas [trabalhando na pornografia]. Mas se olharmos bem não é só na área da pornografia. Dentro de outras artes isso também acontece. Outros artistas que não sejam atores porno, que façam teatro ou cinema, também para muitos é difícil.
De que forma é que o filme ajudou ou contribuiu para este filho e esta mãe, ainda por cima gravando o documentário quando estavam no meio do processo?
Foi muito bom porque, de certa maneira, o documentário também a levou a uma associação, a AMPLOS, que é uma associação de pais e mães que se uniram para tentar em conjunto ultrapassar estes desafios com que se deparam na sua vida e a maneira como eles enfrentam a homossexualidade dos filhos, alguns transgénero. O facto de o filme ter apresentado a AMPLOS à Eulália fez com que a Eulália após o filme continuasse. E hoje em dia tem uma atividade dentro da área do LGBTI, nomeadamente do ativismo, que na altura era inexistente quando a começámos a filmar. A entrada do cinema na vida dela abriu-lhe outras perspetivas, outras janelas num mundo que estava sempre muito fechado para ela.
Não é fácil chegar ao pé de uma mãe conservadora, com aquela educação e dizer: sou ator porno. Também temos de compreender o lado deleAcabou por conseguir desabafar…
Exatamente. E percebeu que havia outras pessoas com os mesmos desafios que ela tinha. Também é o meu filme mais de família, mais intimista, mas, se calhar, foi provavelmente o filme que fiz onde, de certa maneira, o protagonista teoricamente ficou melhor com a nossa presença. Com o filho, ele disse-nos uma vez que quando estava a ver o filme muitas vezes via as consequências de muitas coisas que na altura fazia, nomeadamente quando ele se afastava imenso da mãe… Ele não tinha noção, não via a consequência desse ato de afastamento e no filme acabou por ver. De certa maneira isso também o fez refletir sobre determinadas situações. Se bem que aqui, continuo a reforçar, para este filho também não era fácil. Não é fácil chegar ao pé de uma mãe conservadora, com aquela educação e dizer: mãe, sou ator porno. Também temos de compreender o lado dele.
Outra questão muito presente no filme são as redes sociais… Aliás, há uma parte em que vemos o Sydney muito ativo neste mundo virtual, também devido ao seu hobby, mas depois vemos um lado mais solitário.
Sim, era esse o contraste que nós também queríamos dar. No fundo, as redes sociais também são uma forma de combater algum tipo de isolamento em algumas pessoas. A rede social é um ‘layer’ que é transversal ao longo de todo o filme porque é um ‘layer’ que permite a comunicação entre os dois personagens, e é também o lugar onde toda a gente vê tudo. Para esta mãe também era complicado lidar com isto porque ela sabia perfeitamente que toda a gente via aquilo que ela também via acerca do filho. Para a mãe também não era fácil esta questão das redes sociais, de te mostrar o mundo todo, mas, por outro lado, mostrar o isolamento das pessoas, de certa maneira. A rede social foi sempre algo que é transversal ao filme. Aliás, há aqui um dispositivo no meio entre os dois personagens que é o computador e é onde essa rede social está incluída.
E acaba por abordar outra questão que é: Hoje em dia parece que para os pais acompanharem de perto os filhos têm de estar nas redes sociais...
Sim, exatamente. Eu não tenho rede social, portanto, costumo dizer que vivo num mundo à parte. Mas claramente que sinto isso. Mesmo os meus pais. Há coisas que, se calhar, amigos meus sabem dos meus pais que eu próprio não sei porque não os sigo na rede social. E muitas vezes é assim que acontece porque é, no fundo, a montra da nossa vida.
Agora que o filme já estreou, qual o feedback recebido?
O filme só estreou há uma semana. Penso que está a correr relativamente bem, nomeadamente em Lisboa e no Porto, nas grandes cidades. Nas outras é mais difícil. O que sentimos nas outras cidades é que para este tipo de documentário, na nossa opinião, é preferível fazer sessões únicas. Mais em cineclubes, em determinados tipos de salas que não sejam as grandes salas de cinema. O feedback, essencialmente, tem a ver com o facto de termos mostrado o lado da mãe. Pessoas emocionadas… É mais nesse sentido que temos sentido o público. Faz as pessoas pensar como nós pais lidamos com os filhos e como é que nós filhos lidamos com os nossos pais. E esse era, na verdade, o principal objetivo.
Acho que já demos grandes passos e hoje em dia já não vamos com a ideia: que ‘seca’, vamos ver um filme português. Pelo contrário, temos muito bom cinema português bastante premiado em festivais lá fora A simplicidade, transparência e o lado emocional está muito presente em todos os seus filmes, como é que é o seu processo criativo?
Muitas vezes o meu tipo de documentário está muito ligado à vida real das pessoas. O facto de alguns filmes não fazerem entrevistas, não estar a fazer questões, passar muito tempo a aguardar que o momento venha ao nosso encontro, ou com um determinado sentimento ou uma determinada emoção seja captada pela câmara. Mas isso é um trabalho que requer muita paciência e muito tempo de espera. Se calhar daí é que as pessoas sentem essa realidade, essa coisa mais orgânica… É assim a vida das pessoas. No fundo é jogar muito com os sentimentos que as pessoas podem passar, com a emoção que devemos querer numa determinada cena, mas sempre de uma forma muito equilibrada. Deixar sempre uma linha aberta para o público também ter o seu filme. Construir na sua cabeça o seu filme, não fechar totalmente as coisas e dar espaço para que o espectador formule as suas ideias e pensamentos.
De todos os filmes que fez até aqui, qual foi o mais difícil?
São fases diferentes. Acho que este aqui, ‘Até Que o Porno Nos Separe’, foi um processo longo em que estávamos muito dependentes daquilo que a realidade nos ia dar, do desfecho desta relação entre mãe e filho. Foi um filme mais imprevisível. Daí também o seu grau de dificuldade. O 'Pára-me de Repente o Pensamento' por ser filmado numa instituição e estarmos dependentes do aval da instituição para que o filme ganhasse vida. Foi a maior dificuldade, mas depois de a gente ter conseguido, foi também uma grande satisfação o facto de termos conseguido realizar aquele filme dentro daquelas dificuldades. Era muito difícil filmar dentro do hospital porque 90% das pessoas não podiam aparecer. Talvez o meu primeiro filme, o facto de ter sido um filme mais ingénuo, cheio de paixão, 'Ainda Há pastores?', em que nós não tínhamos qualquer tipo de ambições. Só queríamos fazer uma montagem de determinadas coisas que fui filmando ao longo de seis anos. É o meu filme, se calhar, mais apaixonado. É como se fosse uma relação, aquela paixão louca dos primeiros meses. Senti muito isso no ‘Ainda Há Pastores?'. Todos os filmes têm as suas particularidades, não consigo generalizar e dizer qual foi. Os nossos filmes são nossos filhos.
Há realizadores que se queixam da falta de apoios em Portugal no que diz respeito à indústria cinematográfica. Também sente o mesmo?
É óbvio que toda a gente quer ter o máximo de apoios, mas as regras já estão estipuladas. Para fazer este tipo de cinema estamos sempre dependentes do apoio do Instituto do Cinema. Neste caso foi o que aconteceu, conseguimos financiamento através do Instituo do Cinema, também da RTP e do IndieLisboa. É óbvio que queremos sempre mais, mas é com o que vivemos. Quem está no meio artístico sabe perfeitamente que não é um trabalho que a gente saiba que vamos ter sempre o mesmo salário e vamos ganhar sempre a mesma coisa. A questão do dinheiro sempre esteve ligada à parte do cinema porque é provavelmente uma das artes mais caras. Hoje em dia a questão é que o realizador não se pode preocupar apenas em realizar o filme, tem que se preocupar com todas as outras coisas à volta.
Outra das questões por norma em cima da mesa é o facto de a adesão do público ao cinema português não se comparar ao internacional.
Há muitos anos que vivemos com esse preconceito. Antigamente as pessoas tinham um grande preconceito com o cinema português, que já está muito mais reduzido. As pessoas já vão ver muitos mais filmes portugueses ao cinema. Acho que já demos grandes passos e hoje em dia já não vamos com a ideia: que ‘seca’, vamos ver um filme português. Pelo contrário, temos muito bom cinema português bastante premiado em festivais lá fora. E cada vez com mais público cá. Há pessoas que também procuram outras tendências cinematográficas e Portugal tem realizadores e cinematografia bastante heterogénea que vai ao encontro do público que também está a crescer. O que sinto nos últimos anos é que nomeadamente o público dos cineclubes, de algumas salas espalhadas por todo o país, não só Lisboa e Porto, está a crescer. Mas isso acho que acontece com a cultura em geral. Acho que isso é o resultado não só no cinema. Há muitas salas de teatro que têm muito público, concertos esgotados… Agora, é óbvio que gostaríamos que o nosso público fosse ver mais filmes portugueses, mas acho que já estivemos pior.
Mas também tem a ver essencialmente com outra coisa, se calhar do ponto de vista técnico, e estou a falar de equipas técnicas de cinema, as coisas também melhoraram muito a nível de qualidade, direção de fotografia, direção de som, guarda-roupa… Aliás, não é por acaso que houve uma equipa de áudio, da Loudness Films, que participou no processo do som do Melhor Documentário deste ano que foi o ‘Free Solo’ [filme que recebeu um Óscar pela categoria referida]. Parte do som foi feita cá em Portugal. Há diretores de fotografia portugueses que estão a trabalhar com realizadores estrangeiros… Esse lado técnico também melhorou muito o que, de certa maneira, veio beneficiar os filmes.
Projetos futuros? Vi que estava a preparar algo sobre o Tony Carreira?
Sim. E estou à espera de financiamento para um documentário sobre um náufrago português que nos anos 70 tentou atravessar o Oceano Atlântico desde São Tomé ao Brasil, numa canoa. Vai ser a história desse senhor.