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"Nunca as eleições europeias viveram encruzilhada tão sensível e grave"

Nuno Melo é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.

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Anabela Sousa Dantas
20/03/2019 09:20 ‧ 20/03/2019 por Anabela Sousa Dantas

Política

Nuno Melo

Eurodeputado desde 2009, Nuno Melo está pela terceira vez na corrida às eleições europeias. A concorrer novamente sozinho - uma vez que em 2014 o CDS-PP concorreu em coligação com o PSD -, o cabeça de lista dos democratas cristãos ambiciona, pelo menos, o mesmo que conseguiu no início: a eleição de dois eurodeputados.

Ainda que tenha concorrido com o PSD nas europeias de 2014, uma decisão que explica ter decorrido do contexto político da altura, Nuno Melo diz, em entrevista ao Notícias ao Minuto, que nunca escondeu as suas diferenças para com os sociais-democratas. Diferenças, essas, “que hoje são muito nítidas em alguns casos do PSD e muito mais casos do PS”. É, assim, importante, no entender do também vice-presidente do CDS-PP, que o partido vá às urnas e “relegitime o seu peso”.

Apontado como um possível sucessor de Paulo Portas, apoiou desde o início Assunção Cristas, uma decisão que diz ter sido acertada e “justificada por bons resultados eleitorais”. “Não há razão nenhuma para pensar sequer em sucessões nos próximos anos”, adianta, questionado sobre o seu futuro no largo de Caldas.

O dirigente popular faz da agricultura uma das suas principais marcas ao serviço de Portugal, marcando também posição na questão dos fundos comunitários, que refere terem sido vetados ao desperdício. Dizendo-se “profundamente europeísta, mas não federalista”, demarca-se do PS na questão do fim da unanimidade nas tomadas de decisão em Bruxelas.

“Nunca as eleições europeias viveram uma encruzilhada tão sensível e grave”, refere, comentando também a nova configuração social e política que foi trazida pelo terrorismo e pelas vagas de migrantes. Defendendo o acolhimento imediato de refugiados de guerra, defende também que devem ser aplicadas leis de imigração aos que não o são. “O protótipo do que a Europa precisa é o que os portugueses sempre foram”, assevera, explicando que deve entrar num país da Europa apenas quem respeita as suas regras.

Em que matérias irá defender os interesses de Portugal na Europa e com que soluções?

Eu, enquanto eurodeputado, faço parte de um instrumento político ao serviço do interesse de Portugal em Bruxelas. Em relação a quaisquer dossiers, em quaisquer áreas, em que o interesse português esteja em causa - desde a agricultura, ao ambiente, à economia, à política externa, ao mar, a tudo aquilo em que, por razão do debate político ou das decisões europeias, seja chamado a intervir.

Independentemente dessa estatística parlamentar, essa marca é hoje no CDS muito distintiva. O CDS foi criador, juntamente com a Confederação dos Agricultores em Portugal, de uma iniciativa que se chama ‘O Melhor de Portugal’, que neste momento já junta mais de 30 mil pessoas em Bruxelas, todos os anos, e que permite que vários empresários do setor agroalimentar português mostrem e vendam na montra de Bruxelas o melhor que se faz no nosso país. Atingiu tal dimensão que, na última edição, ‘O Melhor de Portugal’ foi inaugurado pelo senhor Presidente da República. Uma iniciativa que teve o patrocínio do Partido Popular Europeu (PPE) através de mim e, portanto, do CDS.

Foi através de mim, e também da população de agricultores portugueses, que se organizou e se organiza todos os anos uma iniciativa que se chama o Congresso de Jovens Agricultores. Traz centenas de jovens de toda a Europa, que apresentam projetos seus que vão a concurso e são atribuídos prémios. E é a maior iniciativa de promoção de jovens agricultores, também portugueses, na União Europeia (UE).

Mas depois também o que tem que ver estritamente com a UE e com Portugal, que é sempre aqui o denominador comum.

Portugal é um país que aproveita miseravelmente os fundos comunitários. Portugal é um país que desperdiça todos os dias milhões de euros de fundos comunitários

Por exemplo...

Aspetos que têm que ver com o futuro do projeto europeu. Acho que defendo muito Portugal se defender um projeto que não é federalista – profundamente europeísta, mas não federalista, ou seja, é um projeto que encara Portugal como uma nação. Se defender, como tenho defendido e o CDS foi o primeiro a denunciá-lo, o direito de veto de Portugal, para não se acabar com a unanimidade em algumas matérias como o Partido Socialista (PS) quer, porque nós somos uma nação soberana, não somos uma região da UE. Se me opuser, como me oponho, aos impostos europeus, denunciando e combatendo para que os fundos comunitários sejam aproveitados. Uma nota fundamental: Portugal é um país que aproveita miseravelmente os fundos comunitários. Portugal é um país que desperdiça todos os dias milhões de euros de fundos comunitários.

De que forma?

Para lhe dar só três exemplos, neste momento, em programas operacionais que devem ser executados entre 2014 e 2020, na ferrovia, uma das marcas míticas do insucesso da governação, o programa 'Ferrovia 2020' está executado, a um ano do seu termo, em apenas 9%. Não são 90%, são 9%. O 'Mar 2020', quando o mar é estratégico para Portugal, neste momento está executado em cerca de 17%. A agricultura, que durante o período da troika foi um dos setores que mais resistiu, melhor inovou e mais exportou, nas ajudas ao investimento, neste momento, o programa está executado apenas em cerca de 30%. Este desperdício de fundos comunitários é grave para Portugal e a defesa do seu aproveitamento, que eu faço, é o exemplo também da defesa do interesse português.

Nunca as eleições europeias, desde que eu sou candidato, viveram uma encruzilhada tão sensível e graveA nível europeu quais são os temas que para si são prioridade?

Nunca as eleições europeias, desde que eu sou candidato, viveram uma encruzilhada tão sensível e grave. Percebo uma alteração dramática que trouxe para o debate político problemas que em 2009 só eram teóricos mas hoje, em 2019, são uma realidade trágica.

O Brexit, para começar. A UE vive de sucessivos processos de alargamento. Não era crível, compaginável, há pouco tempo atrás, que algum país quisesse sair da UE. Quando falamos do Reino Unido, falamos de quatro países (Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda). Falamos de mais de 60 milhões de consumidores, falamos do mais poderoso exército europeu, falamos muita da inteligência que se mede pelos projetos que vão da investigação científica à medicina e ao aeroespacial. Falamos de um parceiro estratégico fundamental de Portugal pela visão atlântica que tem e que criava equilíbrios no espaço europeu.

A par do Brexit, o fenómeno do terrorismo, que é hoje uma realidade longe de estar ultrapassada. A questão dos fluxos migratórios e da crise dos refugiados, tendo que aqui distinguir coisas muito diferentes, ou seja, os verdadeiros refugiados, que tem que ter acolhimento com base nas leis de asilo, de migrantes, que procuram melhores condições de vida e que são submetidas às leis de imigração. E até a necessidade que se tem que ter de, nestes fluxos de pessoas, acautelar que criminosos não procuram o nosso espaço comum.

Tem falado várias vezes neste assunto, disse já que a “Europa precisa de gente, mas não de qualquer pessoa”.

Acredito nisso, profundamente.

Que critérios aceitaria para determinar a entrada de uma pessoa e a recusa de outra?

Há critérios que são mensuráveis e há critérios que são teóricos. Começo pelos mensuráveis. Eu acredito muito numa regra que é, de resto, enunciada de forma muito clara por Paulo Portas que diz assim: rigor na entrada, humanismo na integração. A União Europeia é um espaço de acolhimento, mas também é um espaço social e económico que tem que ser equilibrado para poder acolher pessoas de que eventualmente precise, garantindo que tem capacidade de as integrar.

E falo de imigração, nem vou falar de asilo porque, como é óbvio, qualquer pessoa que fuja de guerras e tenha o estatuto de exilado tem que ser acolhida.

Uma das regras que constava da lei da imigração portuguesa é para mim muito lógica porque referia, recorrendo a diferentes entidades (centros de emprego, associações diversas, organismos ministeriais) fixava as necessidades de emprego em diferentes áreas para o nosso país. E o acolhimento de cidadãos de outros países externos à UE seria, com essa medida, relacionado com as necessidades de trabalho do país e, com isso, com a capacidade do país os integrar, de arranjar emprego, de os ajudar para que eles próprios ajudem a economia nacional e sejam um ativo. Este é um critério mensurável que eu acho que faz sentido em toda a UE.

Não há nenhum cidadão de nenhuma parte do mundo que, se quiser, pode simplesmente imigrar para os Estados Unidos, para a Índia, para o Bangladesh, para o Paquistão, para Angola ou para a China, é assim em todo o mundo. Há leis de imigração que têm d e ser cumpridas, dizer-se que toda a gente pode vir é um romantismo e é um absurdo que colide de frente com a realidade.

Não é aceitável é que nós acolhamos pessoas que depois nos possam fazer sentir reféns dentro da nossa própria casaFalou no caso dos Estados Unidos que é muito particular. Há aquela situação da sobrevigilância, que também traz alguns riscos.

Estamos a falar no plano teórico. O que eu digo é que todos os países têm leis de imigração. Nem todas as pessoas podem trabalhar noutro país só porque querem, há regras que têm que ser cumpridas. Umas podem e outras não podem, é assim. E na UE não há-de ser diferente.

Há um outro critério que é para mim muito importante. A UE só deve estar disponível para acolher quem verifique, por seu lado, que está disponível para se integrar e para respeitar as nossas leis, os nossos valores e os nossos modos de vida. Costumo dizer que o que não é aceitável é que nós acolhamos pessoas que depois nos possam fazer sentir reféns dentro da nossa própria casa.

O exemplo do que a Europa precisa é um bocadinho o que os portugueses foram ao longo de décadas Quando diz isso, refere-se a que situações? Do foro criminoso, do foro religioso...

Refiro-me a todas as situações que consideradas na casuística, em si mesmas, o possam demonstrar. Não é nenhum preconceito em relação à raça, credo, religião ou cor. Dou-lhe alguns exemplos. Acho profundamente destrutivo de uma sociedade equilibrada e representativa que, por exemplo, existam bairros aqui em Bruxelas onde não se pode entrar porque há comunidades que se constituem em guetos e que reclamam a aplicação da ‘sharia’ [conjunto de leis da fé islâmica] como lei que se deve sobrepor à lei civil do país que os acolheu, defendendo uma teocracia e uma prevalência do domínio religioso que é o deles sobre os demais.

Isto é um exemplo de como nos podemos sentir sequestrados dentro da nossa própria casa. Não aceito que pessoas que acolhemos possam educar os seus contra aquilo que são os nossos valores, numa lógica de que os homens devem prevalecer sobre as mulheres. Há quem defenda que essa lógica, que é discriminatória, deve ser aceite dentro do nosso espaço comum e eu não aceito.

Portanto, dir-lhe-ia que o protótipo, o exemplo do que a Europa precisa é um bocadinho o que os portugueses foram ao longo de décadas com o seu trabalho, ajudando os países a crescer, mas respeitando sempre, profundamente, a identidade, as leis, os costumes, os valores daqueles que os acolheram. E é por isso que qualquer parte da UE ou do mundo convive com portugueses que têm as suas marcas identitárias, a nossa bandeira, o nosso folclore, a nossa gastronomia, os nossos símbolos, mas respeitando os outros e convidando os outros, nunca apoucando ou impondo-se aos outros. E é disso que a Europa precisa.

A Geringonça representa na política muito do que eu deploro, no sentido em que impede que quem vence nas urnas exerça o poderEm 2014 concorreu coligado com o PSD, na ‘Aliança Portugal’. Chegou a dizer antes que por força do contexto da altura, assumindo as diferenças entre si e Paulo Rangel. Hoje diria que essas diferenças são irreconciliáveis?

Não, de todo. O que digo é que o que é normal, na votação de um partido, é concorrer a eleições e ver quanto vale nas urnas para poder defender aquilo que são as suas bases programáticas e ideológicas. É isso que é normal. Não invalida que, em algumas circunstâncias, o interesse nacional ou local, se falarmos em autárquicas, não justifique que acontecem coligações. E, portanto, em cada momento os partidos têm de estar disponíveis para avaliar a melhor solução. Não tenho dúvida nenhuma que em 2014 concorrer coligados era a única coisa que fazia sentido porque o PSD e o CDS estavam juntos no Governo e iam ser avaliados nas urnas nas Europeias. Do mesmo modo, hoje acho importante que o CDS vá a votos e relegitime o seu peso, porque mesmo as coligações partem de resultados anteriores, que tem que ser aferidos de tempos em tempos. Nós estamos num desses momentos, é importante que o CDS vá às urnas e perceba o que vale e acredito que vale muito.

Há, por outro lado, diferenças que hoje são muito nítidas em alguns casos do PSD, muito mais casos do PS e muitíssimos mais casos do PCP e do Bloco de Esquerda (BE). […] Nós somos, hoje, manifestamente, a única possibilidade para quem é de Direita em Portugal e isto também é bom e não é depreciativo para quem está à nossa esquerda, pelo contrário, eu acho muito importante que se tenha como nítidas as perceções ideológicas dos diferentes partidos. Rui Rio assume que o PSD é um partido de Centro, não é de Direita. Do mesmo modo, Paulo Rangel veio dizer que nunca disse que é de Direita.

O CDS assume-se de corpo inteiro, sem constrangimentos, como um partido de Direita. O CDS é apenas e só quer ser oposição a este PS, o CDS não quer conversa nem quer nenhum tipo de acordos com este PS. Hoje, o PSD senta-se com o PS a assinar acordos, como aconteceu com os impostos europeus e como aconteceu com uma descentralização que os autarcas não querem. Ora, o CDS não se senta à mesa com este PS para fazer acordos. Por isso é que faz sentido que concorra sozinho.

A este PS somos só e apenas oposiçãoAcha que o repúdio do CDS a essa movimentação mais pragmática dos partidos pode ser prejudicial nas urnas?

Sabe que para mim as razões de princípio são identitárias e portanto não cedem a pragmatismos. Os partidos existem com marcas próprias, ou como marcas próprias, que devem ser percetíveis perante quem escolhe. Considero que a Geringonça representa na política muito do que eu deploro, no sentido em que impede que quem vence nas urnas exerça o poder. Mas, o facto é que se inaugurou um novo ciclo. António Costa, hoje, veja-se bem o paradoxo, governa sozinho tendo perdido nas urnas. Nós não temos sequer um Governo de coligação formal do PS, como ministros e secretários de Estado, com o PCP e o BE. Aí era uma coligação formal, tinha uma maioria.

Temos é um partido que perdeu nas urnas a governar sozinho. Iniciou um novo ciclo e uma nova era na forma de encarar a democracia em Portugal. E, de resto, que tem sido invocada como exemplo por outros países da UE.

Para mim é impensável repudiar o significado a Geringonça - a forma como António Costa corporizou um certo assalto ao poder, aceitando-o, quando antes exigiu a demissão de António José Seguro, que tinha vencido eleições - para depois me sentar exatamente com este PS que significa tudo isto celebrando acordos para o que seja. Isto para mim não é pragmatismo, para mim é um abdicar de razões de princípio, em favor de transigências para as quais nós, no CDS, não estamos disponíveis e, por isso, a este PS somos só e apenas oposição.

Há pouco estava a falar do CDS como a única opção à Direita, mas no seio do partido há opiniões divergentes, correntes de opinião que criticam ferozmente a liderança de Assunção Cristas.

O CDS é o único partido, correntes não são partidos.

Pergunto-lhe pela coesão do partido, falava nele como única opção à Direita e há quem questione o seu posicionamento no espectro político.

Nós somos o único partido à Direita, englobando a direção e todos os movimentos e todas as concertações e todas as contestações. Este partido todo é a única possibilidade para quem é de Direita em Portugal. No mais, tendências ou divergências são o ADN da democracia. Não me ocorre, em política, alguma liderança que tendencialmente seja unânime. Não há. E isso é que normal. Ainda assim, o partido está muito unido. Conheço muito bem o CDS e posso dizer que o partido está muitíssimo unido e está, de uma forma esmagadormente maioritária, muito coeso, apostando em bons resultados neste próximo ciclo eleitoral.

No momento da sucessão a Paulo Portas, Assunção Cristas estaria em condições de, talvez, fazer melhor do que eu fariaO Nuno Melo apoiou Assunção Cristas desde o início e, na altura, chegou a dizer que era para impedir que o partido se balcanizasse. Continua a manter essa opinião?

Sim, o mais possível. Tenho vários amigos no CDS que pontualmente discordam de decisões do partido, mas não deixam de querer para o CDS o melhor e é nesse sentido que digo que o CDS é um partido que está unido e motivado para um bom resultado. Eu não me candidatei apenas para impedir a balcanização do CDS, muito embora esse fosse um motivo forte. Tive também a perceção, nessa altura, que pelas suas circunstâncias e no momento da sucessão a Paulo Portas, Assunção Cristas estaria em condições de, talvez, fazer melhor do que eu faria. E, modéstia à parte, acho que pensei bem porque os desafios, para já, têm sido desafios vencedores em que o CDS tem estado muito bem. E tem estado muito bem com todos, porque o facto de eu não ser candidato não significa que abdicasse de ser deste partido, de ser dirigente ou de ser apoiante da Assunção. Estou de corpo inteiro com esta direção.

A liderança do CDS é uma coisa que está fora de órbita para si?

O meu desejo é que esta liderança de Assunção Cristas possa ser uma liderança para muitos anos, justificada desde logo por bons resultados eleitorais que, por mérito próprio, alcançou. A começar em Lisboa, transformando o CDS na segunda força política, que retirou a maioria absoluta ao PS. E numa crença que transmite em relação aos outros desafios eleitorais, sendo que este é corporizado por mim nas Europeias e, por isso, continuando o CDS neste ciclo com este espírito não há razão nenhuma para pensar sequer em sucessões nos próximos anos.

Notícias ao MinutoNuno Melo e Assunção Cristas em Lisboa, em dezembro de 2018 © GlobalImagens

Disse antes que a aversão dos cidadãos à corrupção rejuvenesceu os populismos e os nacionalismos. Acredita que é um fenómeno com expressão em Portugal?

Acredito que a corrupção é um fenómeno com expressão em Portugal. E digo isso, infelizmente, porque muita da nossa dívida acontece por causa do fenómeno da corrupção. Muitas das injeções de milhões de euros dos contribuintes em bancos e empresas não existe apenas para compensar dinheiro que se esfumou ou se perdeu, em larga medida é dinheiro que está espalhado pelos offshores desta vida, nos paraísos fiscais, por quintas, obras de arte, por veículos automóveis. Os contribuintes estão com o seu esforço a pagar o enriquecimento ilícito de outros que infelizmente, na sua maior parte, não serão nunca julgados e punidos. O que significa também que nunca devolverão ao erário público aquilo que de que ilicitamente se apropriaram.

As pessoas têm uma perceção cada vez mais nítida disso e porque percebem que isso por vezes acontece através daqueles em quem acreditaram, em quem deram o seu voto, porque se diziam candidatos moderados e defensores da democracia, isso leva-as depois a optar por extremismos. Muitas vezes por oposição aos outros, não ao apoio do que vem de novo. E devo dizer que também já acontece em Portugal, não acontece só fora, porque os extremismos não são só de extrema-direita.

Em Portugal, o BE e o PCP representam cerca de 20% dos votos e são cerca de 20% da composição parlamentar. A Festa do Avante é celebrada com murais em palco da revolução Bolchevique e com aplausos às delegações da Coreia do Norte, de Cuba ou da organização terrorista FARC da Colômbia. Não me parece que um partido assim possa ser considerado moderado. A mesma coisa se diz em relação ao BE, que não se limita a manifestações estéticas com a imagem do Che Guevara, muito embora o Che Guevara tivesse sido aquele que, a seu tempo dizia, na sede das Nações Unidas, “fuzilamos, sim, e continuaremos fuzilando”. Em causa estava a imposição das ditaduras comunistas. Estamos a falar de quem defende o fim do essencial do projeto europeu, de quem é contra o euro, de quem defende o não pagamento da dívida. Isto são extremismos e representam 20% da Assembleia da República.

Aliança? Chega? Não confundo partidos de Direita com dissidências do PSD

Há partidos a surgir, à Direita, como o Chega e o Democracia XXI, com propostas mais extremadas.

Voltando à Esquerda, o essencial do que estes partidos propõem, do ponto de vista europeu, está a par do que defende a extrema-direita. O BE e o PCP votam todas as medidas que são lesivas do projeto comum em conjunto. Há um denominador que é comum, que é rebentar com o projeto europeu. Isto, para mim, é extrema-esquerda.

À Direita, como lhe disse, o CDS é a única possibilidade para quem é de Direita em Portugal, até porque eu não confundo partidos de Direita com dissidências do PSD. Refiro-me ao Aliança. Não acredito no milagre da transmutação em política. Uma pessoa que foi uma coisa durante mais de 40 anos em política não se transforma em Direita só porque vamos ter eleições europeias e legislativas em outubro. Só acredita nisso quem quer. E a mesma coisa se diga do Chega, porque o seu líder foi candidato a presidente de uma autarquia em representação do PSD. E a dada altura o CDS retirou-lhe o apoio, exatamente porque não se revia num conjunto de características, que eram características que o PSD validou porque manteve o apoio. Portanto, não confundo Direita com dissidências do PSD.

Por outro lado, gostava também de dizer que as eleições europeias de 2014 deveriam funcionar como uma espécie de vacina para o eleitorado português. Exatamente por causa de um certo cansaço, de uma certa revolta em relação aos partidos tradicionais, acreditando nos mundos novos, naqueles que vendem promessas de que farão tudo diferente, elegeram Marinho e Pinto e um outro eurodeputado [José Inácio Faria] por um partido [MPT]. Cristalizaram em si, em 2014, essa inovação, que hoje outros partidos que surgem de novo querem também ser. Eu recordo que Marinho e Pinto seis meses depois já estava fora desse partido, integrando o grupo dos liberais europeus, veja-se bem. E o segundo eurodeputado foi-lhe publicamente retirada a confiança política pelo seu partido. Cinco anos depois, em que é que valeu essa escolha? O CDS cá está hoje como sempre foi desde 1974, sólido, previsível, experimentado, indo a votos.

Se o senhor ministro dos Negócios Estrangeiros lhe tivesse pedido desculpas pelo que se passou no Bairro da Jamaica, tal como foi inicialmente noticiado, isso significaria uma afrontaO ministro das Relações Exteriores Angolano disse que o Ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE) lhe ligou e lhe pediu desculpa, na sequência do caso do Bairro Jamaica, no Seixal. Augusto Santos Silva, entretanto, corrigiu esta afirmação, dizendo que lamentou o sucedido. Como é que encara este pedido de desculpas em relação a este caso?

Em primeiro lugar, são muito importantes as relação de amizade enquanto estados, neste caso, entre Portugal e Angola. Eu considero muito relevante e positiva a posição do governo angolano na sequência da recente visita do senhor Presidente da República, recolocando no trilho certo o destino de dois povos que têm interesses comuns. Considero muito positivo o ambiente que, na sequência da visita, pudemos testemunhar esta semana em Angola.

Quanto ao episódio do Bairro da Jamaica, eu tenho um profundíssimo respeito pelas forças de segurança em Portugal. As forças de segurança portuguesas - do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) à Guarda Nacional Republicana (GNR) à Polícia de Segurança Pública -, todas elas com condições muito deficientes, com agentes muito mal pagos, com equipamento obsoleto e muitas vezes dificilmente utilizável, arriscam a sua segurança física e as suas vidas para assegurar as nossas liberdades. E por isso é que eu contestei, deplorei, critiquei, considerei inominável a reação do BE a esse propósito. Sendo um partido político, em boa verdade, promoveu ou apelou a altercações civis.

Dito isto, se o senhor ministro dos Negócios Estrangeiros lhe tivesse pedido desculpas pelo que se passou no bairro da Jamaica, tal como foi inicialmente noticiado, isso significaria uma afronta, um desrespeito e uma enorme falta de consideração pelas forças de segurança portuguesas. Também, por isso, quero dar como bom o esclarecimento subsequente, no qual o governo português diz que não pediu desculpa por estes incidentes. Quero ficar crente nesta justificação porque acho que é a que melhor serve o interesse nacional, o respeito que é devido às forças de segurança e preserva do mesmo modo as boas relações entre Portugal e Angola.

As forças de segurança, como responsáveis pela imposição da ordem, significa que muitas vezes colocam a própria vida em risco, como disse…

Acho lamentável que alguns partidos, principalmente à Esquerda, particularmente o BE, não tenham uma única declaração que seja abonatória das forças de segurança, sendo que todos os anos os registos oficiais mostram centenas de agentes feridos e alguns mortos. E sabendo nós em que circunstâncias trabalham. E convirá não esquecer que o uso da força é legítimo, ainda que excecional. Nessa medida, como legítimo, não deve ser condenado só porque foi uma opção. Se foi opção, foi porque enquadrado na lei, se tornou, na maior parte dos casos, necessário. Obviamente que, em democracia, também temos que ter mecanismos para que os excessos possam ser corrigidos, mas o que eu não aceito é que muitas vezes se transforme um incidente, que pode acontecer em qualquer profissão, numa regra em relação às forças de segurança, relativamente às quais todos devemos estar muito gratos.

A minha pergunta é se o uso de força deve ser legitimado. Há casos extensamente documentados e julgados de violência policial sobre a comunidade negra.

Sobre a comunidade negra, branca e mestiça. Encontrará casos documentados de excessos em relação a diferentes pessoas de diferentes etnias. Não se pode é considerar que um caso de violência policial sobre um branco é um caso corrente e um caso de violência policial sobre um negro é um caso de racismo, necessariamente.

Certo, mas falamos de pessoas marginalizadas e, nesse caso, falaremos na comunidade negra.

Não distingo ninguém em função de cor...

Claro, não é essa a questão.

A questão não é racial. Para mim o que é importante, em relação às forças de segurança, é que se os excessos acontecem, porque podem acontecer e acontecerão sempre em qualquer parte do mundo…

Mas não são aceitáveis?

Não são aceitáveis. Ponto número um: não são aceitáveis. Mas mais importante do que não serem aceitáveis é que, internamente, os Estados possuam mecanismos que permitam que sejam verificáveis e corrigidos, para que tendencialmente não se repitam em situações futuras. Como disse há pouco, deu como exemplo casos que estão julgados e condenados, ou seja, o sistema funcionou.

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