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"Se continuássemos a cantar o fado de 60, talvez este já tivesse morrido"

Carminho é a entrevistada de hoje do Vozes ao Minuto, levantando um pouco do véu da sua essência, das suas memórias e do que realmente gosta de fazer.

"Se continuássemos a cantar o fado de 60, talvez este já tivesse morrido"
Notícias ao Minuto

15/03/19 por Natacha Nunes Costa

Cultura Carminho

Nasceu Maria do Carmo de Carvalho Rebelo de Andrade, mas cedo passou a ser Carminho, a miúda que começou a dar os primeiros passos em casas de fado e a cantar quase tão rápido como a falar, não fosse ela filha da conhecida fadista Teresa Siqueira.

Passaram os anos e Carminho começou a construir um futuro que acreditava ter música apenas como hobbie e não como profissão. Só que o destino trocou-lhe as voltas, ou melhor, tratou de lhe mostrar que era possível construir uma carreira musical em Portugal e cedeu. Aceitou a sua vocação, porque na verdade já se tinha encontrado quando ainda nem se tinha perdido.

Acabou o curso de marketing, deu a volta ao mundo, e voltou com vontade de lançar o primeiro álbum de originais. Viajou pelo fado e até por outros estilos musicais, foi ao Brasil, inspirou-se na bossa nova e publicou ‘Carminho canta Tom Jobim’. Mas falamos de uma portuguesa, de uma alfacinha de gema, e a palavra saudade levou-a a voltar à sua essência e a criar, aos 34 anos, o quinto álbum de originais e o mais íntimo e pessoal da sua carreira.

Chamou-lhe ‘Maria’ como ela, mas também como “muitas outras mulheres e homens” porque, revela, as histórias contadas neste álbum não são só dela, são para ser “revividas” por qualquer pessoa. Carminho voltou a olhar para o fado, mas a sua experiência levo-a a subtrair até chegar ao que, para ela, é primordial. Mergulhou nas memórias afetivas da infância, homenageou as suas estrelas guias, músicos, o fado e ainda desvendou um pouco daquilo que é a sua essência. No novo álbum houve até espaço para uma brincadeira dirigida aos puristas do fado, com a música 'Pop Fado', onde deu uma nova roupagem à música editada na década de 60 por António Calvário.

O disco, cuja a capa Carminho surge a levantar o véu, tal como fez quando compôs a maioria dos temas que o compõem, chegou em novembro, mas é em maio que o vai apresentar ao vivo com dois concertos muito aguardados em cada um dos Coliseus, no Porto e em Lisboa. Por enquanto, vai percorrendo o mundo com tournées em vários países da Europa e não só.

Vamos começar pelas novidades. Vai subir ao palco dos coliseus no próximo mês de maio. Isto quer dizer que, a carreira e o mais recente álbum ‘Maria’, estão a correr bem?

[Risos] Acho que sim, é sempre um momento muito feliz para um artista quando se apresenta ao vivo. É muito gratificante. É um sentimento muito positivo poder apresentar ao vivo e ter um público que acompanha e que segue o nosso percurso. As salas acabam sempre por ser escolhas, não são minhas, mas são escolhas que são naturais no percurso da pessoa. Não se trata tanto das salas, mas sim do disco estar em concerto, estar ao vivo com os músicos. Tudo a ser construído e pensado para ser apresentado de uma forma mais especial às pessoas e eu estou muito feliz com este momento.

Os concertos nos Coliseus são a primeira grande apresentação ao vivo do 'Maria', porque ainda não há muitas datas agendadas em Portugal. É inédito E com o que vai presentar os fãs nestes concertos? O que vão ter de diferente em relação aos outros espetáculos já agendados?

Estes concertos nos Coliseus não serão diferentes dos espetáculos que quero apresentar ao público no resto do país e internacionalmente na tournée. São é a primeira grande apresentação ao vivo porque, até lá, ainda não há muitas datas agendadas em Portugal. É inédito. É a grande apresentação do ‘Maria’ a Portugal. É maravilhoso conseguir um espetáculo completamente estruturado, a pensar na imagem deste disco e na mensagem que quero passar com ele.

'Estrela' não é para todas as pessoas, é para aquelas que, de facto, em momentos importantes, foram iluminando o entendimento e ajudando a construir o meu caminho

Também estreou recentemente o videoclipe ‘Estrela’. O que transmite esta música e o seu vídeo? Parece quase uma canção religiosa ou, pelo menos, espiritual… É dedicada a alguém em especial?

Esta música foi feita a pensar em alguém e esse alguém são algumas pessoas diferentes que, para mim, são bastante especiais. Fiz esta música na segunda pessoa para a individualizar, porque cada uma dessas pessoas é única para mim e cada um de nós acaba por ser único para outros. As pessoas são especiais e aquilo que fazem por nós, mais ninguém o faz. Portanto, cada pessoa tem um lado muito especial. Esta canção não é para todas as pessoas, é para aquelas que, de facto, em momentos importantes, foram iluminando o entendimento e ajudando a construir o meu caminho. Foram ajudando a perceber que quem acaba por decidir os nossos caminhos somos nós próprios, mas não o podemos fazer sozinhos. É importante haver uma determinação e uma vontade própria, mas é também importante estarmos rodeados de pessoas que nos confirmam o caminho, que nos fazem ver mais longe e descobrir que o caminho se faz andando. Não se consegue descobrir o caminho quando se começa a viagem. É importante ter quem o ilumine.

Daí o nome ‘Estrela’?

É uma analogia de luz própria, cada pessoa tem uma luz própria que ajuda a iluminar outras. Somos iluminados com a independência dos outros e a nossa independência também ilumina outras pessoas. E com independência quero dizer a nossa individualidade, ou seja, como seres únicos, que não podem ser repetidos. Além disso, escolhi fazer o videoclipe desta música num sítio muito especial para mim, que é quase como uma estrela norueguesa. Gravei-o no bar Oslo, um espaço mítico de 1981, no Cais do Sodré, um bar onde eu passei muitas e muitas noites e que foi sempre um ponto de encontro, o meu lugar preferido para dançar e para estar com os meus amigos, onde eu ia muitas vezes e que, infelizmente, fechou. O dia em que gravei o vídeo foi a última noite em que o bar esteve de portas abertas e eu quis também assinalar isso neste disco porque era um espaço muito especial.

Quis descobrir que é que era preciso existir, para mim, para que continuasse a existir fado. E acho que percebi que para mim o fado é uma experiência emocional vivida em comunidadeE todo o álbum ‘Maria' parece ainda mais especial do que os outros, ou pelo menos mais pessoal, mais íntimo... o levantar de um véu, tal como aparece na capa do disco… O que quis mostrar com este trabalho? O que é que ele retrata?

Acho que quanto mais uma pessoa se conhece, melhor se consegue descrever. Quanto melhor me conheço, melhor consigo apresentar-me intimamente e saber o que quero dizer. Portanto, foi um percurso natural de quem começa a cantar desde muito pequenina e que nem tem a consciência que quer fazer da música uma carreira e que, a certo ponto, começa a descobrir que sim. Foi uma descoberta desde os primeiros discos, de começar a ver o que fica bem na voz, que temas é que gosto de cantar.

E este disco surgiu junto com a sensação de querer voltar ao fado, no que é que me fazia saudade numa noite de fado, e do que eu realmente sentia falta quando estava longe porque eu tinha acabado de voltar do Brasil e de publicar ‘Carminho canta Tom Jobim’. Foi um processo de quase regressão à minha infância, aos lugares onde comecei a ouvir fados com os meus pais, de pijama, em casa, onde as pessoas iam para tocar e ficavam até altas horas enquanto eu ouvia os instrumentos, as pessoas, as conversas.

Quis descobrir que é que era preciso existir, para mim, para que continuasse a existir fado. E acho que percebi que para mim o fado é uma experiência emocional vivida em comunidade, num grupo, ou seja, é uma forma de comunhão entre as pessoas, que expressam os seus sentimentos e as suas emoções através da música e da poesia, independentemente daquilo que se toca e da forma como se canta ou daquilo que se está a dizer. Tem é de ser algo que surja no momento, assumindo o erro, assumindo a espontaneidade do momento. Durante esta busca tomei ainda mais perceção de que o fado precisa do seu ambiente e o ambiente ideal é a casa de fados e os lugares mais íntimos. Por isso resolvi reinterpretar este ambiente, essa textura musical que não é só música, mas são sons e histórias.

E ‘Maria’ foi lançado agora devido a essa saudade de que fala?

Sinto que há uma saudade. Acho também que há ciclos. As pessoas funcionam muito por ciclos e depois de uma viagem até ao Brasil e de uma abordagem fora da minha região, de viver outras experiências, senti realmente vontade de voltar. Foi uma saudade e foi um momento que se proporcionou, pois estava totalmente disponível para pensar e produzir este disco. Foi um conjunto de situações que levou a ‘Maria’ e estou muito orgulhosa disso.

E porquê Maria?

Por ser o meu nome, por ser um nome pelo qual muito pouca gente me trata, só as pessoas que me conhecem melhor. Faz todo o sentido para mim, porque queria que fosse um disco homónimo, mas um bocadinho escondido, misterioso, não completamente evidente. Até porque esta história não é só a minha, estas histórias não são para ficar só comigo, mas sim para que cada um possa vivê-las e reinventá-las. E Maria é um nome, por excelência, português, das mulheres portuguesas e de muitos homens também, é um nome transversal, que, a par deste disco, é tradicional e antigo, talvez seja um dos primeiros nomes portugueses, mas atravessa também gerações e continua a ser utilizado ainda hoje.

Por isso, de alguma maneira, inspirei-me na tradição e é um disco de fado, mas com uma visão minha, de agora, com um olhar para o contemporâneo e para aquilo que vejo ser o fado hoje. É a minha visão sobre o fado e nada mais, mas é transversal à minha história. Maria acabou de ser o nome desta personagem, desta mulher que vai contando histórias sobre mulheres e sobre homens, sobre diferentes sentimentos e momentos da vida de uma pessoa.

Além disso, a maioria das músicas do álbum ‘Maria’ foi criada por si, tanto a letra como a composição musical. Faz parte de um crescimento enquanto artista?

Tenho participação em sete músicas. Numas nas letras e música, noutras é só na letra e noutras é só na música. Cada artista é muito diferente, tem necessidades variadas e expressa-se de diferentes formas diferentes. A forma como aconteceram estas canções foi natural. Não foram impressas à força para um momento específico, não estive a escrever e a compor para este disco. Foram acontecendo e eu vou arquivando. Às vezes ficam na gaveta durante muito tempo e nunca voltam a sair, outras, de repente, passam a fazer sentido. Não só as coisas que eu escrevo ficam arquivadas, como também muita coisa que eu pesquiso e que eu gosto, mas que naquele determinado momento não fazem sentido. A poesia é sempre viva porque nós somos mutáveis e o nosso olhar sobre a poesia e sobre as palavras e sobre aquilo que queremos cantar vai mudando ao longo da vida. E ainda bem porque vamos sempre sendo renovados por nós próprios.

E este disco traz-nos muito mais do que fado… é uma ‘reivenção’? Pode-se chamar assim?

Não penso dessa forma, acho que o que me levou a este disco foi pensar o que é que é importante existir numa noite de fados para que o fado aconteça. Comecei por fazer um processo de subtração e por pensar o que é que foi somado ao fado nas últimas décadas. Por refletir no caminho que o fado tem tomado e o que é que se tem somado. Quis fazer um processo inverso de subtração e de começar a retirar primeiro os elementos que chegaram depois, e às tantas, comecei mesmo a retirar os elementos de fado e comecei a perceber que até numa voz pode haver um fado, numa expressão sincera, numa expressão emotiva sobre aquilo que aquela voz realmente sente pode haver fado. Como pode haver fado numa peça de guitarra portuguesa ou numa guitarra a solo.

Senti que era assim que eu queria começar e isso é o fio condutor deste disco, o elemento fulcral daquilo que acredito ser também o elemento do fado cantado, a emoção vinda da voz fez e o que fez com que este disco começasse só com uma voz, à capela. Depois voltei ao processo de integrar, aos poucos, os elementos do fado e de viajar para outros caminhos, fazendo o exercício de, independentemente daquilo que faça, tenho de sentir que as emoções e as premissas e os valores em que acredito existiam sempre nos meus fados.

Daí a espontaneidade que transparece a música ‘Estrela’?

Sim, a música ‘Estrela’ surgiu por mero acaso. Eu estava no estúdio numa pausa para o café e, apesar de não saber acompanhar-me com um instrumento, que é coisa que me faz muita pena, estava a procurar algumas notas que eu queria que o músico, eventualmente, explorasse. Entretanto, o técnico pôs a gravar o que eu estava a fazer e isso acabou por nos surpreender. Eles desafiaram-me para gravar e houve ali uma espontaneidade, um assumir do erro e da fragilidade que existe numa atuação sincera, tal como deve ser o fado.

Esses momentos mais espontâneos são importantes para aproximar o público?

Não é algo intencional, mas acho que acaba por aproximar as pessoas, para sentirem que somos todos feitos de carne e osso e da mesma matéria. Além disso, também mostra que muita gente pode arriscar a fazer algo que às vezes não estaria no primeiro pensamento mas, desde que seja sincero e feito com naturalidade, pode acontecer.

Uns dizem que o fado vai morrer porque se está a alterar demasiado o fado, outros dizem que o fado, se não se reinventar, não vai conseguir continuar. Estes dois pontos são a verdadeira força do fado, é isso que faz o fado viver

Além dos temas criados por si, do álbum fazem também parte várias recriações. O que deu de novo a 'Pop Fado' e 'Sete Saias'? Foi também uma forma de homenagear os artistas?

Foi uma forma de homenagear os artistas, mas antes disso porque as canções cativaram-me. Por exemplo, o ‘Sete Saias’ cativou-me por poder fazer com este tema um exercício paralelo ao exercício do disco, ou seja, o que é que é preciso fazer para continuar a existir o malhão da Nazaré mesmo que se retire aqueles instrumentos, aquela massa sonora que estamos habituados a ouvir no malhão. E foi o que fizemos. A voz e a guitarra fizeram com que acontecesse a canção, quase como se estivessem lá os outros instrumentos, ou seja, retiramos, mas mantivemos a essência. Já o ‘Pop Fado’, de António Calvário, tem uma melodia muito engraçada e espelha o momento que se vive hoje. Apesar de ser uma música dos anos 60 a temática continua atual porque continua a haver esta discussão entre o que é que estamos a fazer ao fado.

Uns dizem que o fado vai morrer porque está se a alterar demasiado o fado, outros dizem que o fado, se não se reinventar, não vai conseguir continuar. Estes dois pontos são a verdadeira força do fado, é isso que faz o fado continuar a viver. É alguém a puxar pela tradição e outro alguém a puxar pela contemporaneidade. Gostei do facto de estar a fazer um exercício sobre fado e de, de repente, ir ao meu encontro uma canção que falava sobre esta discussão à volta do fado da qual eu também faço parte.

E sente que vive entre o pop e o fado? Ou que o fado virou pop?

A certo ponto acho que o fado tornou-se pop no sentido em que os artistas que o cantam também se tornaram populares e também chegaram às pessoas de uma forma mais direta, não só pela forma cantam, mas também como se apresentam, como comunicam, as letras que cantam. O fado tem fases, tem ciclos e há alturas em que o fado é mais pop e há outras em que não. Há uns anos, o pop internacional era o rock, hoje em dia, é o hip hop. Há sempre momentos em que músicas de raiz passam para o palco mainstream e em Portugal pode-se dizer que o fado é mainstream. Sinto que é mais um ciclo positivo e maravilhoso do fado e que leva a várias experiências, a várias ideias, mas que nem tudo ficará.

O fado só continua vivo porque continua a fazer estes exercícios reais de retratar a vida dos lisboetas e dos portugueses. Por isso, se continuássemos a cantar o fado de 1960 e apenas os temas que se cantou na altura, talvez o fado até já tivesse morrido. Assim não, vai continuando a criar polémica e vai continuando a inspirar e a chegar aos corações das pessoas.

Passaram dez anos desde que se estreou discograficamente, em 2009, com ‘Fado’. O que mudou nos seus trabalhos desde então?

Acho que em cada disco tentei dar aquilo em que era melhor em cada momento e por isso, como vou crescendo e vou mudando também olho para trás e, além do grande orgulho no meu percurso, vejo que uma luta por crescer, por cultivar, por tentar chegar mais longe. Vejo essa evolução através das minhas músicas e dos meus discos. É curioso como a alguma distância conseguimos ver melhor e mais claramente o nosso percurso. Comecei no fado tradicional, que é realmente a minha grande escola e linguagem e daí o primeiro disco chamar-se Fado e ter sido bem escolhido.

Ao longo do percurso, fui fazendo as escolhas com bastante segurança, pelo menos a que eu tinha na altura, e foi assim que os discos foram crescendo. Fui-me formando, com segurança e cuidado. Entretanto, com as viagens, a forma como fui bebendo e me inspirando no mundo inteiro, e de uma forma muito especial no Brasil, que me deu muito, mostram-me que estou no caminho certo. Publiquei ‘Carminho canta Tom Jobim’ e voltei agora para o fado. Foi quase uma necessidade de dizer que podemos viajar muitas vezes, mas não há nada como a nossa casa e como o lugar que escolhemos para viver. O fado só me liberta e me inspira sobre aquilo que eu quero ser. Entre outras coisas que mudaram está a maneira como eu olho para as palavras e como eu canto. A minha voz amadureceu.

E o que se mantém?

O que se mantém é que sinto que sou intérprete porque independentemente de cantar músicas em espanhol, inglés ou brasileiro, a minha melodia foi aprendida lá atrás, nas aulas de fado, na escola da minha mãe, nas casas de fado. Foi o fado que me ensinou a interpretar. Há muita coisa que muda, mas também há muita coisa que se mantém. A forma como eu olho para as palavras, não mudou muito. Continuo sempre a ter impulso para as letras, há palavras que eu gosto mais, há palavras que eu escolho, a forma como as tento dizer, a forma como emocionam. E é engraçado porque este disco acaba também por ser uma imagem disso mesmo. Posso viajar e posso ter diferentes formas de expressar, mas a minha linguagem está sempre lá. É como quando falamos várias línguas, mas em nenhuma nos expressamos tão bem como na nossa. Sobretudo o amor, quando queremos dizer a alguém que gostamos dela conseguimos dizer mais instintivamente e sem hesitações, sem nenhum tipo de amarra, aquilo que realmente o nosso coração sente. É aquilo que fica e que une todos os discos.

O fado é para partilhar de uma forma espontânea, sem preocupações com o erro, mas com grande brio, com uma vontade de fazer o melhor naquele momento, como se fosse único

Apesar de fazer 10 anos que se estreou a nível discográfico, há cerca de 20 estreou-se em casas de fado de Lisboa. Continua a passar por estes locais e cantar por lá? Se sim, onde?

Costumo, bastantes vezes. A alma do fado mora em quem o canta de uma forma honesta e sincera. Foi nestas casas que ele nasceu, o fado é para partilhar de uma forma espontânea, sem preocupações com o erro, mas com grande brio, com uma vontade de fazer o melhor naquele momento, como se aquele momento fosse único. Por isso é que as pessoas repetem os mesmos fados noites, noites e noites. É como se fosse a primeira vez sempre. Essa energia tem de ser muitas vezes bebida nas casas de fado e muitas vezes volto lá também para beber essa energia e para me refazer dessa energia.

Um pormenor engraçado na sua carreira é que se licenciou em marketing. Como é que o fado destronou esta carreira?

[Risos]. Destronou logo ao princípio. Tirei este curso no IADE porque de alguma maneira queria que a minha criatividade estivesse presente na minha vida. Foi quase um equivoco, mas foi um bom equivoco. Ajudou-me de imensas maneiras, acho que um curso traz-nos imensas mais-valias, não só de cultura geral como também do próprio método. Contudo, continuava sempre, durante a faculdade, a ir para casas de fado e era aí que tirava dinheiro para viver, viajar e dar a volta ao mundo quando dei. Nessa altura, achava que o fado era um hobbie, que estava sempre lá e que não podia ser uma profissão e foi exatamente por isso que fui para marketing. Achei que cantar não era uma profissão, já o sabia fazer e não ia dar trabalho, trabalho era ter um computador e horário fixo. Até que o meu pai me disse: ‘olha Carmo, não tem mal nenhum uma pessoa fazer aquilo que realmente gosta, é um privilégio para poucos, contando que dês valor, que aproveites e que não penses que não vai dar trabalho, porque vai dar muito trabalho’. E assim foi, é um privilégio trabalhar no fado, é o que realmente gosto de fazer, mas também é muito trabalhoso, é uma grande responsabilidade.

As pessoas pensam que estamos ali a fazer exatamente o mesmo do que elas e a viver esses momentos lúdicos, mas não, nós estamos lá a fazer o nosso trabalho

Não é tão fácil como as pessoas pensam…

Se as pessoas pensarem um bocadinho, todas as profissões têm as suas dificuldades, têm os seus desafios. Acho é que, como nós fazemos parte dos momentos lúdicos, quando as pessoas estão a divertir-se, as pessoas pensam que estamos ali a fazer exatamente o mesmo do que elas e a viver esses momentos lúdicos, mas não, nós estamos lá a fazer o nosso trabalho.

Além dos concertos nos Coliseus, tem também agendados espetáculos um pouco por todo o país e até noutros países. Por onde vai andar nos próximos meses?

Depois de Londres, Alemanha, Áustria e Suíça, vou também passar por Belgrado e Paris. Vou fazer ainda uma grande tournée pela América Latina, no fim do ano, e outra pelos EUA. E no entretanto temos concertos em Portugal.

E já está a pensar no seu próximo álbum?

Por enquanto não, é também importante uma pessoa dedicar-se ao álbum que fez e tocá-lo ao vivo. São duas energias e duas formas muito diferentes de nos darmos. Agora estou realmente dedicada aos concertos ao vivo e, quando isto começar a ficar em velocidade de cruzeiro, aí, sim, vou para um novo disco, para novas coisas.

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