Quando se fala do nome Paíto, ao pensamento dos adeptos do futebol chega de imediato a recordação do mítico golo apontado ao Benfica, a 26 de janeiro de 2005, para a Taça de Portugal, num dos mais espetaculares lances da história dos dérbis entre leões e águias.
Treze anos depois de se ter despedido do Sporting, o antigo lateral regressou à Academia de Alcochete, reviu velhos amigos e voltou a sentir o 'calor' verde e branco.
Ainda com as emoções à flor da pele, o internacional moçambicano esteve à conversa com o Desporto ao Minuto e, em entrevista exclusiva, lembrou os principais traços de uma carreira recheada de bons momentos.
Neste regresso a Portugal, Paíto concedeu uma entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto.© Fábio Aguiar
Deixou o Sporting em 2006 e só agora, treze anos depois, voltou àquela que foi a sua casa durante seis épocas. Que emoções sentiu naquele momento em que passou o portão o portão da Academia de Alcochete?
É verdade, foi a primeira vez. Não foi fácil voltar àquela casa. Senti um arrepio enorme ao entrar lá. Está um pouco diferente. Como vivi aquilo desde a sua construção, quando saíamos de Alvalade e fomos para lá, é uma sensação fantástica regressar tantos anos depois. Tive, digamos, azar, pois no dia em que fui, os seniores não estavam a treinar. Mesmo assim tive a sorte de reencontrar pessoas fantásticas, que me receberam muito bem.
Entre eles o mister Luís Martins, atual coordenador da formação, que era adjunto da equipa principal na sua altura...
Sim, vi o mister, de quem gosto muito. Estive também com o Carlos Bruno, que era o nosso preparador físico na altura. Costumamos falar frequentemente nas redes sociais, já que hoje existe essa facilidade, e fiquei muito feliz de o rever e saber que está de volta ao Sporting. Estive também com o Hugo Tecelão, que na minha altura era terceiro guarda-redes na equipa B ou nos juniores, penso eu. Foi muito bom estar com ele novamente. Fiquei feliz por saber que continua a servir o clube. Só tenho pena de não ter estado com mais pessoas.
Este Sporting é muito diferente daquele de que fez parte entre 2000 e 2006?
Os tempos são outros... Eu cheguei com 17 anos e tive de trabalhar muito para chegar à equipa principal. O clube tinha vários jogadores da casa, estrelas que nós estávamos acostumados a ver na televisão, e quando ali chegávamos sentíamos esse seu 'peso' no balneário. Atualmente, o Sporting muda constantemente de jogadores e não existe essa continuidade, essa mística, que, na minha opinião, faz muita falta. Além de termos grandes jogadores, de muita qualidade, nós éramos uma família. Muitos deles já tinham quatro ou cinco anos de clube. Hoje em dia os jogadores passam dois ou três anos, no máximo, e saem... Enfim, é a política das direções e nós só temos que apoiar de fora.
Antigo lateral reencontrou Luís Martins, atual coordenador da formação leonina, que na sua altura desempenhava funções de adjunto na equipa principal.© Facebook Paito
Recorda-se do dia em que entrou no balneário da equipa principal do Sporting pela primeira vez?
Sim, sem dúvida! Sá Pinto, Pedro Barbosa, Beto, João Pinto, Jardel... Nós tínhamos ali seis ou sete jogadores que eram ícones. Eu lembro-me de tudo, desde o momento em que aterrei em Lisboa. Cheguei e assinei logo porque o negócio estava feito. Só fiz os exames médicos. Cheguei a Alvalade e a primeira pessoa que vi foi o João Pinto: 'Uau, ele é tão pequeno e joga tanto!', pensei eu. Foi aí que me caiu a 'ficha' e percebi que estava em Portugal para jogar no grande Sporting.
Acredito que a adaptação não tenha sido fácil...
Nada fácil! É muito complicado um miúdo de 17 anos, moçambicano, chegar a Portugal e integrar uma equipa como a do Sporting. Comecei nos juniores, depois passei pela equipa B, até chegar então à equipa principal. Foi muito sacrifício.
Que jogadores o apoiaram mais nesse período?
Todos! Todos ajudaram imenso, mas o Pedro Barbosa falava muito comigo, até porque era o capitão. O Beto, o Carlos Martins e o Nelson também me ajudaram imenso. Tínhamos um grupo muito forte e unido. Nunca nos sentíamos excluídos. Apesar de ser um menino um pouco tímido, eles sempre me puseram à vontade e tentaram integrar da melhor forma para que depois eu conseguisse ter confiança para jogar. Puxaram bastante por mim, posso dizer.
O Nelson estava sempre a brincar. Muitas vezes deixava cair alguma coisa no duche de propósito e eu, sem perceber, ia apanhar e era a risada total no balneário.
Também foi alvo de muitas partidas no balneário?
(risos) Muitas! O Nelson é que estava sempre a brincar... Tinha muito essas brincadeiras. E eu era um miúdo inocente e não sabia. Muitas vezes deixava cair alguma coisa no duche de propósito e eu, sem perceber, ia apanhar e era a risada total no balneário. (risos) Estavam sempre a gozar, mas era isso que também nos fortalecia enquanto família. Muito do que foi a conquista do título passou por aí, pela união que existia entre todos.
Quando fala desses tempos, que histórias recorda logo?
O ambiente que se vivia lá. Eu não me canso de falar disto porque é realmente verdade. Éramos uma família e aqueles jogadores com mais anos de casa eram referências, conheciam todos os cantos e ajudavam imenso quem chegava. Lembro-me de jogadores fantásticos que passaram lá. Quando o Liedson chegou, por exemplo, olhámos para ele e fomos todos falar com o diretor desportivo, que era o Carlos Freitas: 'Carlos, o que é isto? Andas a contratar jogadores na PlayStation? Nós queremos ganhar o campeonato este ano e para isso precisamos de um avançado possante.' O que é facto é que na primeira semana o Liedson teve muitas dificuldades, na segunda pior, mas na terceira... Ui, explodiu! Uma coisa impressionante! Foi dos jogadores mais impressionantes com quem joguei. Fininho, pequenino, mas com uma qualidade incrível. Na terceira semana, quando ele deu com aquilo, Polga, Beto, Pedro Barbosa, todos ficaram de boca aberta, porque era, de facto, um jogador brilhante. Era bola no ângulo direito, golo, no esquerdo, golo, de cabeça, golo, de pé direito, golo... Enfim, pensámos: 'Bem, se calhar, é mesmo com este que lá vamos!' Temos jogador... O que é certo é que no primeiro jogo, no Dragão, ele ficou no banco, entrou e a partir daí já não saiu mais.
Quando o Liedson chegou, olhámos para ele e fomos todos falar com o diretor desportivo, que era o Carlos Freitas: 'Carlos, o que é isto? Andas a contratar jogadores na PlayStation? Nós queremos ganhar o campeonato este ano e para isso precisamos de um avançado possante.'Levezinho, levezinho, mas...
É verdade! Nós queríamos um possante, mas foi o 'Levezinho' que nos safou. E há outro que também me surpreendeu imenso: o Rui Jorge. Éramos concorrentes diretos pelo lugar de lateral-esquerdo, mas ele sempre me apoiou bastante. Ajudou-me de forma incrível e ensinou-me muito. Foi sempre uma pessoa fantástica comigo, cinco estrelas. Falava imenso comigo, corrigia-me e posso dizer que o que tudo o que aprendi se deve em grande parte a ele. Lembro-me de pensar como é que o titular era ele e não eu. Eu era mais rápido do que ele, era mais forte do que ele, tinha um melhor jogo a aéreo e, mesmo assim, era ele que jogava. E eu às vezes pensava: 'Mas como é que é este 'gajo' que joga e eu não?' A verdade é que só percebi aí com 28 anos. O Rui Jorge era perfeito taticamente, posicionava-se como ninguém, ou seja, nem precisava de correr muito, pois estava sempre no sítio certo. Além disso, tinha uma boa capacidade de passe, boa técnica, bom pé esquerdo e como pessoa era excecional, um verdadeiro líder - aliás, vê-se pelo trabalho que está a realizar nos sub-21. Foi um grande professor para mim!
Depois de sair do Sporting, quantas vezes já lhe falaram daquele golo ao Benfica?
(risos) Muitas! Acho que foi o melhor momento da minha carreira. Fico triste por ter sido só isso, pois sempre senti que tinha capacidades para fazer muito mais. E fico desiludido porque quando se fala do Paíto, as pessoas lembram apenas: 'Ah aquele que fez o golo ao Benfica, com a 'cueca' ao Luisão!' Poderia ter feito muito mais, mas...
Golo ao Benfica? Já ouvi de tudo... 'Ah, tu és aquele que fez a maldade ao Luisão... Tu és maldoso!'
Se tivesse mais tempo, a história poderia ser diferente?
Sim, penso que sim. Mas isso também está relacionado com a própria política do clube. É preciso dinheiro e, por isso, quando surge a oportunidade de vender um jovem, não há muito a fazer. O Rui Patrício, por exemplo, foi segurado várias vezes e deu muito a esta instituição. Mas também há que recordar bem o seu trajeto. Cometeu muitos erros no início da sua carreira, mas continuou a ser aposta. Costumamos dizer que quem 'fez' o Rui Patrício foi o Paulo Bento, que nunca lhe retirou confiança. Manteve-o na equipa, independentemente de tudo, e hoje é o guarda-redes que é, um dos melhores do mundo. O futebol é isto...
O que é que as pessoas lhe dizem sobre esse mítico golo?
(risos) Já ouvi de tudo... 'Ah, tu és aquele que fez a maldade ao Luisão... Tu és maldoso!' (risos) Sempre ficou esse momento, até porque foi num dérbi, na Luz, com o estádio cheio, num dos melhores jogos entre Benfica e Sporting desses tempos. Fico triste que tenha ficado apenas isso, o golo.
Calculo que se recorde do lance com todos os detalhes...
Completamente! Já o vi tantas vezes... O meu filho não parava de o ver o Youtube! (risos) Em nenhum momento pensei em fazer aquilo. Foi algo do momento! Ganhei a bola ao Carlitos, passei pelo João Pereira e depois disso só pensei em cruzar, pois sabia que se o fizesse, o Liedson estava lá. Só que quando olhei, vi que ele estava atrás do Alcides, que era muito mais alto. Então, cheguei à frente do Luisão, tentei simular e ele... abriu as pernas. Não poderia fazer mais nada. Teve de ser! (risos) Eu queria era passar, não importava como. Por cima dele era complicado, pois ele é gigante, por isso, meti a bola por baixo das pernas, ultrapassei-o e pronto... Depois, em frente ao Quim, só vi baliza. 'Vai ser o que Deus quiser. Vai já daqui! Tenho que rematar.' Foi inesquecível!
Na altura, o treinador era José Peseiro. Como viu este seu recente regresso ao Sporting?
Bem, é só ver os pontos a que ele deixou a equipa do primeiro lugar e os pontos de distância que há atualmente. Mas é a vida, é o futebol. Eu gosto muito dele, da forma como trabalha, mas estamos a falar de uma realidade de há quinze anos. Como pessoa era espetacular, excelente. Eu trabalhei com o José Peseiro e com o Fernando Santos e sempre disse: 'Se fosse possível juntar estes dois, tínhamos outro Mourinho!' Porque são, de facto, muito bons. O mister Fernando Santos é extremamente disciplinado, dá muita confiança à equipa e cria uma enorme união no grupo, enquanto o mister Peseiro prepara muito bem a estratégia para cada jogo. Ele dizia-nos que o nosso adversário ia jogar assim, assim e assim, e chegávamos ao jogo e era exatamente da forma como ele nos tinha dito. Com ele, sabíamos sempre o que os nossos adversários iam fazer. Além disso, colocava as suas equipas a praticar um futebol fantástico. Sinceramente, esperava que ele tivesse outro percurso neste regresso, mas a verdade é que encontrou um Sporting numa fase muito complicada, com uma pressão enorme para ganhar, pois os adeptos, o clube e a estrutura estão 'esfomeados' por títulos. Não há tempo nem paciência! Cada treinador que entrar sabe que tem que ganhar. E isso, por vezes, gera injustiças.
Ex-jogador representou os leões entre 2000 e 2006, tendo passado pelos juniores, equipa B e seniores.© Reuters
Por falar de Fernando Santos, e conhecendo-o bem como conhece, considera que foi ele o grande responsável pela conquista do Campeonato da Europa de Portugal, em 2016?
Penso que sim. Foi um momento fantástico, inesquecível! Eu estava em Moçambique e não imaginam a festa que foi. Aliás, penso que os portugueses não sonham sequer com a forma como os PALOP vibram sempre que a Seleção Nacional de Portugal joga. Toda a gente se junta, fazem-se churrascos e é uma grande festa. Então no Euro foi demais! Eu acho que o mister é um grande líder, gere o grupo como ninguém e encontrou uma geração fantástica. Além disso, transmite uma confiança enorme aos jogadores. Lembro-me que no ano em que trabalhei com ele fomos fazer uma viagem aos Estados Unidos e ele dizia-me: 'Paíto, no próximo ano, tu vais ser titular desta equipa.' O problema é que ele depois saiu... (risos) Mas ele é um excelente treinador, uma pessoa fantástica e merece todo o sucesso.
Depois disso, já voltaram a falar?
Não... Infelizmente. Quem me dera...
No ano em que trabalhei com o Fernando Santos fomos fazer uma viagem aos Estados Unidos e ele dizia-me: 'Paíto, no próximo ano, tu vais ser titular desta equipa.' O problema é que ele depois saiu...Como sportinguista, como viu este período conturbado, especialmente com os incidentes ocorridos na Academia em maio?
(pausa) Foi muito estranho... Muito estranho. O adepto sportinguista não é agressivo nem maldoso.
Enquanto jogador, nunca sentiu insegurança no Sporting...?
Nunca! Jamais! Em nenhum momento mesmo. Até hoje não percebi o que motivou essa situação triste e vergonhosa para a instituição. Não se entende. Não consigo encontrar uma razão para isso acontecer. Ficámos todos muito tristes.
Está a faltar dar continuidade aos jogadores e aos treinadores. É importante ter quatro ou cinco jogadores com alguns anos de casa, que tenham peso no balneário e que transmitam a mística aos mais novos.Agora, com novo presidente, nova direção e novos jogadores, considera que estão reunidas as condições para que o Sporting consiga voltar a lutar de igual para igual com FC Porto e Benfica?
Eu acho que o que está a faltar é dar continuidade aos jogadores e aos treinadores. É importante ter quatro ou cinco jogadores com alguns anos de casa, que tenham peso no balneário e que transmitam a mística aos mais novos. No fundo, que mostrem o que é o Sporting e que puxem pelos que não são titulares a fazer tudo para serem mais-valias também. O Keizer começou bem, mas acho que tem que se dar tempo e trabalhar nos limites.
Voltando à sua carreira, quais foram os adversário mais difíceis que encontrou pela frente?
Como equipa, o FC Porto. Como jogador, o Simão Sabrosa. O FC Porto, porque naquela altura tinha a hegemonia do futebol português. O Simão, porque era muito rápido, tinha muita técnica e era bastante difícil pará-lo. O Alan, do Sp. Braga, também o era, tal como o Douala, que cheguei a defrontar quando ele estava no U. Leiria. Era uma verdadeira 'flecha'. (risos)
Paíto terminou a carreira em 2016, ao serviço do Maxaquene, de Moçambique, depois de também ter deixado legado ao serviço da sua seleção.© Getty Images
E quais os principais amigos que o futebol lhe deu?
É difícil fazer amigos no futebol. Nunca entramos num clube com o intuito de fazer amigos, mas sim de jogar, ajudar a equipa e conquistar títulos. No entanto, sempre tive a felicidade de ter bons grupos e fazer boas amizades. Talvez o melhor amigo que fiz tenha sido o Kali, que jogou na seleção de Angola e no Santa Clara. Também costumo falar com o Nani, que era um dos miúdos que chegou à equipa principal quando eu lá estava. Nunca perdemos essa ligação. Na última vez que estive cá fomos jantar juntos. Mas não é fácil fazer amigos no futebol. O importante é deixar a nossa marca para quando nos reencontrarmos lembrarmos os momentos que vivemos e fazermos a festa.
Atualmente, com 36 anos, continua ligado ao futebol?
Não, para já não. Estou em Moçambique, tenho algumas lojas de conveniência, estou a solidificar alguns negócios e, quem sabe, um dia voltarei ao futebol, pois isso está no sangue e é a minha paixão. É nessa área que me sinto bem.
Mas voltar a viver em Portugal está fora de questão?
Não, a minha família está cá e um dia poderei voltar. Quem sabe... Mas primeiro tenho que me preparar. Tenho o desejo de voltar e acho que o vou fazer no futuro.
O meu filho é bem melhor que eu. É rápido e tem técnica... Joga a extremo, mas só tem 15 anos. Já lhe disse que tem tudo para poder vir a ser jogador.Sei que o seu filho joga no Sacavenense. Também é craque?
(risos) Ah, ele é bem melhor que eu. É rápido e tem técnica... Joga a extremo, mas só tem 15 anos. Já lhe disse que tem tudo para poder vir a ser jogador, até porque está bem mais perto das coisas do que eu quando saí de Moçambique. Mas é muito difícil, pois o futebol é ingrato e obriga a muito trabalho. Não o forço a nada. O que tiver de ser, será.
Numa espécie de mensagem aos sportinguistas, o que gostaria de dizer?
Ui... Eu acho que é difícil pedir-lhes calma, pois já passou muito tempo desde a conquista do último título, mas peço que continuem sempre a apoiar, pois eles são adeptos muito especiais, únicos. São dos melhores do mundo! Vamos ter fé e acreditar que tudo aquilo que almejamos está próximo.