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"Está na altura de Portugal liderar no reconhecimento da Palestina"

Nabil Abuznaid elogia a "política equilibrada" de Portugal no conflito Israel/Palestina, mas acredita que o nosso país poderia fazer mais pela causa palestiniana. O embaixador é entrevistado de hoje no Vozes ao Minuto, onde denuncia a política israelita, "uma ameaça à existência dos palestinianos",critica Donald Trump e analisa o futuro da solução de dois estados.

"Está na altura de Portugal liderar no reconhecimento da Palestina"
Notícias ao Minuto

02/10/18 por Pedro Bastos Reis

Mundo Nabil Abuznaid

Portugal defende a existência de um estado palestiniano, assim como a solução de dois estados para a resolução do conflito Israel/Palestina. No entanto, tal como a União Europeia, não reconhece a existência desse mesmo estado palestiniano.

Por isso, Nabil Abuznaid, embaixador da Missão Diplomática da Palestina em Portugal desde o verão de 2017, exorta o Governo português a seguir a vontade do Parlamento e a reconhecer o estado da Palestina, o que "seria uma mensagem importante para Benjamin Netanyahu", até porque, no seu entender, pela "política equilibrada", Portugal "pode ter um papel importante no processo de paz".

Em entrevista ao Vozes ao Minuto, Nabil Abuznaid, 64 anos, natural de Hebron, além de elogiar a hospitalidade e sentido de justiça dos portugueses, conta que a situação nos territórios palestinianos - particularmente em Gaza - está cada vez mais complicada porque "a terra que deveria ser para o estado palestiniano encolhe a cada dia que passa".

O embaixador continua a acreditar na solução de dois estados para a resolução do conflito entre israelitas e palestinianos, no entanto, reconhece que esta "está a evadir-se". O ideal, no entender de Nabil Abuznaid, poderia ser "um estado secular em que muçulmanos, cristãos e judeus possam viver sob uma única lei, em paz, com direitos iguais" mas, lamenta, esta opção também é rejeitada por Israel. 

A política de Portugal hoje é equilibrada: é amigo da Palestina mas não é hostil em relação a Israel, por isso pode ter um papel importante no processo de paz.

É embaixador da Palestina em Portugal há cerca de um ano. Qual é o balanço que faz deste período?

Cheguei a Portugal no verão de 2017 e, antes de vir, ouvi e li muito sobre a beleza do país. Quando cheguei, confirmei que de facto o tempo e a natureza são fantásticos, mas também encontrei outra surpresa que é a beleza dos portugueses, que são muito amigáveis, prestáveis, compreensivos e têm um sentimento especial, de uma forma positiva, relativamente a quem não é português. Apreciamos a ajuda e o apoio dos portugueses que encontramos nas ruas, nos cafés, ao almoço. Estamos muito confortáveis e agradecemos a Portugal por isso.

Portugal é um país que é amigo da Palestina?

Sim, acho que podemos dizer que sim. Penso que os portugueses são justos e estão comprometidos com a paz e com a justiça. O que não quer dizer que queiram estar com os palestinianos contra os israelitas, mas acho que sentem que os palestinianos têm uma causa justa, que têm sofrido muito nestes anos e que merecem ser livres junto dos outros países do mundo. Penso que Portugal, desde há muitos anos, tem estado ao lado da justiça e no apoio aos palestinianos na luta pela independência e criação de um estado.

A posição de Portugal em relação à Palestina é semelhante à da União Europeia. Considera a Europa um aliado importante ou a União Europeia poderia fazer mais?

Acho que a Europa apoia a Palestina e condena as políticas israelitas, assim como a opressão sobre os palestinianos. Mas, enquanto palestiniano, acho que condenar os israelitas e o senhor [Benjamin] Netanyahu não significa nada. Ele próprio diz: “Enquanto os palestinianos estão a gritar, podem condenar o que quiserem, que eu faço o que quero”. Esta condenação por parte da Europa, durante todos estes anos, não travou as políticas e opressão israelitas. Pelo contrário, a situação está a ficar pior de ano para ano. O método de condenar e criticar Israel não é efetivo, por isso devemos pensar noutra política que faça Israel dar ouvidos aos outros países. A política de Portugal hoje é equilibrada: é amigo da Palestina mas não é hostil em relação a Israel, por isso pode ter um papel importante no processo de paz.

Não me parece que Jerusalém seja uma das torres de Trump, nem que seja um estado norte-americanoO que podemos fazer mais?

O Governo português deveria reconhecer o estado da Palestina, já que acredita, tal como a União Europeia, que os palestinianos devem ter o seu estado. Uma vez que o próprio Parlamento português, representante do povo, recomendou que o Governo deveria reconhecer a Palestina, então porque é que Portugal não o faz? O Governo diz que quer esperar por uma posição da União Europeia, mas se o Parlamento do país quer avançar com o reconhecimento, penso que o deveriam fazer. Se reconhecem um lado, Israel, também deveriam reconhecer o outro, a Palestina. Seria uma mensagem importante para Benjamin Netanyahu: de que aquelas terras são território palestiniano, e não é um território em disputa. Já está na altura de Portugal liderar em direção ao reconhecimento da Palestina.

O que acha da posição do português António Guterres?

Penso que está a fazer o máximo que consegue, mas os norte-americanos estão a dificultar a atuação da ONU. Por exemplo, os norte-americanos decidiram cortar a ajuda à UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina), apesar desta ter sido estabelecida através de uma decisão da ONU. Com este corte o trabalho do engenheiro António Guterres fica dificultado. Há muita pressão por parte de Donald Trump, que mudou toda a política dos Estados Unidos para uma política que vai contra as organizações internacionais.

Qual foi o impacto da transferência da embaixada norte-americana de Telavive para Jerusalém?

Foi um comportamento injusto e irrealista. Não é responsabilidade dos Estados Unidos decidir o destino das cidades do mundo. Jerusalém Oriental é reconhecida pela comunidade internacional como a capital do estado da Palestina. E, tal como podemos ver, ninguém seguiu Donald Trump e mudou as suas embaixadas. Os Estados Unidos ficaram sozinhos. Não me parece que Jerusalém seja uma das torres de Trump, nem que seja um estado norte-americano. Estou certo de que ele terá outros problemas no seu país com que se preocupar. A decisão de Trump não ajudou a paz, não ajudou a criar pontes de paz entre palestinianos e israelitas, pelo contrário, destruiu-as. Não sabemos até onde nos pode levar este comportamento de Trump.

Os muros, os colonatos e o confiscar de terras não podem dar a Israel a segurança que eles pedem. Enquanto Israel negar justiça, direitos e liberdade aos palestinianos, não haverá segurança para ninguémComo é que descreve a situação atual em Gaza?

Gaza está numa situação muito difícil. As pessoas vivem sob bloqueio, não conseguem ir até ao mar para pescar, não podem ultrapassar as suas fronteiras nem ter acesso à Cisjordânia. Gaza foi destruída várias vezes em guerras e penso que os habitantes precisam de esperança. Gaza é uma das áreas mais sobrelotadas do mundo, com menos emprego, sem perspetivas de futuro. Quando estive a trabalhar como representante da Palestina em Washington, recebi uma visita de um palestiniano de Gaza, com 16 ou 17 anos, que tinha ido estudar um ano para os Estados Unidos. Nesse ano, ele teve as notas mais altas da escola, e disse que queria estudar medicina. Mas como ia voltar para Gaza, tinha receio que, por lá, não houvesse futuro para ele. Estas pessoas de Gaza estão a enviar uma mensagem ao mundo: querem educação, paz e esperança. Espero que as condições mudem.

Notícias ao MinutoNabil Abuznaid tem 64 anos e é natural de Hebron. É embaixador da Palestina em Portugal desde 2017© Missão Diplomática da Palestina em Portugal / D.R

Um dos maiores focos de tensão entre palestinianos e israelitas acontece na fronteira entre a Faixa de Gaza e Israel. As autoridades israelitas justificam as suas ofensivas contra os manifestantes palestinianos como uma forma de garantir a segurança dos cidadãos israelitas. Considera esta posição legítima?

Procuramos uma paz em que palestinianos e israelitas possam viver lado a lado, pacificamente. Uma paz em que os cidadãos israelitas possam viver em segurança nas fronteiras do estado de Israel e em que os palestinianos possam viver com dignidade no seu estado independente. Se negam a liberdade a estas pessoas, elas têm o direito de se manifestar. E não consigo imaginar que milhares de pessoas, incluindo mulheres e crianças, que no máximo têm pedras e que estão a muitos quilómetros de distância das fronteiras, possam ser uma ameaça para a segurança israelita. Quem está a ameaçar quem? A política israelita é que é uma ameaça à existência dos palestinianos, não o contrário. Mas os israelitas tentam justificar a opressão com o argumento de que se estão a proteger. Quem precisa de mais segurança do que os palestinianos, que temem as detenções arbitrárias durante a noite, que não se podem mover de um lado para o outro, que vivem, muitas vezes, com uma ocupação militar permanente, que não têm acesso às necessidades básicas, como por exemplo à água de que necessitam? Mas Israel, com a ocupação, também não conseguirá segurança. Os muros, os colonatos e o confiscar de terras não podem dar a Israel a segurança que eles pedem. Enquanto Israel negar justiça, direitos e liberdade aos palestinianos, não haverá segurança para ninguém.

Israel tem motivos para temer que a sua existência esteja em risco perante os ataques do Hamas?

De que tipo de ameaça estamos a falar? Na última guerra [entre Israel e o Hamas, em 2014] morreram milhares de palestinianos. As pessoas podem resistir, mas a opressão de Israel, o cerco e o sofrimento em Gaza continuam. Nós, palestinianos, não nos conseguimos ver uns aos outros, não há ligação entre a Cisjordânia e Gaza. Como é que os palestinianos podem sobreviver isolados? Como é que as pessoas conseguem viver nestas condições? O verdadeiro responsável por esta situação é o cerco israelita.

A terra que deveria ser para o estado palestiniano encolhe a cada dia que passa. Temo mesmo que chegue o dia em que não tenhamos terra, em que não tenhamos esperançaO que falhou nos Acordos de Oslo assinados há 25 anos?

Os Acordos de Oslo foram um bom começo para a paz, mas o problema deu-se com a Direita israelita. Alguns meses depois da assinatura dos acordos, um colono israelita chamado Baruch Goldstein entrou numa mesquita em Hebron, enquanto as pessoas estavam a rezar, e matou 29 palestinianos. Este crime foi cometido por um colono que tinha como objetivo destruir o processo de paz. Yasser Arafat e Yitzhak Rabin tentaram salvar o processo da paz, com a presença de observadores internacionais em Hebron, mas, um ano depois, Yigal Amir, um militante de extrema-direita, matou Rabin. Matou-o porque alguns israelitas acreditam num grande Israel, que engloba a Cisjordânia, e consideraram que Rabin traiu esta ideia. Depois da morte de Rabin, a violência emergiu mais do que a paz e, na minha opinião, o processo de paz sofreu desde esse momento até hoje. As esperanças de paz desapareceram e emergiu mais violência e colonização. Oslo tornou-se mais uma forma de opressão dos israelitas para construírem mais colonatos.

Passados estes 25 anos, ainda acredita na solução de dois estados?

Acredito, mas de dia para dia torna-se mais difícil, porque a terra que deveria ser para o estado palestiniano encolhe a cada dia que passa. Temo mesmo que chegue o dia em que não tenhamos terra, em que não tenhamos esperança e em que já não haja nada para negociar, uma vez que Israel torna a ocupação efetiva e mantém os palestinianos cercados, em cidades pequenas, sem nada à volta. Penso que a esperança para a solução de dois estados está a evadir-se e há mais pessoas realistas que apontam a solução, que já foi proposta no início dos anos de 1970, de um estado secular em que muçulmanos, cristãos e judeus possam viver sob uma única lei, em paz, com direitos iguais. Talvez esta até seja a melhor solução, mas também esta é rejeitada por Israel, tal como é rejeitada a solução de dois estados apoiada por toda a comunidade internacional. Na realidade, a situação no terreno mudou e já não resta a possibilidade de uma solução de dois estados. O que resta então? Nenhum estado?

Perante a realidade no terreno, a comunidade internacional não deveria estar já a discutir a solução de um estado?

Muitas pessoas continuam a acreditar na solução de dois estados. Mas acho que chegarão, muito em breve, à realidade de que a opção de dois estados é uma solução morta. Esperemos que não se chegue a uma opção morta, já que a hipótese de um estado morreu logo no início dos anos 1970 rejeitada por Israel. Parece que a terceira opção é o regime de Apartheid, e, tal como a História provou, o Apartheid e a ocupação não duram para sempre.

Os meus pais, que já morreram, sempre nos ensinaram que, com esperança, vamos conseguir independência e a pazOs líderes palestinianos, nomeadamente o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, estão a lutar pela solução de um estado?

Penso que continuam a acreditar na solução de dois estados e é por isso que estão a ser criticados. Muitas pessoas, sobretudo a geração mais jovem, pensam que tal não é possível, e por isso o presidente Abbas está a enfrentar dificuldades políticas junto dos palestinianos que consideram que a solução de dois estados não é possível e que insistir nela não leva a lado nenhum.

Para além das dificuldades associadas à ocupação israelita, os palestinianos também enfrentam os seus problemas políticos internos, nomeadamente o conflito entre a Fatah, que governa a Cisjordânia, e o Hamas, que governa a Faixa de Gaza. Perante este impasse, como é que os jovens palestinianos podem acreditar num futuro melhor?

Esta situação é terrível para os palestinianos. Na Palestina, como em qualquer outra sociedade, temos diferentes opiniões, formas de ver e lidar com a ocupação. A Fatah, secular, acredita nas negociações e nos meios pacíficos. O Hamas coloca na mesa a opção de resistência e a luta armada como o caminho. Para além disto, questionam quais as fronteiras de Israel que devem ser reconhecidas. O Hamas considera que não pode reconhecer uma entidade que não declara as suas fronteiras. Para nós, seculares, as fronteiras são as de 1967. Há divergências entre os líderes palestinianos, mas a violência e a luta armada não são aceites pelos nossos amigos e aliados na comunidade internacional, por isso não podemos optar por esta via para não colocar o seu apoio em causa.

Acredita que esta nova geração de palestinianos vai conseguir atingir aquilo que não foi possível nos últimos 70 anos?

Para os palestinianos, a esperança é importante e essencial. Os meus pais, que já morreram, sempre nos ensinaram que, com esperança, vamos conseguir independência e a paz. Tomei o caminho da luta para conseguir essa esperança, e o meu filho faz o mesmo. Sem essa esperança, não podemos continuar. Vamos conseguir, mas precisamos que a comunidade internacional não nos deixe a lutar sozinhos. Devem apoiar-nos, porque os palestinianos não serão livres sem o apoio da comunidade internacional. É por isso que exortamos que ajam rapidamente, apoiem os palestinianos e a paz, porque de outra forma a situação vai manter-se. A comunidade internacional tem obrigação de fazer algo e tem também obrigação de travar a política israelita. Tal como disse Desmond Tutu, “se você é neutro numa situação de injustiça, então escolhe o lado do opressor”. É esta a mensagem que deixo para a comunidade internacional: por favor, não deixem que as crianças palestinianas fiquem para trás, deem-lhes esperança de um futuro melhor, para que todos possamos viver em paz.

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