Dois dias depois de o Governo ter anunciado alterações à Lei da Nacionalidade, o "descontrolo na atribuição de nacionalidade e a necessidade de limitar o reagrupamento familiar" em Portugal foram debatidos na Assembleia da República, a pedido do Chega. Tratou-se do primeiro debate de urgência da nova legislatura - e ficou marcado pelo momento em que o Executivo, pela voz do ministro da Presidência, Leitão Amaro, desafiou o partido de André Ventura a viabilizar as alterações sugeridas pelo Governo para que "haja regulação da imigração a sério" no país.
"Eu espero que finalmente o Chega contribua com o seu voto para que haja regulação da imigração a sério em Portugal", afirmou António Leitão Amaro, durante o debate, assinalando que o Governo entregou, esta quarta-feira na Assembleia da República, três propostas de lei, que serão discutidas "para a semana".
Para o ministro, "chegou o momento de finalmente o Chega poder contribuir com o seu voto para que haja pelo menos uma regra, uma solução, que controle mais a imigração em Portugal".
E, por isso, Leitão Amaro perguntou se o partido liderado por André Ventura vai acompanhar a proposta de criação da Unidade de Estrangeiros e Fronteiras na PSP, salientando também que, nas últimas eleições legislativas, os portugueses escolheram um Governo que "está a regular, mas o faz sem um discurso radical".
Chega acusa Governo de "vender a alma ao PS"
Em resposta ao desafio lançado pelo ministro, o líder do Chega sublinhou que o partido "desde o dia um que quis controlar a imigração", enquanto o PSD, "com medo que o centro político se perdesse, vendeu a alma ao PS" e considerou que, tanto os últimos governos do PS, como os do PSD, foram "frouxos em matéria de controlo de imigração".
André Ventura questionou ainda se o Governo "vai ou não impedir a continuidade do reagrupamento familiar em Portugal", argumentando que os "números são alarmantes" e têm de "ser travados, custe o que custar" - e pedindo ao ministro da Presidência que não trouxesse ao debate "conversa oca e vazia" e "dissesse cara a cara aos portugueses o quê e como vai fazer".
"Quem vai mesmo perder a nacionalidade depois de cometer crimes em território português? Vamos ou não acabar com os subsídios de asilo de quem vem para cá, de quem vê recusada a entrada cá e fica a receber apoios da Segurança Social durante meses? Vamos ou não fazer uma auditoria à AIMA para garantir que todas as autorizações criminosas dadas para entrar em Portugal nos últimos anos são devidamente investigadas?", questionou.
"Este é o repto do Chega, este é o repto de uma nação que quer ver resolvido de uma vez por todas um problema que a Esquerda criou, mas que cabe agora à Direita resolver. O tempo não era ontem, é hoje, o tempo de fazer é agora", disse também o líder do Chega.
Além disso, Ventura considerou que o Governo "chegou tarde ao debate", mas "mais vale tarde do que nunca".
Política de imigração em Portugal mudou e mudou mesmo há um ano, hoje é regulada, mas também regulação com humanismo
Depois da intervenção de Ventura, o ministro António Leitão Amaro também responsabilizou o PS pela atual situação, classificando a política socialista como "um desastre" e alertou que é uma "herança errada que se vai pagar por décadas".
De seguida, o governante assinalou que a "política de imigração em Portugal mudou e mudou mesmo há um ano, hoje é regulada, mas também regulação com humanismo" e elencou as "10 grandes mudanças" levadas a cabo pelo Governo, referindo que o Chega não conseguiu implementar nenhuma mudança "para uma imigração mais regulada" nem incluiu no seu programa eleitoral questões como o reagrupamento familiar ou a extensão dos prazos mínimos para a obtenção de nacionalidade.
Livre, PCP e BE acusam direita de ser contra as famílias de imigrantes "pobres"
Durante o debate, Livre, PCP e BE acusaram a Direita de só se preocupar com as famílias e a nacionalidade dos imigrantes pobres, mantendo as portas abertas sem regras à imigração para quem é rico, através dos vistos 'gold'.
Paulo Muacho, do Livre, manifestou dúvidas de constitucionalidade e admitiu que o seu grupo parlamentar contribua para que seja possível que um quinto dos deputados recorra ao Tribunal Constitucional solicitando a fiscalização sucessiva de alterações legislativas propostas pelo executivo PSD/CDS, designadamente em matéria de perda de nacionalidade.
Já a líder parlamentar do PCP, Paula Santos, considerou que, "se houve algum descontrolo na atribuição da nacionalidade portuguesa", tal se deveu à lei dos sefarditas e aos vistos 'gold'.
No caso da lei que concedia o acesso à cidadania para os judeus descendentes dos sefarditas, a comunista defendeu que o diploma acabou por "se tornar um esquema de atribuição fraudulenta" para milhares de cidadãos israelitas, acusou a dirigente comunista, recordando que a "nacionalidade portuguesa era vendida por agências de viagens em Telavive".
Nos casos dos vistos 'gold' "obtém-se uma passadeira vermelha para uma autorização de residência", que pode terminar na atribuição de nacionalidade, mas "aí, o Chega não quer saber" e pretende "limitar o reagrupamento familiar apenas para os pobres", naquilo que o PCP considera ser um "retrocesso nos direitos humanos".
Já Mariana Mortágua, do BE, acusou o PSD e CDS de promoverem políticas públicas que diferenciam imigrantes pobres dos ricos: Quem tem dinheiro "pode comprar o visto 'gold' e vem para Portugal", mas depois, nos casos dos mais pobres, o Governo "quer imigrantes a imigrar para Portugal sem o direito de juntar a família".
Do lado do PS, o socialista Pedro Delgado Alves acusou o Chega de misturar "todos os temas possíveis que pudessem associar às migrações", tratando os pedidos de nacionalidade com um problema, sem nunca apresentar números que sustentem essa preocupação.
À Direita, o líder da IL, Rui Rocha, focou o seu discurso nas consequências da política migratória dos governos socialistas, que permitiram o aumento de 400 mil para 1,6 milhões o número de estrangeiros em Portugal: "Os governos de António Costa são péssimos governos", com "políticas nocivas de várias décadas para os portugueses".
Falando em nome do PSD, o deputado social-democrata Cristóvão Norte elogiou as alterações à lei da nacionalidade, que procuram assegurar a "quem quer ser português que o seja pelas razões justas e próprias", com "apego à língua" e "sentido de pertença".
Num pedido de esclarecimento, a deputada única do PAN acusou o Governo de "distinguir quem tem dinheiro e quem não tem", afirmando que "isto não é humanismo, é uma opção política" e constitui "um passo atrás".
Aguiar-Branco adite projeto do Chega sobre nacionalidade com "reservas"
À margem do debate, o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, admitiu o projeto do Chega sobre a nacionalidade, embora admita ter "reservas" sobre a constitucionalidade. Ainda assim, entende que podem ser corrigidas no decurso do processo legislativo.
Esta posição Aguiar-Branco surgiu num despacho tornado público e alguns dias após os serviços da Assembleia da República terem emitido um parecer não vinculativo relativo ao diploma do Chega, segundo o qual não deveria ser admitido por colidir com a Constituição, designadamente ao pretender assegurar a possibilidade de perda de nacionalidade em determinados casos.
Esse parecer não vinculativo, por parte dos serviços do Parlamento, levou mesmo o líder do Chega, André Ventura, na passada sexta-feira, a acusar o presidente da Assembleia da República de estar a "bloquear" a ação política do partido, apesar de naquele momento em que Ventura prestou essas declarações José Pedro Aguiar-Branco nada ter ainda decidido sobre essa matéria.
Agora, o presidente da Assembleia da República revelou ter concluído pela admissão "com as devidas reservas quanto às questões de constitucionalidade expostas e ressalvada a necessidade de correção no decurso do processo legislativo".
As "reservas" surgem sobretudo porque o Regimento da Assembleia da República, no seu artigo 120º, estabelece que não são admitidos projetos e propostas de lei ou propostas de alteração que "infrinjam a Constituição ou os princípios nela consignados.
Recorde-se que no projeto, o Chega propõe a perda de nacionalidade por naturalização aos que "sejam definitivamente condenados a penas efetivas superiores a três anos de prisão" e aos que sejam "condenados por sentença transitada em julgado proferida ou revista e confirmada pelo tribunal português, pelo crime de terrorismo".
[Notícia atualizada às 19h45]
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