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Crise académica de 1962 foi um alfobre de dirigentes políticos

A crise académica de 1962 foi um alfobre de dirigentes políticos, incluindo um Presidente da República, e um detonador para as crises que conduziram ao 25 de Abril, segundo António Correia de Campos, que participou ativamente no protesto.

Crise académica de 1962 foi um alfobre de dirigentes políticos
Notícias ao Minuto

07:53 - 22/03/22 por Lusa

Política crise académica

Em entrevista à agência Lusa a propósito dos 60 anos deste movimento estudantil que abalou Salazar, que se assinalam na quinta-feira, Dia Mundial do Estudante, o socialista Correia de Campos sublinhou o papel deste acontecimento, o qual mostrou o quanto os jovens portugueses estavam distantes do regime.

Seis décadas passadas, o ex-ministro da Saúde considera que o "luto académico", assim designada a greve dos estudantes, que incluiu uma greve de fome, foi "um alfobre" de "dirigentes políticos depois do 25 de Abril - um Presidente da República, ministros, líderes partidários de todos os partidos do espetro - e, por outro lado, foi o detonador de crises que se repetiram ano após ano".

"A partir dali todos os anos havia uma crise. Talvez 63 tenha sido mais esbatido, mas 64, 65 e os anos seguintes, e sobretudo 69, com a grande crise de Coimbra. Depois de 70, a politização do movimento estudantil por completo, a criação de crepúsculos políticos, daquela miríade de partidos políticos, normalmente à esquerda do próprio Partido Comunista, onde os estudantes se agregavam e militavam e que acabou por eclodir no 25 de Abril".

Para Correia de Campos "é evidente que muitos dos estudantes foram para a tropa. Muitos desses estudantes que viveram as crises falavam com os oficiais do Exército, explicavam o que se tinha passado. Houve, portanto, aqui um processo de maturação que acabou por chegar aos jovens Capitães de Abril".

O académico, que este ano completa 80 anos e desempenhou várias funções de dirigente público, tendo sido duas vezes ministro da Saúde, ainda hoje se surpreende com a dimensão do protesto que juntou milhares de estudantes universitários, oriundos de várias universidades, nos espaços abertos que as rodeavam, numa altura em que não existiam redes sociais e os telefonemas eram caros.

"Houve ali um movimento de agregação de juventude que foi talvez a maior surpresa", disse.

António Correia de Campos -- na altura tesoureiro da Associação Académica da Faculdade de Direito de Coimbra -- identifica neste movimento dois motivos, um visível e outro invisível, que faziam com que estes jovens enfrentassem um regime sem espaço para protestos.

O visível prendia-se com a vontade de celebrar o Dia do Estudante (24 de março de 1962), que lhes estava a ser recusada, embora este não fosse um momento "vital" na vida dos alunos. Mas havia uma questão invisível, subjacente, que era "um sentimento de desapego em relação ao regime".

"Havia um crescente sentimento de desapego e esse crescente sentimento de desapego, que existia progressivamente em toda a sociedade, criava uma divisão entre a geração dos que estavam a estudar, dos mais novos, e a geração dos seus pais e avós.

Muitos deles, recordou, eram "gente associada ao regime". Havia 30 mil alunos nas quatro universidades do país, que socialmente eram oriundos das classes média alta e alta.

Um inquérito feito pela Ação Católica, orientado pelo professor Adérito Sedas Nunes, revelou que só cinco ou seis por cento dos estudantes tinham origem em classes trabalhadoras e classes operárias ou camponeses.

"A massa estudantil era constituída por filhos de família, por pessoas da classe média e da classe alta e representavam um corte em relação à geração dos seus pais", frisou.

Antes de 1962, já surgira o que o jurista classifica como "o elemento mais importante para alimentar esse corte, que foram as eleições do general Humberto Delgado, em 1958, em que foi patente que o país queria mudar o regime, mas que não era possível fazer essa mudança".

Ali, no protesto estudantil, "começou um movimento subterrâneo de indisposição em relação ao regime".

O que os estudantes tentaram dizer com aquele movimento, que incluiu uma greve de fome, na qual Correia de Campos participou, sendo posteriormente detido por isso e alvo de uma sanção, foi que os jovens não estavam com a ditadura, não estavam com o regime autoritário.

Ainda por cima, prosseguiu, "no ano anterior tinha começado a guerra e, portanto, já havia alguns receios de que as pessoas pudessem perder vidas. Já havia mortos, já havia feridos e havia estropiados e isso era muito visível".

Um ano antes da crise académica, começara a guerra colonial, ocorreu a invasão de Goa, o dirigente comunista Álvaro Cunhal fugira da prisão, aconteceu o assalto ao paquete Santa Maria e Palma Inácio desviou um avião para distribuir panfletos contra o regime de Salazar.

As dores de cabeça de Salazar incluíram ainda, nesse ano, uma tentativa de intervenção militar -- a Abrilada de 1961 -- que contou com a participação do ministro da Defesa Nacional, Botelho Moniz.

Em 2002, nas comemorações do 40.º aniversário deste levantamento estudantil, Jorge Sampaio, que foi um dos rostos do protesto, enquanto secretário-geral da Reunião Inter-Associações (RIA), afirmou, já como Presidente da República, que a crise académica marcou a sua vida para sempre.

"A crise de 62 marcou a minha vida para sempre e fez de mim uma pessoa diferente do que era antes", sublinhou o na altura chefe de Estado português.

Leia Também: Estudantes desafiaram Salazar há 60 anos com uma lição pela liberdade

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