A quatro dias da entrega do Orçamento do Estado para 2022, Manuela Ferreira Leite afirma não ter perspetivas "muito risonhas" em relação ao documento do Governo. No espaço de comentário na TVI, a social-democrata disse não dar, neste momento, "nenhuma importância ao documento orçamental".
"Não dou [importância] porque um Orçamento por si é [um conjunto de] opções políticas e sem ser políticas e de estratégias" que depois se consubstanciam através de uma listagem de receitas e uma listagem de despesas, "as quais têm que estar minimamente compatibilizadas para não haverem défices muito grandes", enquadrou, considerando que o problema não é o documento em si.
"O problema é que este é um instrumento muito importante. Não é esta listagem de receitas e de despesas que, de alguma forma, influenciam a atividade económica, o crescimento ou não crescimento do país", disse. "Aquilo que influencia", defendeu, "é que o Orçamento faça opções que levem a influenciar as decisões de quem efetivamente mexe na atividade económica, que são as empresas e as famílias". Manuela Ferreira Leite não vê qualquer orientação objetiva nesse sentido no próximo Orçamento do Estado.
"Nós vamos precisar de crescer, precisamos de enriquecer", alertou a ex-ministra das Finanças, lembrando que Portugal tem sido ultrapassado por muitos outros países que "têm tido o cuidado de estruturar a sua atividade económica de forma a que ela cresça".
Ora, das sugestões e reivindicações públicas que se ouvem, o próximo Orçamento do Estado é "tudo menos isso", lamentou a comentadora, considerando que não há medidas dirigidas às empresas e às famílias.
Para ilustrar o seu pensamento sobre a economia portuguesa, a comentadora deu um exemplo: Numa dieta para engordar em que a receita é comer mais pão. "É evidente que vou comer pão e é evidente que engordo. Estando eu magríssima, não comendo quase nada, meia dúzia de pães por dia é mais do que suficiente para começar a engordar. O problema é que é uma receita que dá para engordar mas não dá para criar músculo, resistências, não dá para ser saudável. Lá engordar, engordei, mas mal não consiga comer mais pão, e não tenha mais nada para comer, emagreço novamente e, se calhar, ainda fico mais magra do que era".
"O orçamento não é um objetivo em si, é um instrumento para incentivar empresas e famílias, que são essas que determinam ou não a evolução da atividade económica", reforçou.
Manuela Ferreira Leite afirmou ainda que "é evidente que o PIB vai aumentar", deixando um recado ao Executivo socialista: "Não venha o Governo vangloriar-se que o PIB aumentou 4% ou 5% - o que for - porque é evidente, ainda não existe Orçamento, e já lhe digo que, seguramente, isso vai acontecer".
E vai acontecer porquê? "Porque estamos muito em baixo [devido ao impacto da pandemia]. É 5% a partir lá de baixo, portanto, não é nada de especial", considerou, criticando ainda o facto de este crescimento previsto ser conseguido "à custa de fazer despesa pública". "Vai haver um crescimento mas não é um crescimento que tenha qualquer tipo de interferência na nossa atividade económica", apontou, criticando as exigências que são "moedas de troca" para a aprovação do documento, como por exemplo a alteração laboral.
"A legislação laboral não tem nada a ver com o Orçamento, no entanto é uma machada no que pode ser a evolução da atividade económica", apontou.
Concluindo o raciocínio da dieta do pão, Manuela Ferreira Leite considerou que "muitos dos sinais" relativos ao OE2022 "são no sentido de lançar a insegurança e a pouca perspetiva tanto para as famílias como para as empresas. E enquanto isso for assim, podemos engordar, o país pode crescer. Mas no dia em que já não houver esse dinheiro para dar, voltamos a ficar pior do que o que estávamos e com todos a ultrapassarem-nos", vaticinou.
"Governo está absolutamente desgastado"
Sobre a eventual remodelação governamental, que poderá acontecer depois da aprovação do OE2022, Manuela Ferreira Leite afirmou que uma remodelação "serve para credibilizar a política do Governo" e que o Governo "está absolutamente desgastado".
"[O Governo] tem alguns ministros que não conseguem fazer absolutamente nada, tomam uma decisão e no dia a seguir estão na primeira página do jornal", comentou. Na ótica da social-democrata, "se o primeiro-ministro estivesse muito empenhado em que o Governo efetivamente impulsionasse o futuro do nosso país, seguramente que mudava".
Manuela Ferreira Leite entende que uma remodelação governamental só teria impacto se fosse dada ao Governo "uma nova cara, uma nova vida e uma nova perspetiva", sendo, para isso, "necessário ir buscar pessoas credíveis, capazes e com aceitação na sociedade". Acontece que "cada vez é mais difícil ir buscar pessoas como o Carlos Moedas. São casos raros".
A social-democrata considera que uma remodelação do Governo depois de aprovado o OE2022 é ainda mais difícil, por ser o "momento mais impróprio" para o fazer, a não ser que o orçamento "não signifique nada". Posto isto, Manuela Ferreira Leite acredita que a haver remodelação será apenas "para que o Governo não se afunde mais" e não numa mudança para "um novo elã".
Leia Também: OE2022: Governo propõe aumentos salariais de 0,9% na função pública