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A queda do Muro de Berlim abanou "paredes de vidro" do PCP sem as partir

A queda do Muro de Berlim, há 30 anos, e a posterior dissolução da União Soviética provocou uma das maiores crises internas no PCP, sucedendo-se as afrontas à linha oficial do partido, expulsões e saídas de militantes renovadores.

A queda do Muro de Berlim abanou "paredes de vidro" do PCP sem as partir
Notícias ao Minuto

09:29 - 08/11/19 por Lusa

Política Muro de Berlim

O histórico secretário-geral comunista português Álvaro Cunhal enfrentou então mais uns tempos difíceis, num partido com quase 99 anos de história, depois do longo período da clandestinidade (1929-74), com muita contestação à orientação política e à organização e funcionamento do PCP, os quais foram resumidos no seu ensaio "O partido com paredes de vidro", publicado em 1985.

O ensaio de Cunhal foi publicado escassos meses antes de o último líder da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), Mikhail Gorbachev, ter desencadeado as reformas "perestroika" (reestruturação e abertura económicas) e "glasnost" (transparência política e liberdade de expressão), após a sua subida ao poder como secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), em março de 1985.

Um dos principais rostos contrários à rígida nomenclatura marxista-lenininsta foi o da editora e depois deputada pelo PSD Zita Seabra, então membro da comissão política do Comité Central comunista. Mas muitos mais se lhe somaram nas fileiras da dissidência entre 1989 e 1992 e, posteriormente, entre 2000 e 2003, nomeadamente o ex-líder parlamentar comunista, Carlos Brito.

Devido às suas "ações antiestatutárias" e à publicação da obra "O nome das coisas", Zita Seabra torna-se no primeiro militante expulso da comissão política, logo em 1988, do Comité Central, mais tarde, e mesmo do partido, já em 1989, mas ainda antes da revolucionária noite de 09 de novembro em Berlim.

Em 14 de novembro de 1989, um comunicado do Comité Central do PCP afirmava que "os acontecimentos na RDA (República Democrática Alemã), em que avultam a dramática saída de cidadãos para a RFA (República Federal Alemã) e o movimento muito amplo de insatisfação, crítica e protesto populares, só podem compreender-se à luz de sérios atrasos, erros e deficiências agora revelados no processo de edificação do socialismo neste país" e "sucedem-se a acontecimentos igualmente graves noutros países socialistas, que revelam também situações, orientações e práticas, no Estado e no partido, que se afastaram dos ideais do socialismo e do comunismo".

O mesmo texto reconhecia: "verifica-se que em diversos países socialistas, nos partidos comunistas e operários, a direção do partido, e por vezes apenas alguns dirigentes fora de um trabalho coletivo, assumiu uma atitude de imposição administrativa das suas orientações, opiniões e decisões e afastou-se progressivamente da ligação e da opinião da base do partido".

Mais tarde, já em 1991, com o golpe de estado contra as reformas de Gorbachev pela linha-dura do Kremlin e que foi apoiado oficialmente pelo PCP, a contestação interna em Portugal subiu de tom e aconteceu a maior onda de exclusões e abandonos do mais antigo partido político português.

Desde finais da década de 1980, no seio do PCP, tinham-se formado o "grupo dos seis", que fez vários documentos contestatários, e a "terceira via", com elementos mais moderados e que queriam mudar o partido por dentro, arregimentando assim as vozes dissonantes, além de militantes a título individual, vários dos quais viriam a juntar-se ao PS ou, mais tarde, ao BE.

O ainda deputado socialista José Magalhães, aquele que viria a ser o ministro do PS Mário Lino, o futuro dirigente bloquista João Semedo, o futuro ministro socialista Pina Moura, o posterior dirigente do BE Miguel Portas, o futuro deputado do PS Vital Moreira, entre muitos outros, como Barros Moura, Raimundo Narciso, o antigo autarca de Cascais José Luís Judas, Eugénia Varela Gomes, José Maria Castro Caldas, Olga Areosa, Borges Coelho, Gomes Canotilho, Dulce Martins, a lista de dissidentes nos anos seguintes à queda do Muro de Berlim é extensa.

Porém, o PCP, fiel ao marxismo-leninismo, sobreviveu e manteve a sua presença parlamentar e influência social - como se comprovou na anterior legislatura -, enquanto outros partidos comunistas europeus, como o italiano, o francês ou espanhol, definham ou, pura e simplesmente, se extinguiram depois de adotarem orientações mais reformistas, em face do desmantelamento da União Soviética.

Paradoxalmente, em "O partido com paredes de vidro", o visionário Álvaro Cunhal descrevia que "ser comunista não impede que se ria mais ou se ria menos, que se goste de estar em casa ou de passear ao ar livre, que se aprecie ou não se aprecie um bom petisco, que se fume ou não se fume, que se beba ou não se beba um copo, que se viva mais ou menos intensamente o amor, que ninguém tenha vergonha de ser feliz. Alem do mais porque a felicidade do ser humano é um dos objetivos da luta dos comunistas".

HPG // JPS

Lusa/Fim

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