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Dia da Famíla: "Portugal está ameaçado por ser um país de filhos únicos"

A 15 de maio celebra-se o Dia Internacional da Família, a “célula-base da sociedade”. A verdade é que o modelo da dita família tradicional está a mudar e a comprometer a renovação de gerações. Combater esta tendência é o lema da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas porque “ser família é bom”, destaca a presidente Rita Correia em conversa com o Notícias ao Minuto.

Dia da Famíla: "Portugal está ameaçado por ser um país de filhos únicos"
Notícias ao Minuto

12:30 - 15/05/17 por Ana Lemos

País APFN

Atualmente, há dias internacionais ou mundiais para ‘todos os gostos’, mas o que hoje se assinala, e que este ano celebra o 24.º aniversário, relança uma questão cada vez mais premente. Foi proclamado em 1993, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, o Dia Internacional da Família com o objetivo de promover a reflexão e discussão sobre a importância da família nas sociedades.

Este ano celebramos a data sabendo que Portugal se mantém “entre os países mais envelhecidos da Europa dos 28”, apesar de em 2016 se ter registado “um aumento de 1,9%” no número de nascimentos (87.126)”, mas ainda insuficiente para que o “saldo natural seja positivo”. Os dados são do Instituto Nacional de Estatística (INE) e traçam outras conclusões no que diz respeito a novos modelos de família.

Já não há casamentos na casa dos 20 anos e os nascimentos, quando os há, são regra geral, fora de um matrimónio e perto dos 30 anos. Aliás, o INE revelou recentemente que entre 1986 e 2016 a idade média das mães para o nascimento do primeiro filho passou dos 23,9 para os 30,1. Além disso, os jovens passaram a estudar até mais tarde e, consequentemente, a entrarem mais tarde no mercado de trabalho. Fenómeno ao qual não foi alheia a crise económica que o país atravessou e que não só reduziu as ofertas como as tornou mais vulneráveis.

Mas porque “ser família é bom” e se for “a multiplicar por 3, 4, 5, 6, ou 7” ainda é melhor, neste dia a Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN) procura desmitificar alguns “preconceitos” que existem na sociedade e “exigir um tratamento justo e digno”. Em conversa com o Notícias ao Minuto, a presidente da APFN, Rita Correia, advogada e mãe de seis crianças, alertou para o “inverno demográfico” que Portugal atravessa por estar a tornar-se num “país de filhos únicos”, apesar de não ser esse o número de filhos que os jovens casais desejariam ter. Cabe, em grande parte, ao Estado dar-lhes essa “confiança”.

Qual é o papel/missão da APFN no atual contexto social?

A APFN foi criada em 1999, tem quase sete mil famílias associadas neste momento, e representa mais de 30 mil portugueses. Tem dois grandes objetivos. Mostrar, por um lado, qual é a realidade das famílias, sobretudo as numerosas mas explicando essa realidade acaba por explicar um pouco a realidade familiar em Portugal, alertando para alguns preconceitos incorretos associados à família e dando visibilidade aos constrangimentos que as famílias, em particular as numerosas, enfrentam. Outro objetivo é pugnar por princípios de igualdade e justiça no tratamento de famílias com dependentes, sejam eles ascendentes ou descendes porque todos estão a cargo e fazem parte da família. O mais importante princípio que a APFN defende é o do rendimento per capita, no fundo que cada pessoa na família valha sendo uma pessoa e não como apenas parte de uma pessoa. Que é o que hoje acontece no IRS, no IMI, etc.

Uma coisa interessante que se faz em França é que mães de famílias numerosas podem reformar-se mais cedo com a reforma por inteiro. Ou seja, o Estado está a compensá-las pelo que trouxeram para a sociedadeComo tentam fazer esse trabalho de despenalização? E em que áreas procuram intervir com mais afinco? 

A APFN, para servir os seus objetivos, desenvolve variadíssimos projetos. A parte mais importante é a dos estudos que a APFN vai fazendo em protocolo com várias entidades e que depois permitem conhecer os dados relativamente às famílias, para poder pedir que sejam tidas em conta diversas medidas. Estamos a falar em estudos relacionados com a água, habitação, fiscalidade, com as competências que se vão adquirindo na maternidade e paternidade, com o cruzamento das políticas europeias que existem e que poderiam ser implementadas em Portugal – ir buscar exemplos a outros países – porque não está em causa inventar nada de novo mas otimizar aquilo que existe.

Por outro lado, temos o observatório das autarquias familiarmente responsáveis, que foi criado há oito anos. Todos os anos, este observatório envia às Câmaras um inquérito. Pretende-se assim dar a conhecer as boas práticas das autarquias locais na área da família e distinguir as mais familiarmente responsáveis. Além disso, este ano vamos fazer a 3.ª edição da Familia Land, um fim de semana de festa na companhia das famílias, com custos baixos e atividades para todas as idades. E temos também o projeto Jovens Inspiradores, uma forma de chamá-los a mostrar as coisas boas que fazem, e as Famílias em Rede, em que famílias ajudam famílias, partilhando experiências. 

Num contexto como o atual, em que os números mostram que um casal, em média, não tem sequer dois filhos, como tentam passar a vossa mensagem?

Se as políticas de natalidade do nosso país forem pensadas, concertadas e duradouras, é mais fácil as pessoas terem confiança para poderem ter mais filhos. Há um estudo feito em 2013, pelo INE, que indica que as famílias portuguesas tinham em média 1.03 filhos, que consideravam que em média iam ter 1.7, mas que desejavam ter 2.3 filhos. Ora o que se encontra aqui é uma discrepância muito grande entre o número de filhos que se tem e o que se quer ter. Portanto, não preciso de dizer à população que tem de ter mais filhos.

A população pode ter os filhos que quer, tem é de se sentir confortável com essa decisão. Havendo aqui esta margem, e se houver sinais do Estado, nós podemos trabalhá-la de forma a não penalizar as famílias, para que quem quiser ter mais filhos possa tê-los. Por exemplo, uma pessoa que ganhe 630 euros tem isenção de taxa moderadora, mas uma mãe que tenha três filhos a cargo e ganhe 640 euros já não tem. Porquê? Porque os filhos não valem nada nesta contabilização. Mas há outras questões que facilitam a vida às famílias numerosas e não só. Por exemplo, os critérios de colocação das crianças na escola. Uma família que tem três filhos espalhados por escolas diferentes enfrenta uma desorganização familiar, é uma impossibilidade quase ter tempo e dinheiro para os ir pôr e buscar, principalmente durante os primeiros 10/12 anos de vida em que eles são completamente dependentes. São pequenas coisas mas que dão sinais. Veja-se o que aconteceu quando houve boas notícias relativamente ao IRS na última legislatura [a da coligação PSD/CDS]. Houve mais confiança e, provavelmente, a pequena subida de natalidade que se tem vindo a registar tem a ver com o menor agravamento da fase de crise, mas também com mais confiança naquilo que nos espera no futuro.

Uma pessoa que ganhe 630 euros tem isenção de taxa moderadora, mas uma mãe que tenha três filhos a cargo e ganhe 640 euros já não tem. Porquê? Porque os filhos não valem nada nesta contabilizaçãoE é para dar estes sinais que servem os nossos estudos, por exemplo, se vou contratar uma mãe de uma família numerosa e souber que ela é uma boa gestora porque está habituada, estando provado o valor do seu trabalho em casa, ele também vai valer na sociedade. Uma coisa interessante que se faz em França é que mães de famílias numerosas podem reformar-se mais cedo com a reforma por inteiro. Ou seja, o Estado está a compensá-las pelo que trouxeram para a sociedade. Se este tipo de coisas se for enraizando na educação, na saúde, etc., vai dar confiança à população para ter os filhos que quer e resolver os problemas que o país tem. Caso contrário, a demografia nacional está ameaçada com esta falta de nascimentos.

É pequena a percentagem de mulheres em idade fértil que não tenham filhos, mas é enorme a daquelas que só têm um filho

Com a chegada da crise, que agravou a já baixa taxa de natalidade, ponderaram adaptar este número mínimo de três filhos?

Essa questão não se põe. Três é um número que não está legalmente estipulado mas do qual sempre se falou porque está ligado à renovação de gerações. Com dois filhos, não renovo a geração, só a partir dos 2.1. Como esse número não existe são três os que contam para a família numerosa. Mas Portugal é um país de filhos únicos. É pequena a percentagem de mulheres em idade fértil que não tenham filhos, mas é enorme a daquelas que só têm um filho.

Quando assumiu a presidência da APFN já era mãe de cinco filhos, entretanto teve mais um, e mantém a sua profissão de advogada. Como gere a sua vida profissional com as suas rotinas diárias de uma mãe de seis crianças?

Gere-se com bastante equilíbrio. Tenho a sorte de os poder ter a estudar perto de casa, o que permite que tenham uma vida mais calma, podem ir e vir a pé. Além disso tenho uma ajuda inquestionável dos avós, sem eles era impossível, trabalhar e ter a família estruturada. Depois é uma questão de disciplina e de muita organização. Organizar o dia, pensar em tudo o que vai acontecer, e as crianças para se sentirem seguras também têm de ter o seu dia programado. Portanto, elas sabem o que vai acontecer. Sabem que a mãe chega a casa às tantas horas e tem um tempo para estar com elas, e também sabem que ao fim de semana a disponibilidade é total. Mas sinto também na pele estas dificuldades todas de que falei, porque a saúde custa dinheiro, a educação – quer pública, quer privada - custa dinheiro, e há situações em que a escola mais perto é privada e os pais deviam poder escolher. Essa escolha é dos pais, não é do Estado, não tem de ser imposta.

Condições perfeitas nunca vão existir, temos de lidar com aquilo que temos. E não se mede aquilo que a família nos pode trazer de bom, já para não falar dos filhos que depois podem tratar dos pais

Mas alguns jovens não têm essas condições. Têm contratos de trabalho a termo, ganham menos de mil euros, vivem numa casa arrendada longe dos pais, e resta muito pouco do rendimento mensal...

Resta muito pouco quer tenha filhos quer não tenha. Ninguém sabe o dia de amanhã. Essas coisas são coisas da vida com que não se pode contar. Não sei se vou estar numa melhor circunstância daqui a dez anos ou pior. Mas se souber à partida que não estou a ser prejudicada por ter filhos e que vou ter mais disponibilidade para suportar os meus filhosse não tiver as regras que tenho, e se puder canalizar uma porção dos impostos que entrego ao Estado para outra coisa, já não estou a ser prejudicada.

A nível pessoal o que posso dizer é que não se mede aquilo que a família nos pode trazer de bom, já para não falar dos filhos que depois podem tratar dos pais, e que até custa menos dinheiro à sociedade. Quando os jovens experimentam ter uma família veem que é bom. Como vou custear isto? O nosso projeto Famílias em rede oferece, por exemplo, uma solução inteligente. Famílias que vivem perto e que têm o mesmo nível de extras, podem concertar esforços. Não têm os avós mas têm outros suportes. Condições perfeitas nunca vão existir, temos de lidar com aquilo que temos. Mas a família é uma forma de realização. Se esta mensagem passar, também vão querer ser felizes, depois, o resto, com esforço e dedicação de todos – Estado e sociedade -, acredito que é mais possível.

“Famílias numerosas existem em todas as profissões, em todas as classes socioeconómicas e em todas as regiões

Há na sociedade a ideia de que os associados da APFN são um nicho com determinadas capacidades económicas. Famílias carenciadas podem contar com a vossa ajuda?

Temos alguns projetos para pessoas que necessitam, embora a APFN não lhes preste apoio jurídico ou recolha de fundos, mas naquilo que pode emprega as suas valências a quem pode ajudar. Mas é um apoio limitado. Existem associações próprias para ajudar os grupos socioeconómicos mais baixos, portanto nós, se as situações nos chegam por alguma razão, tentamos resolver aquilo que conseguirmos e pomos [essas famílias] em contacto com quem tem esse objeto.

Mas as famílias numerosas não são só muito ricas ou muito pobres. Dos Censos2011 é possível retirar essa conclusão: famílias numerosas existem em todas as profissões, em todas as classes socioeconómicas e em todas as regiões. São representativas de toda a nossa sociedade, embora, não seja essa a ideia que se tem. A verdade é que são um retrato fiel da sociedade e têm as mesmas necessidades dos outros.

Se não pusermos a família à frente de muitas outras coisas na sociedade, vamos ter um problema cada vez mais grave, que é a falta de pessoas

Completou recentemente dois anos de mandato, que balanço faz deste desafio que abraçou voluntariamente?

Quando cheguei, estava à espera do meu terceiro filho, e a questão da família e das necessidades de uma família maior foram-se colocando na nossa vida. Por isso achámos importante fazer parte da associação que tem a grande valência de representar os seus associados. Portanto, quantos mais podermos dizer que somos mais força vamos poder ter para defender os nossos interesses. A verdadeira razão para mim foi lutar por aquilo em que acreditamos. Tem tudo a ver com tentar com o nosso trabalho ajudar a trazer a consciência de pôr a família em primeiro lugar. Porque se nós não pusermos a família à frente de muitas outras coisas na sociedade vamos ter um problema cada vez mais grave, que é a falta de pessoas. Temos que acarinhar a família porque as pessoas só podem nascer no seio de uma família.

Estou a contribuir para esta sociedade com os meus filhos, seja para o consumo, seja para a produção. Faz sentido que não seja prejudicada mas tratada com igualdade face aos outros que, na sua liberdade, escolhem ter menos ou não ter filhos

O que ainda está por fazer?

Gostava sobretudo de conseguir implementar, além de passar esta mensagem, que cada pessoa numa família vale um, continuar a mostrar os preconceitos que estão associados às famílias numerosas e explicar os seus constrangimentos do dia a dia, mas também mostrar que cada pessoa é tratada como um todo no seio de uma família. Quando ganho o meu ordenado, não o ganho só para mim, tenho de dividi-lo com os meus seis filhos. O meu ordenado e o do meu marido servem para um agregado de oito pessoas e não para o agregado de duas. Isso é injusto porque estou a contribuir para esta sociedade com os meus filhos, seja para o consumo, seja para a produção do país, portanto, faz sentido que não seja prejudicada por tê-los mas sim tratada com igualdade face aos outros que, na sua liberdade, escolhem ter menos filhos ou não ter filhos. Se passarmos essa mensagem e conseguirmos que esteja implementada na sociedade em todas as coisas, a APFN fecha as portas contente porque conseguiu aquilo que entende que é necessário.

Que mensagem gostaria de deixar no Dia Internacional da família?

Acho que as mensagens podem ser um bocadinho diferentes para o poder político e para os jovens. Para os jovens, a mensagem é que ser família é bom, só traz coisas boas ter filhos, ter irmãos, criar a sua própria família e crescer juntamente com ela é de facto espetacular. A nível mais político, a mensagem é que, infelizmente, cada filho vale um e isso fará com que a própria família se sinta integrada na sociedade e não um outsider. Estamos a viver um inverno demográfico e precisamos de famílias numerosas na nossa sociedade. Não são uma coisa rara e a encerrar, como parecem representar para uma massa da sociedade que quase que tem [pelas famílias numerosas] alguma repugnância. Família não é o conceito que mais se acarinha mas é dela que podem vir as coisas boas.

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