"Mãe doou o corpo ao filho". 107 dias de morte suspensa para dar vida

Mãe “doou o seu corpo ao seu filho”, explicou um dos especialistas envolvidos no processo.

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© Wikimedia Commons

Pedro Filipe Pina
08/06/2016 12:50 ‧ 08/06/2016 por Pedro Filipe Pina

País

Lisboa

Portugal acaba de ser ‘palco’ de um nascimento que desafiou os limites da ciência. Um bebé nasceu após a mãe ter estado mais de três meses em morte cerebral. Nasceu com 32 semanas e encontra-se bem de saúde. A equipa médica que acompanhou o processo falou esta manhã em conferência de imprensa.

Foi no Hospital de São José, em Lisboa, que a equipa médica contou os detalhes que permitiram que os últimos quatro meses permitissem trazer ao mundo um menino, nascido às 32 semanas de gestação, com 2,350 quilos.

“Estamos numa viagem. [O bebé] está na unidade de cuidados intensivos neonatais, temos um prematuro de 32 semanas” e “há todo um percurso” ainda a percorrer que, se chegou tão longe, foi devido à combinação entre a “componente técnica e componente humanista”, explicou António Sousa Guerreiro, especialista em medicina interna.

Foram “107 dias de morte cerebral”, descreve Ana Campos, obstetra que acompanhou todo este processo. “Em termos de manutenção de uma gravidez, teve de haver todo o suporte hormonal, nutricional e apoio às funções” dos diferentes órgãos da mãe.

Coordenação entre as diferentes áreas foi “constante, com reuniões semanais”, pois só assim foi possível ir decidindo o que era essencial ao corpo da mãe, sem que tal afetasse a saúde do bebé. “Os químicos usados são os que existem no nosso organismo e que funcionam” numa gravidez que decorra de forma normal, explicou.

O bebé e a mãe, de 37 anos na altura do diagnóstico de morte cerebral, passaram estes meses na unidade de cuidados intensivos, onde o risco de infeções é sempre maior. Houve “infeções diagnosticadas precocemente e tratadas”, adiantou Susana Afonso, da unidade de neuro-críticos. O caso era difícil e foram “muitas as dificuldades do ponto de vista clínico”, reconheceu.

Um nascimento invulgar

Gonçalo Cordeiro Ferreira, da comissão de Ética que acompanhou o caso, adiantou que, a partir do diagnóstico da morte cerebral, havia a informação de um feto vivo, em desenvolvimento. Foi criada uma comissão científica que decidiu avançar com o processo. Seguiu-se a “discussão com a família”, que “acompanhou todo este processo e manifestou a vontade de manter esta gravidez”.

Gonçalo Cordeiro Ferreira recordou ainda o início do processo. “Temos uma senhora em morte cerebral, com um feto de 17 semanas, que já ultrapassou a idade da interrupção voluntária de gravidez, e que sabemos que reiteradamente manifestou vontade de prosseguir a sua gravidez”.

“Não há ‘guidelines’ para esta situação”, salienta. Mas este era um “filho desejado pela mãe” e que não apresentava quaisquer sinais de malformação.

“A família foi informada e colaborou” no processo, com o médico a deixar uma palavra de “homenagem” a “esta família que não podia enterrar quem estava morto e estava na esperança de ver quem vinha vivo. Em última análise, foi uma grande vitória da vida”, resumiu.

Pelo meio, o Ministério Público aceitou tutelar autonomamente esta vida fetal, uma situação que também será inédita em Portugal. Caso tivessem surgido conflitos posteriores, o Ministério Público já tinha reconhecido oficialmente esta vida ainda por nascer, conferindo-lhe a devida proteção legal. A sua intervenção, no entanto, não chegou a ser necessária.

Esta mãe “doou o seu corpo ao seu filho”, salientou ainda Gonçalo Cordeiro Ferreira. Mas também aqui houve outros desafios do ponto de vista clínico.

Não se prolongou mais o processo para se evitar esta situação de “incubadora artificial”, explicou Teresa Tomé, de neonatalogia. Um feto numa gravidez normal cresce acompanhando as emoções e os ciclos de sono da mãe. Mas isto era algo que não se poderia verificar neste caso.

Depois deste longo e invulgar processo, “o bebé ainda não manifestou até ao momento qualquer tipo de alteração que nos leve a ficar apreensivos”, explicou Teresa Tomé. É um prematuro e, como tal, continuará numa incubadora e com suporte respiratório.

Há uma mãe que já não vai ver o seu filho bebé, mas que fez tudo para que este viesse ao mundo. Há também uma família que perdeu alguém querido mas que pelo meio viu a sua esperança ganhar força nesta vida que acaba de nascer.

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