Os números são implacáveis. Durante os últimos anos saíram do país centenas de milhares de pessoas, muitos jovens, à procura de um futuro a milhares de quilómetros de onde nasceram. Essa, porém, não é a história que hoje queremos contar. O Notícias Ao Minuto foi conhecer jovens europeus que fizeram o caminho inverso para viver entre nós e que nos ajudam a conhecer-nos um pouco melhor.
A imigração para Portugal conta com características próprias: durante anos destino de pessoas de países de língua portuguesa e vindas de países em dificuldades do leste europeu, sabemos também que o Algarve e o Alentejo se tornaram destinos em tempos mais recentes para reformados de países europeus onde o sol não é tão generoso e que escolheram Portugal para os anos ‘dourados’. Não é o caso de Ina Kolln.
Ina nasceu em Friburgo há 30 anos. Antes de chegar a Lisboa, passou pela Austrália e por Paris. Mas foi em Londres que Portugal lhe chamou a atenção. Partilhou casa com uma amiga portuguesa e, um dia, foi apresentada a um rapaz português. Por amor veio viver para Portugal e apesar de a relação eventualmente ter chegado ao fim, parecia haver esse outro amor, por Portugal, a mantê-la cá. Assim foi.
Aterrar em Lisboa no ano da troika
Ina chegou a Lisboa em 2011. Não era fácil, conta-nos num ótimo português com perfume de sotaque, encontrar trabalho sem falar a língua. “No início trabalhei num hostel, dei algumas aulas em alemão e trabalhei num café”. Pelo meio, juntou a formação em moda a um produto em que somos especialistas: a cortiça.
Começou a fazer acessórios de luxo, feitos à mão, negócio que ainda hoje mantém e a que juntou um outro, em 2014, a Maria Wurst, negócio de fast-food que junta um toque português a algo que os alemães dominam como ninguém: as salsichas.
Em ‘O Medo de Existir’, José Gil falava-nos de como os portugueses têm a tendência para se colocar de fora quando falam dos seus. “Os portugueses são...”, diz um qualquer português, esquecido de que também ele é um de nós. O melhor talvez seja ouvirmos o que (também) somos, na voz de outros.
O que tem Portugal de bom, Ina? “Qualidade de vida, mesmo com a crise e sendo difícil fazer dinheiro, é espetacular. Tens aqui o mar ao lado, boa comida, as pessoas são bem dispostas, dá para sair, há muita coisa a acontecer. É uma vida fácil e simples”. Com exceção da família, “tudo o que é importante para mim tenho aqui, tudo o que não há nas cidades grandes”, resume.
Se a vida é boa, o trabalho traz outros desafios. “Na Alemanha, quando se diz está pronto, está pronto. Ou então ligam e avisam: não está pronto mas...”. Já em Portugal, “se alguém diz que na segunda-feira está pronto, tens de ligar na segunda-feira para te dizerem ‘olhe, só daqui a um mês’”, brinca.
Questionada sobre o que é mais difícil, Ina não hesita. “A burocracia. As coisas às vezes parecem fáceis mas nunca são”, desabafa.
"Portugal é um paraíso a nível de burocracia"
Annalisa Zamagni, de 28 anos, uma italiana que deixou Roma para trás e veio viver para a Graça, em Lisboa, no mesmo ano, tem outra opinião. “Vocês não acham isso mas Portugal é um paraíso a nível de burocracia”, conta-nos esta italiana que se mudou para Portugal com o namorado, também ele romano. Se por vezes somos severos connosco próprios, esperem até ouvir esta italiana: “No meu país a minha opinião é que não estava a funcionar nada”.
Se Ina achou logo à chegada que os portugueses eram um povo bem-disposto, sempre disponível, os amigos e familiares italianos de Annalisa têm as suas dúvidas. “Acham que os portugueses são um pouco tristes. Falam pouco. Apanham um autocarro e estão todos calados e os italianos acham que não é uma questão de respeito, mas de tristeza. Está tudo calado, as pessoas não falam umas com as outras”, conta-nos.
Os Deolinda celebrizaram-se a cantar-nos com uma precisão invulgar. “Agora não”, cantava-se sobre tudo o que queriamos fazer mas que se deixava para depois. É essa a música que nos vem à cabeça quando Annalisa nos conta como era sempre que queria organizar coisas com os amigos portugueses.
Queria sair e convidava amigos. “Ah não, está a chover, aquilo fica longe”, imita Annalisa, tradutora da língua de Camões. Esta hesitação tão portuguesa era estranha para quem se habituou ao trânsito caótico da capital italiana. “Moro na Graça e vou a pé ao Príncipe Real sem problema nenhum”. Estamos em 2016. Mas o “paraíso” de que Annalisa fala já foi mais confuso.
Annalisa trabalha na área em que estudou, algo que conseguiu cá mas que foi bem mais difícil para os colegas de faculdade que ficaram por Itália. “Entrei num curso de português com uns meses de atraso. Tinha escolhido o inglês e decidi mudar”. O primeiro impacto foi violento.
“Entrei na primeira aula, sentei-me ao lado de uma colega e perguntei se estava na aula certa. Soava-me a árabe”. Mas não. Era mesmo português. “Lia o texto e percebia tudo, mas a fonética… é uma língua complicada, é preciso muito estudo”, diz-nos já com à vontade de quem dominou esse Adamastor. Mais curioso ainda foi conhecer os portugueses.
Afinal, aquele silêncio em público que tão estranho parecia ao italiano comum não era o nosso Fado a vir ao de cima. “As pessoas são muito educadas”, conta Annalisa, que diz que nunca conheceu um povo que usasse tanto o “obrigado” e o “com licença”. Estranhou até quando se despediu de certo vizinho que fora visitar. “Eu é que estava na casa dele”. Mas ele é que usou o “com licença” na hora da despedida.
Annalisa viveu entre nós os últimos anos de crise económica e viu, como nós, o país a mudar. “Quando cá cheguei no primeiro ano o passe era 19 euros. Agora já passou a 35. Foi uma grande diferença”. A mãe do namorado, na primeira vez que cá esteve, “ficou surpreendida com a quantidade de prédios abandonados. Para onde é que foram morar as pessoas?”, chegou a perguntar. Hoje, porém, são visíveis novos hotéis e “prédios novos e bonitos” no centro de Lisboa.
Em jeito de despedida perguntamos se um dia pensam voltar aos respetivos países. “Nunca se sabe. A vida às vezes dá voltas”, ressalva Ina. Mas, “para já, não estou a pensar nem um bocadinho em ir-me embora”. Annalisa é ainda mais direta. “Estamos a tratar dos papéis para comprar um apartamento aqui. Queremos ficar onde estamos”. Os planos portugueses para este casal italiano são para a vida.