O Governo conseguiu aprovar, na terça-feira, 30 de setembro, a nova Lei de Estrangeiros com o apoio do Chega, do CDS-PP, da Iniciativa Liberal (IL) e do JPP e com os votos contra das bancadas do PS, Livre, PCP, Bloco de Esquerda (BE) e PAN.
Apesar de o Executivo AD ter estado em negociações com os socialistas, "até ao último momento", como garantiram, o "entendimento" acabou por ser feito à Direita, com o Chega.
Muitos dos princípios da proposta de junho mantêm-se, mas as novas alterações facilitam o reagrupamento familiar e respondem também a problemas administrativos contestados pelo Presidente da República e pelo Tribunal Constitucional.
Inconstitucional? PS afasta dúvidas, mas Livre quer aclarar
Após a votação, as reações não se fizeram esperar. José Luís Carneiro, secretário-geral do PS, afirmou que o partido que lidera tem "um caminho alternativo" em matéria de regulação da imigração e irá apresentar uma proposta nesse sentido. Porém, afastou dúvidas de constitucionalidade sobre as alterações à lei de estrangeiros.
"Para nós, não se colocaram questões de inconstitucionalidade, nem colocaremos essa questão. Deixamos agora o assunto nas mãos do senhor Presidente da República", declarou José Luís Carneiro, na Assembleia da República, após ser questionado se o PS admitia um eventual pedido fiscalização sucessiva ao Tribunal Constitucional.
Já o Livre pediu ao Presidente da República que envie a nova versão da Lei de Estrangeiros para o Tribunal Constitucional, para que haja segurança jurídica nesta matéria.
Por sua vez, o secretário-geral do PCP considerou que a nova versão da lei mantém "a bandalheira" para quem tem "muito dinheiro", que continua com a "porta aberta" para "fazer a especulação que quiser".
"Aqueles que têm dinheiro podem vir à vontade, comprar as casas todas, os prédios todos, podem vir fazer a especulação que quiserem. Os que vêm à procura de uma vida melhor, como os nossos vão lá para fora à procura de uma vida melhor, esses têm os direitos restringidos", criticou.
Chega fez "cedências" mas porta ficou "aberta para o diálogo"
À Direita o discurso é outro. A presidente da IL saudou a aprovação da nova Lei de Estrangeiros, considerando que é necessária uma "imigração com regras" e "proporcionalidade".
"Foi muito importante para o país que hoje se conseguisse chegar à aprovação da Lei de Estrangeiros", disse Mariana Leitão, criticando o "processo um pouco mal gerido por parte do Governo e do próprio PSD" que levou ao chumbo, em agosto, da primeira versão do diploma.
O presidente do CDS-PP e ministro da Defesa, Nuno Melo, acredita que a nova proposta da Lei de Estrangeiros não suscitará dúvidas de constitucionalidade, saudando o facto de Portugal estar a caminhar para ter uma legislação que acautele "rigor na entrada" no país para que se possa "ter humanismo na integração".
Já questionado sobre se houve uma cedência dos partidos do Governo ao Chega nas negociações da nova versão da lei, Nuno Melo argumentou que "não tem de falar de cedências" quando é aprovada uma "posição de sempre do CDS".
Por sua vez, o líder parlamentar do Chega, Pedro Pinto, afirmou que houve cedências das duas partes na negociação da lei de estrangeiros e considerou que há agora uma "porta aberta" para o diálogo com o Governo.
E o que muda?
Um dos grandes problemas da proposta de lei que foi travada pelo Tribunal Constitucional e pelo Presidente da República estava relacionado com o reagrupamento familiar e a maioria das alterações do novo documento estão relacionadas precisamente com essa matéria.
A lei anterior exigia dois anos para o reagrupamento de familiares que estivessem fora do país. A alteração agora feita pelo Governo, lembra o jornal Observador, dispensa qualquer prazo de permanência para o direito ao reagrupamento de "menores ou incapazes a cargo", "cônjuge ou equiparado que seja, com o titular de autorização de residência, progenitor ou adotante de menor ou incapaz a cargo".
Foram assim alargadas as exceções à dispensa de prazos. Os cônjuges que não tenham filhos podem pedir o reagrupamento, mas aí já há prazos, embora sejam mais curtos para cônjuges com coabitação efetiva anterior.
Ainda segundo a mesma publicação, "também não ficam sujeitos a prazos os familiares que tenham "autorização de residência para atividade de docência, altamente qualificada ou cultural", "autorização de residência para atividade de investimento" (os tais que se aplicam aos vistos gold) e os "beneficiários do 'cartão azul UE'".
Outra das alterações está relacionada com os casamentos. Para os matrimónios serem considerados têm de ser efetivos, válidos e reconhecidos pela Lei Portuguesa, o que faz com que "casamentos potencialmente forçados, com menores ou poligâmicos" não sejam considerados para o reagrupamento.
O Chega conseguiu fazer três alterações. Numa delas alterou prazos do reagrupamento familiar, noutra quis deixar claro que as condições de habitabilidade dos imigrantes têm de ser comparadas com as que existem em Portugal e a terceira foi deixar escrito na lei que a autorização de residência, também ao abrigo do reagrupamento familiar, só é renovada se o imigrante não depender de apoios sociais.
Daquilo que já tinha sido aprovado em julho mantêm-se a limitação à atribuição de autorizações de residência CPLP, bem como o fim do visto de procura de trabalho (apenas subsiste para altamente qualificados). Mantém-se igualmente o fim do "regime transitório".
O Governo garante que se mantém o prazo geral de dois anos para o reagrupamento familiar, embora tenha alargado tanto as exceções que há um grande universo que dispensará prazos.
O alargamento do prazo de decisão da AIMA para nove meses mantém-se (embora haja exceções), bem como a adoção de medidas de integração de imigrantes: formação em língua, cultura e valores constitucionais portugueses, assim como o ensino obrigatório para menores.
Apesar da nova Lei de Estrangeiros ainda poder ser travada o mais certo é que isso não aconteça desta vez. Marcelo Rebelo de Sousa, ao contrário de julho, não parece interessado em enviar o novo documento para o Palácio Ratton.
Já para o Parlamento suscitar uma revisão seria necessário que 46 deputados subscreverem o pedido, o que é quase impossível acontecer.
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