"Em contexto de pobreza a má administração compromete, por vezes de forma irremediável, a concretização dos objetivos do Estado social. Impressiona verificar que a circunstância da pobreza - e, muitas vezes, pobreza extrema - não tem a capacidade de desencadear uma especial urgência e atenção na análise ou solução dos problemas, muitas vezes não sendo sequer identificada", lê-se no relatório mais recente da atividade anual do Provedor de Justiça, hoje entregue na Assembleia da República.
Num ano em que o documento tem como tema transversal a pobreza, o órgão liderado até junho por Maria Lúcia Amaral destaca o facto de as obrigações impostas aos beneficiários de Rendimento Social de Inserção (RSI) nem sempre atender à organização da sua vida.
Entre as queixas recebidas a este propósito, está a de uma mulher sozinha com um filho de um ano que perdeu o apoio por ter faltado a uma convocatória do centro de emprego por não ter com quem deixar a criança.
A propósito do abono de família, o Provedor de Justiça relata ainda o caso de uma aluna do ensino secundário na Amadora que, apesar de cumprir os requisitos, só começou a receber bolsa de mérito mais de um ano após o pedido.
A morosidade na atribuição do Prestação Social para a Inclusão (PSI) a pessoas com deficiência, de pensões de reforma e do subsídio social de desemprego é outra das falhas apontadas.
No relatório, o Provedor de Justiça fala ainda "numa paisagem tocada por marcas de pobreza", com a habitação social a ser incapaz de dar respostas a famílias pobres.
"A insuficiência, inadequação e morosidade das soluções de habitação social têm originado múltiplas queixas de agregados familiares particularmente vulneráveis, compostos por pessoas idosas, crianças, pessoas com deficiência e pessoas em situação de pobreza extrema, que permanecem, em casos limite, em situações de desalojamento", alerta.
Entre os casos usados para ilustrar o problema, estão o de uma família que ficou em situação de sem-abrigo durante cinco meses por lhe ter sido atribuída uma casa ainda em obras e o de um agregado composto por dois idosos e um adulto com 98% de incapacidade que aguarda, desde 2018, o acesso a uma habitação social.
Na área do acesso à habitação, o Provedor sublinha ainda a existência de queixas que revelam que persiste "o recurso a construções ilegais para habitação, sem acesso a infraestruturas e serviços públicos essenciais".
"Muitos agregados familiares recorrem a furos, poços e fossas séticas como alternativas únicas às redes públicas de abastecimento de água", frisa.
Em 2024, a Provedora de Justiça recebeu 9.087 queixas, um quarto das quais relacionadas com assuntos da Segurança Social.
O relatório hoje divulgado foi concluído "na especial circunstância de vacatura do cargo" de Provedor de Justiça, uma vez que Maria Lúcia Amaral tomou posse, em junho, como ministra da Administração Interna.
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Lusa/fim