O projeto-piloto 'Recultivar: semeando a reabilitação mental' acontece com a vontade e o trabalho dos utentes da ala masculina do Serviço Regional de Psiquiatria Forense do centro hospitalar psiquiátrico da capital.
Em declarações à agência Lusa, o diretor do serviço, João Oliveira, explicou que o programa "se baseia muito no contacto com a natureza e no seu efeito sobre a saúde mental", mas também na reinserção dos utentes.
"Além do trabalho na horta, terão formações de competências específicas", observou, referindo que o projeto visa "retribuir à sociedade".
De acordo com João Oliveira, parte do cultivo será para distribuir pelo espaço exterior da unidade hospitalar.
"Uma parte será para também vendida, parte da produção será para distribuir à sociedade (...)", salientou.
O clínico indicou que a distribuição dos legumes cultivados será feita pelo Banco Alimentar, algumas associações do Parque de Saúde de Lisboa, como a Associação de Reabilitação e Integração Ajuda (ARRIA) e a Casa do Gil, ressalvando que "uma parte reduzida também será para venda para poder depois no futuro financiar o projeto".
Depois de ter inaugurado em 2023 uma horta vertical no Estabelecimento Prisional de Torres Novas, em Santarém, a organização não governamental (ONG) Upfarming, que cria soluções agrícolas sustentáveis em ambientes urbanos, vê-se agora "a pilotar pela primeira vez na unidade forense do Hospital Júlio de Matos".
"Nós aqui vamos estar a trabalhar com os 44 utentes desta unidade forense. No epicentro da nossa intervenção está a horta vertical, composta por 20 torres aeropónicas. Além disso, reabilitámos 18 canteiros que estavam abandonados, seguindo as técnicas de permacultura e agricultura regenerativa", disse a cofundadora da Upfarming Margarida Villas-Boas.
A organização fez também um centro de compostagem e tem previsto passar à componente agroflorestal, que inclui a plantação de espécies autóctones a partir de setembro, adiantou.
A responsável assinalou que, além da parte prática, é dada uma formação certificada aos utentes através do Centro Protocolar da Justiça (CPJ) em competências sociais e pessoais e em agricultura sustentável.
"Os utentes poderão sair daqui com uma formação certificada para serem operadores agrícolas. E, por fim, em termos da produção, parte fica aqui, parte é distribuída junto dos familiares dos utentes e parte distribuída através de institutos de solidariedade, como a ARIA e a Casa do Gil, que já trabalham com a instituição", sublinhou.
Em termos de adesão, Margarida Villas-Boas disse que o programa no Hospital Júlio de Matos "é possivelmente o mais gratificante", afirmando que, desde o primeiro dia, "os utentes têm mostrado imenso entusiasmo".
Edgar Alves, utente na unidade, explicou que está encarregue de regar os canteiros "de manhã e à noite", dizendo que são plantadas vegetações como salsas, alfaces, alcegas e curgetes.
Sobre as plantações verticais, Edgar Alves anotou que o sistema de rega é automático.
"Não é preciso regar, porque é automático. [O sistema de rega] dispara de 10 em 10 minutos e depois descansa", vincou, lembrando que tem mais colegas a trabalhar na horta.
"Sinto-me útil à sociedade e gosto de ver as coisas a florescerem e o meu trabalho a progredir", sustentou.
Também feliz com o seu contributo, Edgar Pargana -- outro utente -- salientou a manutenção que é feita na horta e que dedica seis horas diárias ao projeto.
"No curso trabalho seis horas por dia, mas depois ando sempre a ver as plantas. Ando aqui a ver tudo. Ando a ver se as plantas têm fungos. Já tenho autorização para tratar dos fungos", manifestou.
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