Na terra do Silva que aprendeu macua ajuda-se os que fogem ao terrorismo

Uma aldeia que vive da agricultura, em Cabo Delgado, é conhecida pelos seus três nomes, mas é o do português Silva, que aprendeu a falar a língua moçambicana macua, que prevalece, recordado enquanto recebem quem foge dos ataques terroristas.

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Lusa
04/03/2024 09:49 ‧ 04/03/2024 por Lusa

País

Moçambique

Comerciante recordado como "amigo" da população, os habitantes de Silva Macua, aldeia junto à estrada Nacional 380, a 85 quilómetros de Pemba, capital provincial, devolvem agora essa herança e só nos últimos dias receberam mais de 150 pessoas deslocadas, em fuga aos ataques terroristas que assolam Cabo Delgado.

"Ele era um branco que vivia perto do posto policial. O nome era só Silva. Ele falava macua bem, muitas coisas só falavam em macua, então os nativos começaram a chamar-lhe por Silva Macua", explica à Lusa Guilherme Paulo, o secretário daquela aldeia, recordando que depois a aldeia já teve outras duas designações: Salaue e Sunate.

Macua é umas das principais línguas nacionais de Moçambique, dominante no norte e falada também na vizinha Tanzânia. Já da origem do português Silva poucos se recordam na aldeia, hoje com 8.450 habitantes. Apenas que chegou jovem a Cabo Delgado e morreu em 1971. Conta a história local que Silva falava até macua melhor do que a população local.

"Morreu aqui mesmo, estava doente. Não foi para casa", recorda Guilherme Paulo, a autoridade tradicional da aldeia ou régulo, como era designado no período colonial.

Junto à estrada, agora N380 e um cruzamento onde por estes dias se tenta vendar tudo o que a agricultura dá a quem por ali passa, Silva tinha uma barraca onde já na altura comercializava um pouco de tudo, de fava a amendoim. Mas é da ajuda que ainda hoje muitos se recordam: "Era uma pessoa. Ajudava a população daqui, dava roupa. Na altura era difícil ter roupa, mas ele sempre trazia e distribuía pela população".

E é assim que o português ainda hoje continua a ser recordado: "Lembram muito até. Os velhos costumam conversar muito sobre o Silva Macua", garante Guilherme Paulo.

Localizada no distrito de Ancuabe, a aldeia está num local central face à nova onda de terrorismo que surge sobretudo no sul da província de Cabo Delgado e só numa semana já recebeu 150 deslocados, levantamento que continua a ser atualizado quase diariamente. Ali chegam deslocados do distrito de Chiùre, a mais de cem quilómetros, numa caminhada de vários dias em busca de segurança.

"Como ele ajudava os outros, nós também estamos a ajudar (...) Estamos a lembrar daquele nosso senhor, o Silva Macua", conta Guilherme Paulo.

Os que chegam diariamente tentam obter o apoio da família, mesmo que também pouco tenham para oferecer.

"Estamos a dar alimentação, emprestamos casa, emprestamos panela. Porque estão a vir sem nada", diz o régulo de Silva Macua, pedindo toda a ajuda possível.

"Temos pouco, mas distribuímos assim mesmo", garante ainda.

É o caso de Maria Pedro, que chegou a Silva Macua depois de uma caminhada de dois dias desde a aldeia de Micolene, no distrito de Chiùre, a sul. Nestes primeiros dias na aldeia está a viver da ajuda da família, tal como os outros seis que a acompanharam na caminhada, incluindo um sobrinho bebé.

"Fugi porque ouvimos que os terroristas estavam perto. Peguei na minha bengala e pouco a pouco cheguei aqui", explica Maria Pedro, em língua macua.

Sem se conseguir lembrar da idade, pede apenas ajuda: "Cheguei sem nada".

Também Serafim Armando, de 19 anos, procurou refúgio em Silva Macua nos últimos dias. Vive em Ocua, distrito de Chiùre, mas quando viu um camião cisterna incendiado pelos terroristas há cerca de uma semana, não hesitou em fugir a pé para a vizinha província de Nampula. Depois apanhou transporte até Silva Macua.

"Liguei para uma familiar aqui, que me enviou dinheiro para a viagem. E fugimos para cá", desabafa o jovem, explicando que também está a viver nos últimos dias da ajuda da família.

Estudante da 10.ª classe na escola de Ocua, agora fechada devido aos ataques, não vê a hora de regressar.

"Estou a perder muita matéria. Só estou à espera que isto acalme para poder voltar para a escola. Mas não sei o que vou encontrar quando regressar a casa", diz, enquanto recebe comida e água da família.

Quanto à casa do português Silva que sabia falar "muito bem" macua, já nada resta, o mesmo da sua barraca. A aldeia também já recebeu dois nomes diferentes depois do 'fundador', Sunate, de um régulo que tomou conta da localidade, e Salaue, referência uma "velha" dona de um poço de água na aldeia.

Mas para o régulo Guilherme Paulo, não há dúvidas: "Eu gosto desse nome, de Silva Macua".

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