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"Conseguimos ir a Marte e não arranjamos soluções para estes golfinhos?"

Apesar de não estarem em vias de extinção, existem cerca de três mil golfinhos em cativeiro a nível mundial. Na Europa, Portugal encontra-se no pódio, ainda que conte apenas com dois delfinários. Em declarações ao Notícias ao Minuto, a Provedora do Animal realçou a necessidade de proibir a reprodução desta espécie em cativeiro, bem como as trocas entre entidades, em prol da criação de um "refúgio no mar".

"Conseguimos ir a Marte e não arranjamos soluções para estes golfinhos?"

Atualmente, cerca de três mil golfinhos estão em cativeiro a nível mundial. Destes, a maioria são golfinhos-roazes, também conhecidos como golfinhos-nariz-garrafa, que não estão em vias de extinção. Não existe, por isso, razão para que sejam conservados em delfinários, segundo dados da organização sem fins lucrativos World Animal Project. Contudo, Portugal é o segundo país da Europa com mais animais desta espécie em cativeiro, e o primeiro com o maior número na mesma instituição. Na ótica da Provedora do Animal, Laurentina Pedroso, é necessário parar "de imediato" a reprodução destes animais em cativeiro, assim como implementar medidas que permitam que estes cetáceos transitem para "um refúgio no mar", antes de serem libertados.

"Este é um animal que, necessariamente, pertence ao mar. O golfinho que temos em cativeiro em Portugal, e na maior parte dos locais, é o golfinho-roaz. Ora, este golfinho não está em vias de extinção. Logo, posso e devo concluir que a conservação da espécie e dos seus habitats no sentido de a reintroduzir na natureza, que é o papel dos parques zoológicos, não se aplica. Como não está em vias de extinção, não posso argumentar que o tenho em cativeiro para contribuir para a sua conservação", apontou a antiga bastonária da Ordem dos Médicos Veterinários, em declarações ao Notícias ao Minuto.

No passado sábado, o ativista Richard O’Barry apresentou, pela primeira vez em Portugal, o galardoado ‘The Cove’, documentário de 2009 que expôs a chacina praticada na caça de golfinhos em Taiji, no Japão. O norte-americano de 84 anos, que ganhou notoriedade 'à boleia' do programa 'Flipper', abraçou o ativismo depois de um dos golfinhos que treinava ter morrido nos seus braços, tendo estado em solo nacional a convite da Provedora do Animal, que pretendia "fazer uma grande ação de sensibilização" sobre a vida destes animais em cativeiro.

Apesar de não estarem em vias de extinção, 308 golfinhos-roazes estão em cativeiro em 34 delfinários distribuídos por 14 países europeus, de acordo com a base de dados internacional de cetáceos. Destes, Portugal conta com 35 – oito no Jardim Zoológico de Lisboa e 27 no Zoomarine, no Algarve. De facto, o país toma o segundo lugar no pódio europeu daqueles com mais animais desta espécie em cativeiro, e o primeiro com maior número numa só instituição.

"Temos dois estabelecimentos com delfinários e um deles lidera na Europa. O segundo é o Oceanogràfic de Valência, que tem 20 animais. Se somarmos a Bulgária, a Roménia e a Bélgica, continuamos a ter mais animais em cativeiro", notou Laurentina Pedroso.

E continuou: "No zoo de Lisboa, existe uma fêmea – Soda – que nasceu em liberdade, na Florida, onde foi capturada, em 1981, e que tem hoje 42 anos de cativeiro. No Zoomarine, temos três animais que foram capturados na natureza, entre eles uma fêmea que, neste momento, tem 46 anos de cativeiro; pode ter sido capturada nas águas do México com dois ou três anos, tendo em conta a esperança de vida. Há outros dois machos que foram capturados em 1999, em Cuba, e que têm 24 anos de cativeiro. Todos os restantes nasceram em cativeiro ou foram comprados a outras empresas que trabalham no mesmo ramo."

De acordo com a referida base de dados, Missy, a golfinho com mais idade no Zoomarine, teve quatro filhos naquele local: Xinana, de 24 anos, Apollo, de 20 anos, Iara, de 16 anos, e Ariel, de 8 anos. No Jardim Zoológico de Lisboa, Soda deu à luz Kobie, de 30 anos, Sado, de 7 de anos, e Troia, de 3 anos. Para Laurentina Pedroso, "estes animais estão simplesmente a reproduzir-se em cativeiro, num habitat tão distinto da natureza, sem estarem em vias de extinção".

"Os golfinhos mais jovens em cativeiro [nos dois delfinários] têm ambos 3 anos. Se não fizermos nada, daqui a 40 anos ainda lá estarão. Se fizéssemos algo semelhante ao Canadá, que proibiu manter os animais em cativeiro, mas permitiu que os já ali se encontrem assim permaneçam, estes golfinhos de 3 anos ditariam o fim desta situação daqui a 47 anos. Ontem era tarde. Do meu ponto de vista, os golfinhos com 3 anos não podem estar mais 47 anos em cativeiro. Não há motivo algum de conservação para estes animais nascerem em cativeiro", complementou.

"Os Governos, as sociedades e a investigação têm de intervir, para o interesse económico deixar de existir"

Laurentina Pedroso, que também é médica veterinária, argumentou que, à medida que o conhecimento sobre a espécie foi aumentando, vários países do mundo tomaram medidas neste sentido. Foi o caso de França, em 2021, que criou legislação que proibiu os espetáculos com estes animais e o seu cativeiro. Antes, na União Europeia (UE), a Croácia, o Chipre e a Eslovénia já o tinham feito. Em Espanha, Barcelona proibiu a existência de golfinhos-roazes em parques zoológicos e, em 1990, o Reino Unido implementou "regras tão restritas para os delfinários, que não houve qualquer interesse na existência destas infraestruturas". Fora do contexto europeu, somam-se o Chile, a Costa Rica e a Cidade do México, e "muitos locais" dos Estados Unidos também se comprometeram em "terminar com estas situações". Mas, para a Provedora do Animal, a proibição do cativeiro por si só não é a solução. Isto porque "os animais que estavam em Barcelona foram vendidos, e não deixaram de estar em cativeiro".

"A UE proibiu a caça à baleia, a captura de golfinhos e as trocas de animais vivos capturados. Acontece que não podemos capturá-los, nem importá-los ou exportá-los vivos, nem matá-los, mas é permitido que estes animais possam reproduzir-se em cativeiro e podem ser, depois, alvo de trocas entre entidades", esclareceu.

Além da proibição da troca destes cetáceos entre entidades, Laurentina Pedroso elencou como necessário "parar de imediato a reprodução destes animais em cativeiro", bem como "mudar o conceito de espetáculo que existe hoje, com muito barulho, palmas e atividades que os golfinhos nem fazem na natureza, para o conceito de exibição dos parques zoológicos, com comportamentos mais naturais".

Os golfinhos dão a ilusão ótica ao homem de que estão a sorrir, e gostamos de olhar para este animal, que parece que está sempre a rir e sempre feliz. Mas os golfinhos não riem. Um golfinho pode estar cheio de dores, a morrer, e a sua expressão facial é aquela

"Num futuro próximo, proponho estudarmos estes assuntos, para percebermos que os animais em cativeiro não sabem o que é o mar, mas que podemos introduzi-los em zonas vedadas. Com as tecnologias que temos, entre elas a inteligência artificial, drones, e GPS, podemos vê-los na natureza sem os incomodar. Mas os governos, as sociedades e a investigação têm de intervir, para o interesse económico deixar de existir", disse. É que, segundo estimativas da World Animal Project, um único golfinho em cativeiro pode gerar entre 400 mil dólares (377.824.000 euros) e 2 milhões de dólares (1.889.120.000 euros) em bilheteira anualmente.

Aliada à reprodução, há também que ter em conta que "os animais que nasceram em cativeiro só sabem nadar num tanque" que, no caso das estruturas destinadas a espetáculos, tem "400 metros quadrados e quatro a seis metros de profundidade, o que não se compara com o que podem percorrer na natureza". Em liberdade, esta espécie pode atravessar entre 40 a mais de 200 quilómetros por dia, e mergulhar a uma profundidade entre os 500 e os mil metros. Este "ser dos mares, que vive com fortes elos na sua comunidade, que sabe comunicar entre si, e que é senciente" pode, até, chegar aos 50 anos, e tem sido "mal interpretado".

"Os golfinhos dão a ilusão ótica ao homem de que estão a sorrir, e gostamos de olhar para este animal, que parece que está sempre a rir e sempre feliz. Mas os golfinhos não riem. Um golfinho pode estar cheio de dores, a morrer, e a sua expressão facial é aquela. Ao contrário dos seres humanos, os golfinhos não têm expressão facial", salientou a responsável.

"Lanço o desafio da inovação, não é o desafio de fechar portas"

Uma vez que as crias nascidas em cativeiro "não têm memória de mar", nem sabem "pescar, caçar ou mergulhar", a Provedora do Animal defendeu a criação de "um refúgio no mar, com condições próximas do natural", onde possam viver em dependência do homem, antes de serem libertados.

"Partindo do princípio de que somos todos responsáveis por termos causado este sofrimento a estes animais, temos de procurar a solução juntos. Quando digo juntos, refiro-me ao Governo, à indústria, às universidades, à investigação, à sociedade. Portugal, com tanto mar, poderia estudar este assunto, e o Governo poderia liderar este tema para criar alternativas para estes animais, sejam elas nas águas portuguesas ou em parceria com outros países da UE", considerou.

Laurentina Pedroso ressalvou, contudo, que continuará a existir espaço para os parques zoológicos, quer seja pela reabilitação de animais que, na natureza, não teriam hipótese de sobrevivência, quer pelo divertimento e pela pedagogia associados.

"Esta indústria vai ter de se repensar. Conseguimos ir a Marte e não arranjamos soluções para estes animais? Os golfinhos-roazes não estão a ser conservados, porque não estão em extinção. Mas não disse que estes parques têm razão de deixar de existir; há muito divertimento num parque com escorregas, piscinas, e outros animais. Lanço o desafio da inovação, não é o desafio de fechar portas", rematou.

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