"As discussões sobre a habitação oscilam entre ´é uma mercadoria como outra qualquer´ e obedece às leis da procura e da oferta, para um liberal radical e, do ponto de vista constitucional, para outro quadrante ideológico, a habitação é um direito", declarou o académico, doutorado em Geografia Humana e professor na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto.
Muito do desacordo político sobre o assunto, sublinhou, depende destas duas visões.
"Estamos já há muitos anos numa deriva neoliberal, sem dúvida. Onde vai a ideia do Estado social e da estabilidade financeira e organizativa do Estado social que nos garantiria a saúde, a escola, enfim, a música do Sérgio Godinho -- a paz, o pão, habitação, saúde. Há que tempos que isso não se passa assim", afirmou.
Pela complexidade dos problemas que se apresentam hoje ao país e pela diversidade das situações a que é preciso dar resposta, Álvaro Domingues disse à Lusa que não espera uma solução simples.
"Há agora esta oportunidade de ter um reforço imenso de fundos comunitários, mas nós sabemos que a produção imobiliária tem uma inércia imensa, de burocracias, de terrenos, de licenças, de projetos. É uma coisa que não tem uma resposta rápida", disse o investigador do Centro de Estudos de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Porto.
Na semana passada, a comissária europeia Elisa Ferreira considerou difícil que sejam canalizados novos fundos no imediato para o problema da habitação, admitindo que, no futuro, possa haver fundos da coesão para esse objetivo se sujeitos a visão de longo prazo.
"A habitação é um poço sem fundo. Onde vamos parar se formos financiar a habitação? Não quer dizer que não o possamos fazer, temos de trabalhar muito bem para que, sem uma lógica de fundo de reequilíbrio, não se vá gastar verbas preciosas. (...) Convém não criar um instrumento que seja água no deserto", afirmou então a comissária responsável pela área da Coesão e Reformas, durante uma entrevista promovida pelo Clube de Jornalistas, em parceria com a agência Lusa e a Escola Superior de Comunicação Social.
Confrontado com esta posição, Álvaro Domingues respondeu: "Percebo o que a Elisa Ferreira está a dizer. O Estado até no tempo da ditadura sempre investiu em habitação, só que em programas de uma forma muito pontual e muito descontinuada e pensando sobretudo nas situações mais críticas. No tempo do Estado Novo eram as barracas, o regime nem sequer queria admitir que existiam. Agora a sociologia da questão mudou muito, porque entram as tais ditas classes médias: aquele slogan que diz ´Eu tenho emprego, tenho salário, mas não tenho forma de ganhar a vida´".
"Os salários baixos envenenam tudo e depois, com juros altos, é completamente explosivo", alertou.
De acordo com o investigador, também "não há muito interesse" no tema por parte da iniciativa privada. Se estamos numa economia cada vez mais polarizada entre ricos e pobres, com o apagamento sucessivo da classe média, se um agente imobiliário tem mercado topo de gama, porque é que há de fazer o outro. É tão simples como isto!", afirmou.
Para Álvaro Domingues, trata-se de uma questão que "claramente explodiu" e que requer um maior conhecimento sobre a diversidade territorial para se adotarem medidas estruturais, que tenham impacto no fenómeno, em vez de iniciativas pontuais para "gerir a fritura mediática".
Leia Também: Políticas de habitação estiveram demasiado tempo paradas