Meteorologia

  • 25 ABRIL 2024
Tempo
18º
MIN 13º MÁX 19º

Julgamento de José Sócrates ainda longe um ano após decisão instrutória

Um ano após a decisão instrutória do juiz Ivo Rosa, o processo Operação Marquês continua longe do fim, pelo menos em relação ao ex-primeiro-ministro José Sócrates e ao empresário Carlos Santos Silva, os arguidos pronunciados que ainda aguardam julgamento.

Julgamento de José Sócrates ainda longe um ano após decisão instrutória
Notícias ao Minuto

13:06 - 08/04/22 por Lusa

País Operação Marquês

Uma sucessão de recursos das defesas e do Ministério Público (MP) marcaram o processo desde a decisão que agitou a justiça portuguesa em 09 de abril de 2021. Numa leitura transmitida pelas televisões desde o Campus da Justiça, em Lisboa, o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) desmontou a acusação, ao fazer cair 172 dos 189 crimes e levar a julgamento apenas cinco dos então 28 arguidos (19 indivíduos e nove pessoas coletivas).

Desde então, o ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, o antigo ministro Armando Vara e o motorista João Perna foram todos julgados e condenados em primeira instância, mas José Sócrates e Carlos Santos Silva, que foram pronunciados para julgamento em tribunal coletivo, permanecem sem ir a tribunal.

Eis os pontos essenciais deste imbróglio jurídico desde a decisão instrutória:

Recurso de não pronúncia

O recurso apresentado pelo MP sobre a matéria que não foi alvo de pronúncia pelo juiz Ivo Rosa para julgamento ainda nem foi admitido junto do TCIC. Segundo adiantou à Lusa fonte ligada ao processo, a razão para este atraso prende-se, sobretudo, com o conflito de competências que se verificou entre o juiz de instrução e a juíza Margarida Alves, a quem foi atribuído o julgamento do ex-primeiro-ministro e do amigo e empresário.

A juíza do Juízo Central Criminal de Lisboa defendeu que a competência de apreciar o recurso de não pronúncia cabia ao juiz de instrução, enquanto Ivo Rosa entendia que os autos deveriam passar para a juíza. Chamado a pronunciar-se sobre o conflito, o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) considerou que a competência era do juiz do TCIC.

Contudo, o advogado do antigo governante, Pedro Delille, recorreu da decisão para o Tribunal Constitucional (TC), que já rejeitou recursos e reclamações da defesa de José Sócrates, mas a decisão dos juízes ainda não desceu do TC para a Relação de Lisboa e, portanto, nem ao TCIC.

Ivo Rosa terá de admitir o recurso e conceder mais um prazo de 120 dias às defesas para se pronunciarem, sendo que uma hipotética não admissão do recurso do MP teria de ser fundamentada pelo juiz de instrução.

O que muda se for dada razão ao MP no recurso de não pronúncia?

Caso seja dada razão parcial ou total ao recurso do MP apresentado em setembro, não há consequências nos julgamentos dos arguidos pronunciados que já foram julgados e condenados: Ricardo Salgado, Armando Vara e João Perna, todos em processos autónomos.

No julgamento de Ricardo Salgado não houve impugnação e o processo segue os trâmites, decorrendo atualmente o prazo para defesa e MP apresentarem recurso da sentença de seis anos de prisão efetiva. Quanto a Armando Vara, o MP não colocou objeções ao crime que constava na pronúncia (branqueamento), pelo que tal não leva a uma anulação. Por último, nada se altera também face a João Perna, pois não houve recurso.

Em relação ao que constava na acusação do MP, que contemplava 28 arguidos e um total de 189 crimes, será o TRL decidir quem os arguidos que poderão eventualmente ir a julgamento e por que crimes.

Recurso de pronúncia

O recurso da decisão de pronúncia de José Sócrates e Carlos Santos Silva por três crimes de falsificação e três crimes de branqueamento de capitais foi admitido pela juíza Margarida Alves e já subiu em março ao TRL, onde foi distribuído à desembargadora Maria José Caçador.

Inicialmente, a juíza Margarida Alves admitia apenas o recurso relativamente aos crimes de branqueamento de capitais, por entender que na pronúncia só estes configuravam uma alteração aos factos constantes da acusação, e considerava a parte da pronúncia relativa aos crimes de falsificação de documentos "irrecorrível". Porém, em dezembro de 2021, reviu a posição e aceitou apreciar o pedido de José Sócrates de recorrer para a Relação.

De acordo com o despacho da juíza, a que a Lusa teve acesso, "as alterações factuais alegadamente efetuadas quanto ao crime de branqueamento, conjugadas com as omissões factuais relativas aos crimes de falsificação, consubstanciam um diferente enquadramento factual que poderá condicionar não só a apreciação dos recursos admitidos, como também as próprias garantias de defesa dos arguidos".

As defesas e o MP invocaram que a decisão de Ivo Rosa produziu uma alteração substancial dos factos. Caso não seja dada razão a nenhuma das partes no TRL, o processo do ex-primeiro-ministro e do empresário segue então para julgamento.

Se for dada razão ao recurso dos magistrados Rosário Teixeira e Vítor Pinto e dos arguidos José Sócrates e Carlos Santos Silva, o despacho de pronúncia do juiz de instrução nesta parte é anulado, sendo o TRL, no recurso de não pronúncia apresentado pelo MP, que definirá o que vai para julgamento e em que termos. Contudo, a matéria deste recurso haverá de ser apreciada no recurso relativo à não pronúncia.

O que caiu da acusação na decisão instrutória

Dos 189 crimes constantes da acusação original do Ministério Público (MP) sobreviveram 17 na decisão instrutória do juiz Ivo Rosa, que deixou cair todos os crimes de corrupção, a acusação mais grave que recaía sobre os arguidos, classificando, por vezes, o trabalho liderado pelo procurador Rosário Teixeira como "delirante" e uma "fantasia".

O universo de arguidos -- 19 pessoas individuais e nove empresas -- ficou reduzido ao ex-primeiro-ministro José Sócrates, ao seu amigo e empresário Carlos Santos Silva, ao ex-ministro Armando Vara, ao antigo banqueiro Ricardo Salgado e ao antigo motorista de Sócrates, João Perna.

O antigo chefe de Governo, e o primeiro ex-primeiro ministro a ir a julgamento em Portugal, foi pronunciado por três crimes de falsificação de documento e três de branqueamento de capitais, estando em causa verbas de 1,72 milhões de euros entregues por Carlos Santos Silva, o empresário e alegado testa-de-ferro, a Sócrates, e que responderá em coautoria pelos mesmos crimes.

Sócrates foi acusado pelo MP de um total de 31 crimes, incluindo crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada. Destes, só aqueles seis crimes se mantiveram.

O antigo ministro socialista e ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD) Armando Vara foi pronunciado, julgado e condenado por um crime de branqueamento de capitais, tendo sido ilibado dos restantes crimes: um de corrupção passiva de titular de cargo político, um de branqueamento de capitais e dois de fraude fiscal qualificada.

Por seu lado, o antigo presidente do BES, Ricardo Salgado, foi pronunciado por três crimes de abuso de confiança, devido a transferências de mais de 10 milhões de euros, mas foi ilibado dos dois crimes de corrupção ativa e de um de corrupção ativa de titular de cargo político.

O ex-motorista de Sócrates João Perna ficou pronunciado por detenção de arma proibida.

A decisão instrutória ilibou, entre outros, o ex-presidente da PT Henrique Granadeiro de oito crimes - corrupção passiva (um), branqueamento de capitais (dois), peculato (um), abuso de confiança (um) e fraude fiscal qualificada (três) - e Zeinal Bava, ex-presidente executivo da PT, que foi ilibado de cinco crimes: corrupção passiva (um), branqueamento de capitais (um), falsificação de documento (um) e fraude fiscal qualificada (dois).

Os julgamentos já efetuados

O antigo ministro e ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos Armando Vara foi o primeiro dos cinco arguidos pronunciados a ser julgado e condenado. A 13 de julho de 2021 o Tribunal Central Criminal de Lisboa condenou Vara a uma pena efetiva de dois anos de prisão pelo crime de branqueamento de capitais. A decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 26 de janeiro deste ano, rejeitando o recurso da defesa do antigo ministro contra a decisão em primeira instância.

Também Ricardo Salgado, o ex-banqueiro e homem forte do Grupo Espírito Santo, foi condenado a seis anos de prisão efetiva pelo Tribunal Central Criminal de Lisboa, por três crimes de abuso de confiança, tendo o juiz Francisco Henriques considerado provada a quase totalidade dos factos constantes da acusação.

O advogado de defesa, Francisco Proença de Carvalho, anunciou nesse dia um recurso da decisão que condenou Ricardo Salgado no processo em que o ex-presidente do Banco Espírito Santo revelou que lhe tinha sido atribuído um diagnóstico de doença de Alzheimer, condição que não evitou a sentença.

João Perna, então motorista do ex-primeiro-ministro José Sócrates, foi condenado a uma pena de multa pelo crime de detenção de arma proibida no tribunal do Montijo.

Efeitos do diferendo entre José Sócrates e Carlos Alexandre

Em fevereiro, o juiz desembargador Jorge Antunes, do TRL, aceitou o requerimento de abertura de instrução apresentado pela defesa de José Sócrates no âmbito da distribuição manual do processo Operação Marquês, em 2014. O juiz de instrução Carlos Alexandre e a escrivã Maria Teresa Santos foram constituídos arguidos por alegados crimes de abuso de poder, falsificação de funcionário e denegação de justiça.

O pedido de abertura de instrução de José Sócrates ocorreu depois de o MP ter arquivado o inquérito sobre esta matéria. Segundo o despacho de arquivamento, datado de 06 de dezembro de 2021, a que a agência Lusa teve acesso, a procuradora Maria Isabel Santos decidiu então arquivar o inquérito por considerar não terem sido "recolhidos indícios suficientes da verificação do crime de abuso de poder indiciado, ou outro".

Antes, também o Conselho Superior de Magistratura (CSM) havia realizado um processo de averiguações e um procedimento de inquérito que culminaram em arquivamento. No entanto, o advogado do ex-primeiro-ministro, Pedro Delille, criticou o órgão máximo de gestão e disciplina da magistratura judicial por ter admitido a violação do princípio do juiz natural.

O debate instrutório teve a primeira sessão no dia 28 de março, há outra sessão no próximo dia 22 e a decisão vai ser conhecida em 03 de maio. Contudo, mesmo no cenário de o juiz Carlos Alexandre ter de responder em julgamento e até ser condenado, tal não terá reflexos na Operação Marquês. Fonte judiciária explicou à Lusa que Ivo Rosa tinha declarado nula a distribuição, mas salvaguardou os autos, ao considerar os atos praticados como válidos.

Leia Também: Decisão instrutória demonstrou: Suspeitas contra Sócrates "eram falsas"

Recomendados para si

;
Campo obrigatório