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Maio 68: Quando as revoluções aconteceram, artistas já falavam nelas

A historiadora Raquel Henriques da Silva considera que os artistas portugueses não receberam uma influência direta dos acontecimentos do Maio de 68, mas acredita que, "quando as revoluções acontecem, os artistas já andavam a falar delas há muito tempo".

Maio 68: Quando as revoluções aconteceram, artistas já falavam nelas
Notícias ao Minuto

11:40 - 31/05/18 por Lusa

País Historiadora

Contactada pela agência Lusa a propósito da efeméride, que tem estado em foco com várias celebrações e publicações, a historiadora de arte apontou que "os artistas têm uma libertação do consciente e capacidade de sonho e de imaginação que abre muitas vezes o futuro".

"Eu não creio que tenha havido uma influência direta e facilmente identificável do Maio de 68 na arte portuguesa. O que acontece, como em muitos períodos conturbados, os artistas têm antenas e sentem as coisas antes", comentou.

O movimento de Maio de 1968, em França, tornou-se o símbolo de uma época, em que uma cultura jovem quis renovar os valores vigentes, levantando polémica pelas suas posições sobre a libertação sexual, a Guerra no Vietname, e os direitos cívicos.

Os protestos dos estudantes universitários encheram as ruas de Paris e várias palavras de ordem ficaram na memória, tais como "Sejam realistas, exijam o impossível" e "É proibido proibir".

Para Raquel Henriques da Silva, os acontecimentos de ordem social cultural e política tocam os artistas, mas de uma forma geral, "vêm antes, eles têm capacidade de apanhar com antecipação o que vai acontecer".

Recordou que toda a arte portuguesa, "entre as sugestões da pop, do Nouveau Realisme, a afirmação cada vez mais forte da performance e da instalação, tem os valores do Maio de 68: a contestação, no campo artístico, nas disciplinas tradicionais, da inovação permanente, e de uma espécie de liberdade de criar novas dramáticas que talvez desde as primeiras décadas do século não se verificavam".

Sobre os artistas portugueses ativos nessa altura, "são imensos e muito diversificados entre si", disse à Lusa.

Recorda um caso - com origem direta no Maio de 68 - que é um episódio: Uma peça do artista Pedro Morais, que foi incluída na mostra "50 Anos de Arte Portuguesa", na Fundação Calouste Gulbenkian, que, em 2007, reuniu 120 artistas nacionais e 150 peças expositivas, entre obras da coleção de arte da Fundação e documentação referente a projetos artísticos que a instituição apoiou, ao longo do tempo de existência do seu Serviço de Belas Artes.

Essa exposição foi comissariada por Raquel Henriques da Silva, Ana Ruivo e Ana Filipa Candeias.

"Essa peça de Pedro Morais é um saco de cinzas, e o artista explica, no saco, que a peça é o resultado de ele ter queimado todo o seu processo de bolseiro da Gulbenkian, em Paris, protestando contra o facto de a bolsa lhe ter sido retirada", na sequência dos incidentes que ocorreram na Casa de Portugal, na capital francesa, que era mantida pela Gulbenkian.

Para a historiadora, este é um caso de influência direta, mas "há também casos de não influência, relevantes".

Nesta linha, falou numa peça "extraordinária" do artista José de Guimarães, agora incluída na mostra "Pós Pop - Fora do Lugar Comum", também na Gulbenkian, que se chama "Memórias de Família", uma instalação com uma série de caixotes, pintados com letras e números, "que já definem muito toda a estética do artista".

"Esta peça é datada de 1969, e foi feita em Luanda. Tinha o José de Guimarães menos de 30 anos, e era militar do exército português. Fez em Luanda uma das exposições mais radicais e inovadoras que se fizeram em Portugal nessa altura", salientou a especialista em arte, nas declarações à Lusa.

José de Guimarães, "antes de ir para Angola, já tinha viajado, lia os jornais provavelmente, em Luanda, e a peça tem os valores de uma reflexão muito importante para ele sobre a arte negra, a definição da sua estética, numa linha de certo modo de anti-arte".

Raquel Henriques da Silva deu ainda como exemplo Lourdes Castro, entre os artistas "visionários", por ter feito a revista KWY - "que vem de antes e atravessa este período". Da mesma forma, cita Eduardo Batarda, "que estava em Londres a fazer pinturas em aguarela, que são uma espécie de banda desenhada muito violenta".

Por outro lado, "o clima para aquilo que vai ser a 'Alternativa Zero' [mostra coletiva sobre as tendências na arte portuguesa contemporânea] está a ser construído por Ernesto de Sousa", e Nikias Skapinakis "começa a fazer a série 'Caminhos da Liberdade', que são uma das manifestações mais poderosas da afirmação do feminino" na arte.

"Não houve uma influência direta [do Maio de 68], mas há um clima, um contexto" presentes, na arte portuguesa, conclui a historiadora.

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