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O 'efeito Weinstein' escancarou a porta entreaberta do assédio sexual

E agora que foi aberta a porta atrás da qual se escondiam tantos casos de assédio sexual, percebemos que há ainda histórias por descobrir.

O 'efeito Weinstein' escancarou a porta entreaberta do assédio sexual
Notícias ao Minuto

08:30 - 29/10/17 por Pedro Filipe Pina

Mundo Fenómeno

Primeiro o The New Times e logo de seguida a New Yorker. Com duas longas peças a documentar dezenas de episódios de assédio, o segredo que não era segredo algum para meia-Hollywood começou a chegar ao grande público. E, com ele, o império de Harvey Weinstein começou a ruir.

O produtor acabou afastado da Weinstein Company, empresa que fundara e que nas últimas décadas se tornou responsável por vários filmes premiados nos Óscares da Academia.

A mesma Academia que tantas vezes o premiou acabou por expulsá-lo. E a mesma Hollywood onde o seu poder se fez sentir acabou a expô-lo à medida que atrizes como Gwyneth Paltrow, Angelina Jolie, Asia Argento, ou Lupita Nyong'o vieram a público contar as suas histórias. Mas esta era apenas a primeira parte de um fenómeno muito maior, que já é conhecido como o 'efeito Weinstein'.

O escândalo varreu Hollywood e chamou a atenção. Entre as várias reações, Oprah Winfrey, que no passado já falara do abuso sexual de que fora vítima, ainda com nove anos de idade, foi profética ao dizer que “toda a gente tem uma história”.

“Se fizermos com que isto seja só sobre Harvey Weinstein, então teremos perdido a oportunidade”, afirmou. Mas a oportunidade não parece ter sido perdida.

Atrás da porta entreaberta acumulavam-se histórias de mulheres (e também de homens, como a do ator Terry Crews). O mundo já sabia das suspeitas de décadas sobre Bill Cosby e tinha ouvido a polémica gravação de Donald Trump e o seu "grab them by the pussy", Mas desta vez foi diferente. E, no espaço de semanas, a mesma porta entreaberta que escondia os casos de assédio sexual acabou escancarada.

Nas redes sociais começou a circular uma hashtag, #MeToo ("Eu também"), que dava o mote para que outras pessoas revelassem episódios de assédio sexual de que tivessem sido vítimas no passado.

Havia muito mais 'Harvey Weinstein' por descobrir

No Twitter, a autora Anne T. Donahue foi uma das que aproveitou o mote e contou a sua história de insistentes e rejeitadas tentativas de massagens do seu patrão quando era estudante e estagiária numa rádio, tinha na altura 17 anos.

"Quando conheceram o vosso Harvey Weinstein? Eu começo". Foi desta maneira que lançou a questão, no dia em que o New York Times revelou as histórias do passado do produtor de Hollywood. As respostas chegaram-lhe em catadupa, com centenas e centenas de mulheres a contar casos de assédio sexual, nos mais diversos empregos, nos mais diversos setores.

Entretanto, o Los Angeles Times revelou que mais de 30 mulheres contaram episódios de assédio por parte do realizador James Toback. O realizador abordava jovens nas ruas e oferecia-lhes a hipótese de chegarem a Hollywood e falava-lhes de filmes em que tinha tido sucesso. Os alegados abusos aconteciam num posterior casting com a aspirante a atriz.

A mesma história foi contada por várias mulheres, sempre com a mesma 'deixa' por parte de James Toback. E a 'deixa' repetia-se, mesmo quando não funcionava. Julianne Moore revelou, entretanto, que foi abordada desta mesma maneira ainda nos anos 80, muito antes de vencer o seu Óscar de melhor atriz e de ser a atriz conhecida que é hoje em dia.

Toback tentou uma vez, na rua, e foi rejeitado. Um mês depois voltou a encontrar a atriz por acaso e tentou mais uma vez. "Não te lembras que já tentaste isto antes", ter-lhe-á perguntado a atriz, que juntou a sua voz à de muitas outras: e são já mais de 200 que acusam agora o realizador.

Notícias ao MinutoCentenas de mulheres acusam o realizador© Getty Images

É cada vez mais claro que Hollywood, a 'Meca' do cinema, está longe de ser a única indústria onde os abusos acontecem.

Há mais assédio para lá de Hollywood

Eis uma amostra do que tem acontecido e vindo a público desde que o escândalo de Harvey Weinstein viu a luz do dia:

Leon Wieseltier, em tempos editor da New Republic e intelectual com estatuto em Nova Iorque e Los Angeles, ia ser diretor de uma nova revista de cultura. Ia. Mas o 'efeito Weinstein' já se fez sentir.

Tal como Weinstein, no meio onde circulava o seu comportamento já era comentado em surdina. De repente, passou também a ser assunto público. Leon acabou afastado do projeto que ia gerir. E admitiu sentir-se "envergonhado" por saber que fez algumas das mulheres com quem trabalhou "sentirem-se diminuídas e desrespeitadas".

Chris Savino, figura de um programa no canal Nickelodeon, foi afastado após alegações sobre casos de assédio sexual terem sido revelados.

Terry Richardson, fotógrafo para as mais prestigiadas revistas, viu a sua carteira de contactos começar a evaporar-se, com várias publicações a garantir que não voltarão a trabalhar com ele. Mais uma vez, Terry Richardson tinha atrás de si anos de histórias, incluindo algumas críticas que eram de conhecimento público. Foi agora que foi afastado.

Notícias ao Minuto Terry Richardson, polémico e conhecido fotógrafo © Getty Images

Isa Hackett denunciou um episódio de assédio sofrido em 2015 na Amazon. A denúncia levou ao afastamento de um colega, o executivo Roy Price. A denúncia tinha sido feita ainda em agosto deste ano. Mas foi só após o caso de Harvey Weinstein que a Amazon deu a conhecer a sua decisão.

No reino da Fox News as polémicas foram pesadas para a carteira da cadeia televisiva. Primeiro foi o CEO Roger Aisles. As primeiras acusações surgiram em 2014. Aisles negou sempre. Mas suspeitas perseguiram-no até ao fim de vida, em maio deste ano. Entretanto, as atenções já estavam a passar para Bill O’Reilly, pivot veterano do canal. O’Reilly tem negado as diferentes acusações. Mas chamou a atenção o valor pago em acordos extra-judiciais, na sequência de alegados casos de assédio sexual: 32 milhões de dólares.

Mas não se pense que o fenómeno ficou circunscrito aos Estados Unidos. Leticia Dolera, atriz, guionista e realizadora espanhola, revelou também na primeira pessoa, numa carta publicada pelo El Diario, os abusos de que foi alvo ao longo dos anos. Tinha 18 anos quando um realizador lhe apalpou o seio repetidamente. "Não me podes tocar", disse-lhe várias vezes. "Sim, posso", ter-lhe-á respondido. 

Também a cantora islandesa Björk acusou o premiado realizador dinamarquês Lars Von Trier de assédio sexual, acusação que próprio se apressou a desmentir: "Isso não aconteceu".

Desenterrar o passado 

Nas caixas de comentário, em inglês mas também em meios de comunicação portugueses, há quem aponte o dedo a quem tenha vindo a público contar as suas histórias, anos depois de terem acontecido.

Em Hollywood, com Weinstein, os relatos mostram que parece ter vigorado um medo genérico, alimentado pelo silêncio coletivo. Weinstein tinha assistentes que lhe marcavam as reuniões com atrizes e intimidavam quem o rejeitava: ou mantinham o silêncio, ou poderiam nunca vir a ter direito a uma carreira na Hollywood que ele dominava.

Talvez seja mais estranho imaginar que algumas destas mulheres são atrizes de renome, premiadas, ricas, independentes. E que mesmo assim se mantiveram em silêncio durante tantos anos.

Ao portal Mic, Ted Rutherford, dirigente de uma associação do Texas contra o assédio sexual, admitiu que “não estava surpreendido” com a força deste ‘efeito Weinstein’. E deu também uma explicação para o caso.

"Quando sobreviventes se chegam à frente e contam aquilo por que passaram, as suas histórias servem de permissão para que outros sobreviventes façam o mesmo". A reação mediática e o facto de vários casos estarem a ter consequências, com investigações criminais abertas e afastamento de cargos parecem provar a ideia de que "há segurança nos números", explica.

O 'efeito Weinstein' continua a fazer-se sentir. Falta agora ver até onde irá, já que o que perpassa de tudo isto é que não estamos apenas perante casos isolados, mas sim perante um fenómeno cultural em que pessoas de poder usam esse mesmo poder de forma não só abusiva, como ilegal.

Mudar algo desta envergadura não poderá ser feito com apenas um caso. Ainda assim, caso a caso, há esta porta que se escancarou e que convida a que entremos se queremos contrariar o fenómeno. Mas ao entrarmos é provável que ainda nos deparemos com outro desafio: há muito ainda por descobrir. E resolver.

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