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Bósnia-Herzegovina permanece o "Estado mais disfuncional" da Europa

A Bósnia-Herzegovina permanece "o Estado mais disfuncional da Europa" quando se celebram os 25 anos do início da guerra civil (1992-1995), concluída com a assinatura dos acordos de Dayton ainda em vigor, disse à Lusa um historiador balcânico.

Bósnia-Herzegovina permanece o "Estado mais disfuncional" da Europa
Notícias ao Minuto

08:24 - 04/04/17 por Lusa

Mundo Historiador

"A Bósnia-Herzegovina é provavelmente hoje o país mais disfuncional da Europa. Muitos países europeus são Estados falhados em diversos níveis, mas nenhum país é um Estado tão falhado como a Bósnia", considerou Tvrtko Jakovina, 44 anos, professor de História do Mundo do século XX na Faculdade de Humanidades e Ciências Sociais da universidade de Zagreb, em declarações por telefone à Lusa.

Na quinta-feira assinalam-se os 25 anos do início "oficial" da guerra civil na ex-república jugoslava, que se prolongou entre abril de 1992 e novembro de 1995, com um balanço de 100.000 mortos e cerca de dois milhões de refugiados.

Na sequência dos acordos de Dayton, a Bósnia foi dividida em duas entidades (Federação bósnia, 52% do território que integra croatas e muçulmanos, e a República Srpska, RS, a entidade sérvia), com poderes reforçados, um frágil governo central e uma presidência tripartida. Foi ainda designado um alto representante internacional responsável pela aplicação de um acordo que tem revelado muitas contradições, e instalada uma força militar da NATO, depois assumida pela União Europeia (UE).

"A Bósnia não funciona a vários níveis, e infelizmente parece que os mecanismos que impuseram a paz, como os acordos de Dayton e outros, se revelaram problemáticos e criaram uma situação impossível na Bósnia, como demasiados ministérios, diversos níveis de governo...", assinala o académico croata.

"Os três povos constituintes da Bósnia [bosníacos muçulmanos, sérvios e croatas] parecem não revelar total capacidade para gerir o que deviam. Mas penso que a Bósnia devia ser ajudada, melhorada e preservada tal como existe hoje. Não vejo outra opção para a Bósnia".

Desde 1995, quando regressou a paz, que esta república da ex-jugoslava tem assistido a uma crescente degradação do nível de vida das suas populações, crescentes impasses políticos e uma "catástrofe demográfica", com a emigração em massa da sua população jovem.

"É uma catástrofe total, sobretudo para as gerações mais jovens. É impossível ter um Estado disfuncional durante 25 anos. Isso significa que não existem jovens bósnios com uma ideia daquilo que o Estado devia fazer por eles. Assim, ninguém confiará na Bósnia, na sua viabilidade", assegura.

"A situação piora eleição após eleição, mas nada muda. Permanecem os mesmos partidos, os mesmos líderes, as mesmas ideias e propostas. Não funciona, está provado que não funciona. Cada nacionalidade apenas se reconhece no seu paradigma, no seu paradigma nacional", frisa ainda Tvrtko Jakovina, com trabalhos de investigação que incidem na História do século XX, incluindo na região dos Balcãs.

"Se uma nação cede nem que seja um pouco da sua soberania, torna-se de imediato numa vantagem para a outra nação. E desta forma como que se chantageiam os eleitores. Votam sempre nas mesmas cartas, jogam sempre as mesmas cartas, porque parece que todas as outras cartas são mais fracas, e não funcionam".

Em 29 fevereiro e 01 de março de 1992, as lideranças nacionalistas de muçulmanos e croatas bósnios convocaram um referendo, boicotado pelo partido nacionalista dos sérvios bósnios, que aprovou a declaração de independência por mais de 99%, mas com uma taxa de participação de 63,4%, não obtendo a necessária maioria de dois terços prevista na Constituição.

No entanto, o líder muçulmano Alija Izetbegovic proclamou a independência a 03 de março de 1992, e a 06 de abril os Estados Unidos e a então Comunidade Económica Europeia (CEE) reconheceram a Bósnia-Herzgovina como Estado independente. E a guerra instalou-se, assinalada por limpezas étnicas, massacres, deslocações forçadas de populações, e por fim três entidades legitimadas internacionalmente mas na prática etnicamente "purificadas".

"Apesar dos problemas da Constituição, de diferentes nacionalidades, com uma boa governação, uma boa gestão, poderiam ser melhoradas certas coisas a nível local. Mas não vemos isso, há muitas formas de como se pode tentar melhorar a situação, mas não vemos isso", lamenta o académico.

Em 2014, grandes protestos ocorreram em diversas regiões da ex-república jugoslava, uma revolta por vezes violência contra o desemprego, privatizações em larga escala, corrupção. Mas pouco mudou, numa situação de impasse que na prática se arrasta desde 1995.

A adesão da Croácia à UE em 2013, ou os atuais processos de adesão da Sérvia e do Montenegro também não serviam de estímulo para o país, atendendo aos fracos resultados da adesão croata, ou à atual crise interna da União.

Em paralelo, a criação em 1993 do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia [TPIJ, uma estrutura judicial 'ad hoc' da ONU destinada a julgar os crimes de guerra] também se revelou problemática.

"Não creio que o TPIJ tenha desempenhado uma função positiva", argumenta Tvrtko Jakovina.

"Penso que este tribunal internacional foi uma boa ideia, mas em simultâneo não tenho a certeza que tenha sido organizado e dirigido da forma mais eficiente, e nesse sentido não atingiram os seus objetivos. Foi uma oportunidade perdida para a região".

"Que fazer?", questiona-se o professor universitário, antes de recordar uma proposta "que não é realista, que não vai acontecer", emitida recentemente pelo economista croata bósnio Jarko Primoratz, que vive em Zagreb, mas com algum sentido.

"Em 1984 Sarajevo recebeu os Jogos Olímpicos de Inverno. Este economista propôs que fossem realizados novos Jogos Olímpicos em Sarajevo, digamos dentro de 15 anos, com a Sérvia e a Croácia a colaborarem em conjunto com os bósnios. Para que os três países se entreajudassem, por exemplo na construção de infraestruturas, e fornecessem uma esperança", revelou.

"Uma iniciativa com um horizonte, não seria dentro de 50 ou 100 anos, mas de 15 anos. Dar algo de concreto a estes três países para colaborarem em conjunto...", prognosticou.

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