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"Nos discursos toda a gente defende as regiões. Na prática não acontece"

O líder da COTER, Vasco Alves Cordeiro, assumiu, em entrevista ao Notícias ao Minuto, que "nos discursos toda a gente defende as regiões [e] as cidades [...] mas, na prática, não é isso que acontece", a propósito da 23.ª edição da Semana Europeia das Regiões e dos Municípios, em Bruxelas.

"Nos discursos toda a gente defende as regiões. Na prática não acontece"

© European Union / Octavian Carare

Daniela Filipe
15/10/2025 08:20 ‧ há 6 horas por Daniela Filipe

O líder da Comissão da Política de Coesão Territorial e Orçamento da União Europeia (COTER), Vasco Alves Cordeiro, tem sido um fervoroso crítico da proposta do Quadro Financeiro Plurianual (QFP) da União Europeia (UE), apresentada em julho passado pela Comissão Europeia. Se, por um lado, o antigo presidente do Comité Europeu das Regiões assumiu haver necessidade de simplificar o orçamento, por outro considerou que a "centralização do poder de decisão" conduzirá a uma alienação da "participação dos poderes subnacionais, ou seja, das regiões e das cidades por toda a Europa" no processo de governação.

 

Nessa linha, o antigo presidente do Governo Regional dos Açores denunciou, em entrevista ao Notícias ao Minuto - à margem da 23.ª edição da Semana Europeia das Regiões e dos Municípios, que decorre entre os dias 13 e 15 de outubro, em Bruxelas - que "nos discursos toda a gente defende as regiões [e] as cidades [...] mas, na prática, não é isso que acontece"

Vasco Alves Cordeiro defendeu, assim, que o "futuro da política de coesão só pode ser o de ajudar a construir uma Europa forte do ponto de vista territorial, do ponto de vista económico e do ponto de vista social", uma vez que "é este o sentido da coesão, é este o sentido da união a que conduz a coesão".

A sensação com que se fica é que há o entendimento de que não é conciliável a ideia da simplificação com a participação das regiões, que não é conciliável a ideia da flexibilização com a salvaguarda dos interesses e das necessidades de participação das regiões. Disso discordamos claramente

Já confidenciou, noutras ocasiões, estar preocupado com a proposta do próximo Quadro Financeiro Plurianual da UE, e fê-lo novamente na sessão de abertura da 23.ª edição da Semana Europeia das Regiões e dos Municípios. Concretamente, o que é que o preocupa?

Bom, há duas razões que causam apreensão na proposta do QFP apresentada pela presidente da Comissão Europeia, em julho passado. Há uma parte relativa aos quantitativos, aos montantes, e há uma parte relativa às regras do procedimento, as regras de governação, digamos assim. Relativamente às regras de governação, aquilo que se assiste é a uma centralização do poder de decisão, de gestão, quanto ao próximo orçamento plurianual, quer ao nível da Comissão Europeia, quer ao nível dos governos nacionais, esquecendo e alienando completamente aquela que era a participação dos poderes subnacionais, ou seja, das regiões e das cidades por toda a Europa. E isso é um motivo de preocupação porquê? Bom, porque, em primeiro lugar, elimina, ou, dito de forma mais rigorosa, deixa de ter como ponto de referência para analisar o impacto, o planeamento, a dimensão territorial ao nível de municípios e de cidades. Ou melhor, deixa de ter essa garantia como requisito, porque, naturalmente, haverá governos nacionais que o farão, mas também poderá haver governos nacionais que não o farão. Isso conduzirá a uma fragmentação daquilo que parece ser a necessidade de ter alguma uniformidade em relação a estas matérias.

Há também o grave inconveniente de deixar na mão dos governos nacionais a participação ou a não participação das regiões. A proposta do QFP é muito enformada pela ideia da simplificação, da desburocratização – isso não é algo que seja contestado. Aliás, o Comité das Regiões foi a primeira das instituições a dizer que é preciso rever, é preciso melhorar, é preciso aperfeiçoar a política de coesão. Agora, aquilo que nós entendemos é que essa simplificação, essa desburocratização não pode significar alienar essa componente, porque prende-se com a ligação dos cidadãos ao projeto europeu. A ligação dos cidadãos ao projeto europeu também se traduz muito naquela que é a perceção clara que eles têm de uma intervenção apoiada pela União Europeia ao nível das suas cidades, ao nível dos seus municípios, ao nível das suas regiões. Parece-me que isso corre sérios riscos de se perder, de não ter uma abordagem uniforme em relação à salvaguarda dessa participação a nível europeu. Portanto, do ponto de vista das regras de governação, estamos sobretudo nesse nível e essas são as razões que nos causam preocupações na proposta do QFP.

A sensação com que se fica é que há o entendimento de que não é conciliável a ideia da simplificação com a participação das regiões, que não é conciliável a ideia da flexibilização com a salvaguarda dos interesses e das necessidades de participação das regiões. Disso discordamos claramente, achamos que é possível salvaguardar isso e que é possível acautelá-lo.

Na parte dos quantitativos, aquilo que se nota é que, se descontarmos à proposta de orçamento o peso percentual do montante necessário para o pagamento das verbas que a União Europeia foi buscar aos mercados financeiros, por causa do NextGenerationEU, temos praticamente um plano igual àquilo que foi o de 2021-2026, ou 2021-2027. A agravante é que, neste momento, as solicitações são muito maiores. Na defesa, são solicitações no âmbito da segurança. Ninguém contesta a utilidade e a importância. Agora, parece-nos é que faz falta uma abordagem mais ousada num caminho que permitiria salvaguardar essas matérias e, sobretudo, ao nível dos recursos próprios, ao nível das contribuições do Estado, teria alguma possibilidade de trazer mais realismo para essa proposta.

Mencionou, na sua intervenção na sessão de abertura, que é necessário "mostrar com ações e não apenas com palavras que apoiamos aquilo em que acreditamos", a propósito dos discursos anteriores.

Sim, [o uso dessa] expressão em inglês [‘Put your money where your mouth is’, no original] prende-se com uma circunstância muito clara. É que nos discursos toda a gente defende as regiões, toda a gente defende as cidades, toda a gente toma partido das regiões. Mas, na prática, não é isso que acontece. A expressão foi, no fundo, para salientar a necessidade de fazer corresponder os nossos atos, as decisões, àquilo que se proclama.

Era precisamente isso que ia perguntar, porque quem ouvisse aqueles discursos ficaria com a impressão de que há uma total sintonia entre todas as instituições, e não é isso que está a acontecer. 

Não, não é isso que está a acontecer. Aliás, o próprio Parlamento Europeu já alertou por diversas vezes para esta questão. O Comité das Regiões e diversas associações de cooperação regional na Europa também têm alertado para isso.

Se passarmos a ter uma União Europeia, ou um orçamento da União Europeia, que é gerido, em primeiro lugar, consoante as ideias de cada um dos 27 governos dos Estados Membros, se tivermos um orçamento em que um governo pode livremente decidir concentrar-se nas zonas mais populosas e de maior dimensão, esquecendo fenómenos como a desertificação, a consequência parece-me óbvia

Diria que houve uma simplificação a mais?

Não, eu diria que o problema não está na simplificação. O problema está nesse processo de simplificação, entendê-lo como obrigando-o a afastar o nível de poder subnacional. É disso que se discorda, é isso que está em causa, é isso que está mal.

Porque é que acha que houve um “sigilo injustificado”, nas palavras da presidente do Comité Europeu das Regiões, quanto à proposta de orçamento?

A fazer fé naquilo que são reportes públicos da altura da elaboração da proposta, houve uma concentração de informação ao nível da presidência da Comissão Europeia que não favorece a colegialidade da decisão, que não favorece a salvaguarda e o ter em atenção a multiplicidade de aspetos que uma proposta deste tipo deveria ter. E como é que se garantia? Ao contrário daquilo que foram reportes públicos, – e estou a tomar como referência apenas isso –, implicaria partilhar com os diversos comissários um panorama global do orçamento e não gerir e restringir a informação. Isso a fazer fé, obviamente, naquilo que foram as notícias que saíram em relação a essa altura.

Na reunião da COTER de 7 de outubro, disse que, se as regiões e os municípios forem excluídos do plano de tomada de decisão, “o QFP amputaria a UE da sua dimensão regional e local”. Que impacto é que isso teria também na confiança das pessoas, uma vez que é, por si só, difícil captar a atenção das comunidades para os assuntos europeus?

Ora aí está. Se passarmos a ter uma União Europeia, ou um orçamento da União Europeia, que é gerido, em primeiro lugar, consoante as ideias de cada um dos 27 governos dos Estados Membros, se tivermos um orçamento em que um governo pode livremente decidir concentrar-se nas zonas mais populosas e de maior dimensão, esquecendo fenómenos como a desertificação, a consequência parece-me óbvia, ou pelo menos o receio dessa consequência parece-me justificado. [Há o risco de as populações pensaram que], se até aqui a União Europeia era parte do esforço de as fazer sentir integrantes de um todo, por que razão é que foram deixados naquela situação?

No caso dos Açores e da Madeira, e apesar das garantias que são salientadas quanto às regiões ultraperiféricas, [as ilhas] obviamente que estariam muito mais sujeitas àquele que fosse o entendimento de um Governo central do que àquele que fosse um entendimento a nível europeu quanto à sua participação

Claro. Como a presidente Katta Tüttő referiu, também na sessão de abertura, dá azo a fenómenos de populismo, de falta de democracia...

Potencia muito esse tipo de fenómenos, sim.

No caso de Portugal e das regiões autónomas, em que ponto é que ficaríamos se esta proposta avançasse como está agora?

Um conjunto de decisões que, neste momento, os governos regionais tomam em parceria com a União Europeia passariam a ser tomadas pelo Governo da República. Decisões que são tomadas em parceria, por exemplo, com os municípios ou com as comissões de coordenação e desenvolvimento, passariam a ser tomadas unicamente pelo Governo central. Acho que isso é negativo; é negativo enquanto modelo de funcionamento.

Portanto, as ilhas deixariam de ter a sua autonomia?

Sou, talvez, um bocadinho mais modesto na conclusão. Mas, no caso dos Açores e da Madeira, e apesar das garantias que são salientadas quanto às regiões ultraperiféricas, [as ilhas] obviamente que estariam muito mais sujeitas àquele que fosse o entendimento de um Governo central do que àquele que fosse um entendimento a nível europeu quanto à sua participação.

Sari Rautio está encarregada do parecer da COTER sobre a proposta, que será votado em dezembro. O que é que pode destacar ou o que é que considera que não pode ficar de parte?

Exatamente estas questões que acabámos de falar. E, aliás, penso que a presidente Sari Rautio está muito consciente disso. As posições que o Comité das Regiões tem tomado sobre esta matéria – e, recordo, foi das primeiras instituições europeias, se não mesmo a primeira instituição europeia, a pronunciar-se sobre aquilo que deveria ser a política de coesão no pós-2027 – têm tido o larguíssimo apoio das famílias políticas. São aspetos que, naturalmente, deverão estar em conta ou presentes.

Quais são, então, as prioridades e o futuro da política de coesão?

Acho que o futuro da política de coesão só pode ser o de ajudar a construir uma Europa forte do ponto de vista territorial, do ponto de vista económico e do ponto de vista social. É este o sentido da coesão, é este o sentido da união a que conduz a coesão. Não fazê-lo é pôr em perigo essa mesma união.

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