Ainda com as eleições autárquicas portuguesas a pairar, a presidente do Comité Europeu das Regiões, Kata Tüttő, alertou, esta segunda-feira, que a proposta do Quadro Financeiro Plurianual (QFP) da União Europeia (UE) forçará as comunidades locais a integrar uma espécie de "Jogos da Fome", numa referência à série planetária da autoria de Suzanne Collins, já que "algumas [regiões] terão competitividade e outras não".
"O mundo está mais caótico do que nunca. […] O nosso papel é focar a nossa atenção no interior. É verdade que a UE tem de ser reforçada pelo exterior, mas também é verdade que tem de ser reforçada pelo interior, e esse é o nosso papel", começou por dizer Kata Tüttő, na sessão da abertura da 23.ª edição da Semana Europeia das Regiões e dos Municípios, que decorre entre os dias 13 e 15 de outubro, em Bruxelas.
A presidente do Comité Europeu das Regiões sustentou que "a subsidiariedade [assenta], antes de mais, numa responsabilidade partilhada", pelo que tem raízes "no indivíduo e expande-se". Contudo, na ótica de Kata Tüttő, encontramo-nos perante "uma crise de energia", não só no sentido literal, como metafórico.
"Temos uma crise de energia social, que se manifesta em polarização, em desconexão, [no enfraquecimento] da democracia", lamentou.
E frisou: "Se desviarmos dinheiro da política de coesão, que apoia a inovação local, alguns terão competitividade, outros não. [...] Não se trata de um fundo de caridade. Esta é a política que ajuda a manter a Europa forte a partir de dentro. Com a proposta de orçamento da UE, existe uma ameaça que obriga as regiões a entrarem nuns 'Jogos da Fome'. É hora de intensificar a política de coesão."
"Simplificação não pode significar excluir as cidades e as regiões do próximo QFP"
O líder da Comissão da Política de Coesão Territorial e Orçamento da União Europeia (COTER), Vasco Alves Cordeiro, fez ecoar esta posição, durante o painel ‘Coesão e crescimento para o futuro’, tendo, inclusive, apontado que há "a impressão de que existe uma oposição entre a política de coesão e o crescimento".
"Não existe tal coisa. A coesão implica crescimento, a coesão implica competitividade. A competitividade por si só não garante a coesão. [Precisamos] de conciliar estas duas ideias", sublinhou.
O antigo presidente do Comité das Regiões apontou, nessa linha, que "a simplificação não pode significar excluir as cidades e as regiões do próximo QFP".
"Se queremos uma Europa sustentável, competitiva e duradoura, precisamos das pessoas. Não podemos esquecer as comunidades", apelou.
O ex-presidente do Governo Regional dos Açores saudou ainda a presença do vice-presidente executivo da Comissão Europeia para Coesão e Reformas, Raffaele Fitto, tendo atirado, a propósito das intervenções anteriores, que é necessário "mostrar com ações e não apenas com palavras que apoiamos aquilo em que acreditamos".
Isto porque, durante o seu discurso, Fitto defendeu que "a Europa precisa de uma política de coesão, que deve continuar a proporcionar soluções adaptadas a cada região".
"O objetivo é tornar o QFP mais flexível e simples; existe uma clara ênfase na coesão", acrescentou, assegurando que as comunidades locais "continuarão a desempenhar um papel crucial nas decisões".
"A coesão continuará a ser orientada pelos mesmos princípios de antes", assegura von der Leyen
A sessão de abertura do evento contou também com uma mensagem da própria presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que considerou que os responsáveis a nível local e regional são "o elo vital entre a Europa e os seus cidadãos, a espinha dorsal das democracias".
"As comunidades precisam de regiões e de cidades prósperas. Para isso, a política de coesão é a nossa ferramenta mais eficaz. No nosso próximo orçamento, a coesão está no centro dos novos planos de parceria a nível nacional e regional, que serão desenhados e implementados em consulta convosco", disse.
A líder do executivo comunitário reforçou, assim, que "a coesão continuará a ser orientada pelos mesmos princípios de antes", uma vez que a Comissão Europeia pretende "garantir que cada cêntimo chega às regiões que mais precisam".
"O vosso trabalho e a vossa presença recorda-nos que a Europa não é Bruxelas"
Em tom de brincadeira, a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, assumiu que as negociações sobre o orçamento a longo prazo da UE serão "uma tarefa muito mais difícil" do que no passado, face à apreensão da centralização dos fundos de coesão, que ditará, na prática, um afastamento das autoridades locais e regionais.
"Neste hemiciclo, as palavras 'Moldar o amanhã, juntos' não são apenas um slogan. É isto que fazemos todos os dias, na tentativa de construir uma Europa mais ambiciosa, coesa e local, porque a Europa começa sempre nas nossas regiões. O vosso trabalho e a vossa presença recorda-nos que a Europa não é Bruxelas", disse.
A responsável acrescentou que a política de coesão "é fundamental" na missão de tornar "a vida dos cidadãos um pouco mais fácil e mais próspera", além de ser "uma das conquistas mais notáveis da UE".
"Mostra, em termos práticos, como é que a Europa se une para assegurar que cada região e que cada cidadão pode usufruir dos benefícios de um crescimento sustentável e de progresso social", disse, agradecendo a Fitto pelo seu papel.
Metsola ressalvou que o Parlamento Europeu, "enquanto autoridade orçamental, será um parceiro firme e confiável" nas negociações, porque, "em poucas palavras, a política de coesão une-nos".
Recorde-se que a proposta do QFP contempla 16 programas, ao invés de 52, dividindo-se em 865 mil milhões de euros no que toca aos planos de parceria nacional e regional – onde se incluem os fundos estruturais agrícolas e de coesão – e em 410 mil milhões de euros para o Fundo Europeu para a Competitividade.
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