Algumas das medidas anunciadas em menos de 30 dias poderão desafiar as normas democráticas, testam os limites do poder presidencial e levantam dúvidas sobre o futuro da aliança transatlântica, lançando a questão de saber se Trump conseguirá aplicar a sua agenda e se as instituições serão capazes de conter eventuais excessos.
Desde a tomada de posse, em 20 de janeiro, Trump prometeu mudanças radicais e revelou uma determinação inabalável em implementar a sua agenda, muitas vezes ignorando os limites tradicionais dos poderes presidenciais.
Logo no primeiro dia de mandato, o Presidente reverteu 78 ordens executivas do seu antecessor, Joe Biden.
Nos dias seguintes, ordenou o encerramento de programas de inclusão e diversidade no Governo, ameaçou a Rússia com novas sanções e sugeriu realocar palestinianos de Gaza na Jordânia e no Egito, insistindo que os Estados Unidos deveriam comprar a Gronelândia, retomar o controlo do Canal do Panamá e tornar o Canadá o 51º estado norte-americano.
Estas ações, combinadas com a demissão de inspetores-gerais que supervisionavam agências federais e a restauração de políticas antiaborto, revelaram uma abordagem radicalmente diferente daquela a que Washington estava habituada, mesmo depois da sua primeira passagem pela Casa Branca.
Contudo, a postura de Trump não se limitou a mudanças de políticas: o Presidente pareceu determinado a testar os limites da sua autoridade, desafiando abertamente as instituições e normas democráticas.
Trump decidiu reescrever a 14.ª Emenda da Constituição para negar a cidadania automática a crianças nascidas nos Estados Unidos; usou o poder do perdão presidencial para anular as condenações de cerca de 1600 apoiantes envolvidos na invasão do Capitólio e ameaçou cortar a ajuda federal às chamadas "cidades santuário" que abrigassem imigrantes ilegais.
Rapidamente, as ações de Trump geraram alarme e confusão entre os líderes europeus.
Uma viagem de representantes do novo Governo de Trump à Europa deixou claro que os Estados Unidos estavam a planear focar a sua atenção noutras regiões, como a Ásia e a América Latina, levantando dúvidas sobre o compromisso norte-americano com a segurança europeia.
O Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, expressou o seu receio de que Trump pudesse chegar a acordos com Vladimir Putin que comprometessem a integridade territorial da Ucrânia.
"A Ucrânia nunca aceitará acordos feitos pelas nossas costas", assegurou Zelensky, defendendo a criação de um "exército da Europa" como alternativa à NATO.
Ao mesmo tempo, a ameaça de Trump de retirar tropas norte-americanas da Europa (embora não corroborada pelo secretário de Defesa, Pete Hegseth) e a sua postura favorável a Putin intensificaram as tensões dentro da NATO, levando alguns a questionar se os Estados Unidos continuariam a honrar os seus compromissos de defesa coletiva.
A política comercial de Trump também gerou apreensão em todo o mundo.
A ameaça de impor tarifas a uma vasta gama de produtos importados, incluindo tarifas recíprocas baseadas nas taxas que outros países cobram aos Estados Unidos, levantou o espetro de guerras comerciais e de uma rutura do sistema de comércio global.
O Presidente ameaçou impor tarifas sobre bens do Canadá e do México, além de aumentar as tarifas sobre produtos chineses, que para já estão suspensas temporariamente, mas que levaram a UE, a China, o Canadá e o México a prepararem listas de retaliação.
Uma questão central que emergiu neste primeiro mês prende-se com a dúvida da permanência de um sistema de freios e contra-freios ('checks and balances') capaz de conter os impulsos de Trump.
A sua crescente familiaridade com os poderes presidenciais, combinada com um sistema judiciário mais favorável e uma liderança republicana mais submissa no Congresso, tornaram Trump bem mais poderoso do que no seu primeiro mandato.
A ausência de vozes moderadoras na sua equipa, juntamente com a expulsão de figuras consideradas desleais, sugere que Trump estará menos disposto a compromissos ou a ouvir conselhos contrários aos seus instintos.
Vários analistas argumentam que as ações de Trump estão a criar uma crise constitucional, caracterizada pelo desrespeito pelas leis, pelas decisões judiciais e pelas normas democráticas.
"Estamos no meio de uma crise constitucional", afirmou Erwin Chemerinsky, da Universidade da Califórnia, Berkeley, invocando exemplos como a revogação da cidadania por direito de nascimento, o congelamento de gastos federais e a ameaça de deportar pessoas com base nas suas opiniões políticas.
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