Argentinos votam no domingo ao ritmo da inflação que condicionou campanha

A inflação, a par da violência urbana, é a principal preocupação dos argentinos e o elemento que divide os eleitores, que diferencia as propostas dos candidatos e faz da corrida eleitoral também uma corrida cambial.

Notícia

© Getty Images

Lusa
20/10/2023 15:23 ‧ 20/10/2023 por Lusa

Mundo

Argentina

"A inflação é um dos principais fatores para explicar o êxito do discurso de uma extrema-direita, da limitação do candidato do governo e das criticas à candidata da oposição. É também o que condiciona o voto e o que impulsiona a corrida cambial nesta reta final da campanha eleitoral", indica à Lusa o analista político argentino Sergio Berensztein.

Há três anos, Enzo Cardozo, de 52 anos, ficou sem trabalho para pagar o curso de Medicina. Com a inflação galopante, a situação piorou. Aos poucos, teve de optar entre pagar as contas ou comer. Optou por pagar as contas e usar donativos para se vestir e para comer.

"Antes, era mais fácil ter trabalho e o dinheiro valia mais. Parei de estudar porque tinha de manter o apartamento. Era isso ou a carreira", disse Enzo à Lusa.

Para comer, o argentino Enzo faz fila todas noites na emblemática Praça de Maio, onde cidadãos particulares se revezam para entregar refeições de forma solidária.

"Nesta situação, não há esperança. É cada vez pior. É cara a carne, é cara a roupa. Tudo é caro", lamenta.

Enzo teme a mudança de governo, principalmente a chegada do candidato da extrema-direita, Javier Milei, que prometeu cortar a despesa pública começando pelo "negócio dos planos sociais".

"Se vier um novo governo, não sei como vou fazer, porque dizem que esta ajuda vai acabar. O candidato Milei disse que vai cortar a ajuda social. Os partidos da oposição dizem que não querem mais isso, mas também não prometem dar trabalho. E nós? Não sabemos como vamos fazer", angustia-se Enzo, que também depende da roupa doada que é recolhida pela Igreja.

"Ainda tenho roupa, mas não tenho esperança de poder comprar nova ou repô-la. Está cara. Não consigo comprar", preocupa-se.

Fernando Gutiérrez, de 52 anos, é um dos particulares que reúne alimentos e roupas com outros amigos para doar na Praça de Maio, sob a organização da organização não governamental Rede Solidária.

"Fazemos isso porque há muita gente a morar na rua e que, mesmo com os planos sociais que recebe, em determinado período do mês passa fome ou fica sem dinheiro para comer", conta Fernando à Lusa.

A inflação acumulada nos últimos 12 meses chega a 138,3%. Os principais agentes económicos calculam um piso de 180% em 2023.

A taxa de inflação é ainda maior em alimentos e bebidas: 14,3% em setembro ou 150% nos últimos 12 meses. Cada ponto de inflação, eleva o índice de pobreza, oficialmente em 40,1% até julho e projetado a 42% se incluídos os aumentos de preços de agosto (12,4%) e setembro (12,7%), os maiores dos últimos 32 anos.

Apesar desses números, o candidato e ministro da Economia, Sergio Massa, mantém-se competitivo na corrida eleitoral, com um terço das preferências.

"O que explica que Sergio Massa apareça com hipóteses tem a ver com a estrutura partidária do Peronismo, com presença nacional e apoiada pelos sindicatos, pelos movimentos sociais e por líderes municipais. Mesmo enfraquecida, é uma força relevante. Mas também o é a quantidade de atores sociais e políticos subsidiados que vivem da política pública e de planos assistencialistas", aponta Sergio Berenzstein.

O enfraquecimento do Peronismo, altamente afetado pela má administração económica em geral, pela inflação em particular e pelos escândalos de corrupção nutrem o candidato ultraliberal, Javier Milei, líder nas sondagens, como o seu discurso de 'dolarizar' a economia, substituindo definitivamente o desvalorizado peso argentino pelo dólar americano.

"Esse é um voto de protesto, um voto de raiva, de insatisfação contra uma situação económica de alta inflação, de muita precariedade, de muita incerteza e contra os outros dois terços da política que estão há tempos enfrentando-se entre si sem abordar questões importantes da sociedade", aponta à Lusa o analista político Gustavo Maragoni.

Os argentinos usam o peso para gastos correntes do dia-a-dia, mas fazem poupança em dólares. Os aumentos repentinos do dólar em relação ao peso são interpretados pela sociedade como um termómetro da situação económica.

Para contrapor à proposta de Milei sem perder a prática argentina, a candidata da centro-direita, Patricia Bullrich, propõe uma bimonetarização na qual peso e dólar convivam livremente, de acordo com a escolha de cada um.

Javier Milei já disse que "quanto mais alto o dólar estiver, mas rápido vai 'dolarizar' a economia". Nos últimos dias, alertou para o risco de hiperinflação e recomendou que os cidadãos não façam poupanças em pesos.

"Jamais em pesos. O peso é a moeda que o político argentino emite", declarou, ilustrando que a moeda argentina "não serve nem para adubo".

Imediatamente, impulsionou uma corrida ao dólar, cujo câmbio subiu acima de mil pesos, totalizando um aumento de 40% nas últimas duas semanas. Os bancos ficaram lotados de pessoas que preferiam guardar as suas economias fora do sistema.

"Javier Milei assusta os investidores porque não tem gradualismos para implementar as suas reformas. É uma espécie de profeta do anarcocapitalismo, gerando muitas dúvidas naqueles que têm ativos no país. Pensam: se ele vai 'dolarizar' a economia, prefiro 'dolarizar-me' antes", conclui Gustavo Marangoni.

Leia Também: Campeão do mundo pela Argentina suspenso por dois anos por doping

Partilhe a notícia

Escolha do ocnsumidor 2025

Descarregue a nossa App gratuita

Nono ano consecutivo Escolha do Consumidor para Imprensa Online e eleito o produto do ano 2024.

* Estudo da e Netsonda, nov. e dez. 2023 produtodoano- pt.com
App androidApp iOS

Recomendados para si

Leia também

Últimas notícias


Newsletter

Receba os principais destaques todos os dias no seu email.

Mais lidas