Meloni superou 1.º ano de governação mas analistas preveem dificuldades
A líder do partido de extrema-direita Irmãos de Itália, Giorgia Meloni, conseguiu superar a desconfiança inicial e moldar uma imagem de credibilidade e responsabilidade no seu primeiro ano de governação, mas os maiores desafios estão pela frente, concordam analistas.
© Antonio Masiello/Getty Images
Mundo Itália
De acordo com dois politólogos entrevistados pela Lusa, Meloni conseguiu no início do mandato afirmar-se internacionalmente, mas pode esperar dificuldades nos próximos meses em matérias como a gestão da política migratória, falta de 'poder de fogo' nas finanças públicas para cumprir promessas eleitorais, e divergências e concorrência no seio da própria coligação, sobretudo com a Liga, o partido eurocético de Matteo Salvini.
"Se olharmos para a posição de Itália relativamente à guerra da Rússia na Ucrânia e relações com os Estados Unidos, penso que Meloni foi capaz de desfazer quaisquer dúvidas sobre o novo governo não estar tão comprometido com Kiev ou ter problemas com a administração Biden", diz Leo Goretti, diretor do programa italiano de política externa do Instituto de Assuntos Internacionais, um 'think tank' (grupo de reflexão) independente.
De acordo com este especialista em política externa, "a Itália mostrou um apoio inabalável à Ucrânia, e a relação com os Estados Unidos e a administração Biden foi globalmente muito positiva", como demonstram as visitas de Meloni a Kiev e a Washington nos primeiros meses enquanto primeira-ministra.
"Conseguiu prosseguir o legado do governo de [Mário] Draghi e construir um perfil forte para ela própria, dando a imagem de alguém respeitado e que apresenta o país de forma aceitável e positiva", acrescenta.
A mesma opinião tem Antonella Seddone, professora e investigadora de ciência política na Universidade de Turim, para quem "Meloni, após vencer as eleições, levou o desafio muito a sério e, passada a campanha eleitoral, e sendo de extrema-direita, isso é claro, moderou as suas posições, sobretudo na relação com a União Europeia".
Apontando que "o objetivo era ganhar crédito", pois havia a noção de que "os parceiros internacionais estavam um pouco assustados", esta politóloga considera que Meloni conseguiu transmitir a imagem de "alguém responsável e credível, sobretudo na relação com os parceiros externos".
Para Goretti, há uma área na qual "tem havido problemas crescentes", que é "a relação com a Europa", com "outros Estados europeus, sobretudo a França, mas também com as instituições europeias".
Concordando que, no início do seu mandato, "Meloni tentou ter um diálogo muito construtivo" com Bruxelas, este analista considera que "nos meses mais recentes, e devido a vários fatores, o mais relevante dos quais o aproximar das eleições europeias, a situação mudou um pouco", e "há duas áreas em que governo tem cada vez mais dificuldades em manter boas relações com a UE": migrações e economia.
Apontando que há "rivalidades dentro da coligação, com visões divergentes sobre Europa", Leo Goreti antecipa que "vai ser difícil para Meloni manter o diálogo com a Europa e, ao mesmo tempo, gerir a rivalidade interna", em matérias comunitárias como as migrações, política ambiental e energética e o 'novo' pacto de estabilidade e crescimento, além da "embaraçosa" demora na ratificação do Mecanismo Europeu de Estabilidade.
Acresce que Meloni preside ao partido dos Conservadores e Reformistas Europeus, ao qual pertence o partido ultraconservador polaco Lei e Justiça e do qual é muito próximo o Fidesz do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, e "este duplo chapéu já está a criar-lhe dificuldades", forçando-a a enviar "sinais contraditórios", em questões como a sempre muito sensível matéria das migrações, comenta.
"Enquanto primeira-ministra, Meloni está a advogar uma resposta europeia à crise migratória. Mas, por outro lado, também apoia Polónia e Hungria, dois governos que se opõem ao novo pacto de migração e asilo a nível da UE, e até diz entender as suas razões. Portanto, penso que aqui há uma tensão que cria mensagens contraditórias na política externa italiana e fragiliza as posições negociais de Itália no foro europeu", observa.
Segundo este analista, Giorgia Meloni "corre o risco de ser atacada por forças mais radicais à direita" dentro do seu próprio partido, mas sobretudo da Liga de Salvini.
Para Antonella Seddone, "Salvini já está a tentar dificultar" o trabalho de Meloni e, em pré-campanha para as eleições europeias, a tentar capitalizar o eventual descontentamento de algumas franjas de um eleitorado que os Irmãos de Itália e a Liga disputam.
"Do ponto de vista ideológico, o eleitorado de ambos é extremamente semelhante", movendo-se em torno de causas como a família, as migrações e a comunidade LGBT, e esta especialista em partidos políticos e comunicação política antecipa "mais lutas internas, sobretudo em torno da dimensão migratória, o campo comum em que mobilizaram os seus apoiantes".
Lembrando o 'histórico' de Salvini, que em 2019 já fez 'cair' a coligação governamental que a sua Liga (que à época 'valia' mais de 33% - resultado das eleições europeias desse ano -, contra os 9% obtidos nas eleições nacionais do ano passado) tinha com o Movimento Cinco Estrelas de Giuseppe Conte, por calculismo partidário, a professora de ciências políticas não descarta a possibilidade de o líder da Liga tentar provocar uma rutura e "apresentar-se como aquele que enfrenta a União Europeia e as migrações".
"Salvini também está em dificuldades e não tem nada a perder, e neste período que antecede as próximas eleições europeias [de junho de 2024], parece que estamos a reviver os dias de 2019", quando o líder da Liga "visava o executivo [liderado por Conte] de que era membro", até porque, nota, o atual ministro dos Transportes já "aumentou a fasquia do confronto".
Para ilustrar as "provocações" que Meloni pode esperar, Antonella Seddone nota que, na rentrée política da Liga, no último domingo, e enquanto Meloni visitava Lampedusa na companhia da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, Salvini esteve no palco acompanhado da líder da extrema-direita francesa, Marine Le Pen, que elogiou a "mão dura" de Salvini no combate à imigração ilegal enquanto ministro do Interior.
Ambos os analistas concordam que Meloni, neste segundo ano de mandato, terá mais dificuldades e, sobretudo, terá de começar a "mostrar resultados e ações concretas", mas, para já, está ainda numa posição confortável.
"Quando se ganha eleições com o conforto com que Meloni ganhou no ano passado, é natural que continue a gozar de popularidade ao fim de um ano. A questão é que nos próximos tempos vêm desafios substanciais, aos quais é preciso dar resposta", aponta Goretti.
Também Antonella Seddone assinala que a primeira mulher a dirigir um governo em Itália tem "desafios de vulto pela frente" e terá de ir além das "medidas simbólicas" tomadas no primeiro ano, mas com óbvios "constrangimentos económicos", e pode esperar contestação social, "pois normalmente o dinheiro é a principal causa de descontentamento".
Quanto à rivalidade interna, observa que Meloni é "inteligente, com muita experiência - não é o Movimento Cinco Estrelas - e tentará resistir às provocações", designadamente de Salvini, considerando que o principal problema está na gestão do seu partido.
"Quando se está à frente de um pequeno partido, e este regista um forte crescimento, de certa forma esgotam-se os recursos locais do partido para governar ao nível nacional" e é necessário ir buscar "gente de fora", até porque vêm aí eleições europeias para as quais são necessários candidatos com 'peso', nota.
Mas para já, "Meloni ainda é demasiado forte para recear a oposição", pois se há divergências dentro do seu governo, "a oposição está ainda mais dividida", uma imagem de marca do espetro partidário de centro-esquerda em Itália, comenta.
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