"O sentido dos '50 anos do golpe de Estado' é aprender lições da história [sobre] como preservarmos a democracia sempre, ditaduras nunca. É evidente que as violações graves aos direitos humanos são consequência do golpe de Estado. Há um vínculo intimamente relacionado", disse Álvaro Elizalde, em entrevista à agência Lusa no palácio La Moneda, sede do Governo chileno.
O ministro contesta a visão da extrema-direita e de setores da direita que se negaram a assinar o originalmente denominado "Compromisso de Santiago" que pretendia traçar uma linha transversal entre todos os partidos em torno de questões básicas em proteção da democracia.
O atual Presidente chileno, Gabriel Boric e os outros quatro ex-presidentes vivos desde a recuperação da democracia em 1990 assinaram, então, o chamado "Compromisso pela democracia, sempre" que defende quatro princípios básicos: "Cuidar e defender a democracia", "Enfrentar os desafios da democracia com mais democracia", "Defender a promover os direitos humanos" e "Fortalecer a colaboração entre os Estados".
Para o Álvaro Elizalde, que coordena a agenda legislativa do Governo, "quanto mais forem os chilenos comprometidos com a democracia" melhor futuro se legará às próximas gerações.
A extrema-direita do Partido Republicano, identificada com Augusto Pinochet, e a direita tradicional da coligação 'Chile Vamos' recusaram-se a apoiar a declaração transversal, apresentando um texto próprio que não menciona nem a ditadura nem o golpe de Estado liderado por Pinochet em 11 de setembro de 1973, mas que aponta "violações dos direitos fundamentais" ocorridas durante o governo de Salvador Allende (1970-1973), interrompido pelo golpe. Para a direita identificada com Pinochet, não teria havido um golpe se não tivesse havido Allende, quem procurava instalar o socialismo pela via democrática.
A coligação Chile Vamos é integrada pela conservadora União Democrata Independente (UDI), formada por militantes vinculados com o regime ditatorial.
Durante os últimos 23 anos de democracia, a direita chilena condenou a perseguição de opositores, através da tortura e morte, mas enalteceu aspetos do regime militar, especialmente o modelo económico neoliberal.
"Existem aqueles que colocam essa diferença (entre golpe e violações), mas vemos por parte de setores políticos importantes, sobretudo das novas gerações, uma crítica transversal. Se existiu um ato de violência política extrema esse foi o bombardeamento ao palácio La Moneda. Portanto, separar o golpe de Estado das conseguintes violações aos direitos humanos não é o que realmente aconteceu", afirma Elizalde.
"No Chile, estamos nesse debate que outras sociedades nunca tiveram. Há sociedades que não têm nem sequer um condenado por violação aos direitos humanos. Na América Latina, recentemente, vimos o que chamam 'golpes brandos'. Até mesmo na Europa, onde viram o que foi o fascismo, até hoje não chegam a um acordo sobre como resolver o assunto. No Chile, há um debate explícito sobre a matéria. Pusemos o assunto sobre a mesa", diferencia o ministro.
"Acreditamos que também é importante avançar em verdade, justiça e reparação (às vítimas) para assentar as bases para um 'Nunca Mais' que evite, no futuro, que o Chile volte a padecer as atrocidades e os horrores vividos durante a ditadura", acrescenta Álvaro Elizalde.
Na semana passada, o Presidente Gabriel Boric lançou uma inédita política para "localizar, recuperar, identificar e restituir os restos mortais" das 1.162 vítimas desaparecidas durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) e ainda por localizar. Dos 1.469 desaparecidos, somente foram encontrados 307.
Leia Também: António Costa chega hoje ao Chile e reúne-se com o presidente do México