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Vaticano quer esclarecer esquema sobre investimento de donativos nos EUA

A transferência de pelo menos 17 milhões de dólares de donativos à igreja católica para um fundo de capital privado efetuada pelo ex-diretor gabinete de angariação de "fundos missionários nos Estados Unidos" está a "ser esclarecida" segundo o Vaticano.

Vaticano quer esclarecer esquema sobre investimento de donativos nos EUA
Notícias ao Minuto

11:02 - 31/05/23 por Lusa

Mundo Vaticano

"A Santa Sé está ciente da situação e está atualmente a analisar os detalhes dos acontecimentos", disse o porta-voz do Vaticano, Matteo Bruni, à Associated Press (AP), sobre o donativo de 17 milhões de euros (15,8 milhões de euros).

Um relatório financeiro da nova direção das Obras Missionárias Pontifícias nos Estados Unidos (TPMS) indica que a maior parte do valor total destes donativos - 10,2 milhões de dólares - que foram investidos no fundo de capital privado estão referidos como "perda", uma vez que "não há prazo nem garantia de retorno do investimento".

De acordo com a AP, o dinheiro foi transferido do TPMS-US para uma organização de capitais privados sem fins lucrativos sediada em Nova Iorque, a Missio Corp, e para um fundo de capital privado, o MISIF LLC, criado pelo padre Andrew Small quando era diretor nacional do TPMS-US.

Os dois "veículos financeiros têm como objetivo angariar capital para conceder empréstimos a juros baixos e fazer investimentos em iniciativas agrícolas" geridas pela igreja católica em África.

A maior parte do dinheiro foi transferido em 2021 antes de Andrew Small terminar o mandato de 10 anos na TPMS-US.

O padre Andrew Small continua a ser diretor executivo da Missio Corp, que gere o MISIF, ao mesmo tempo que desempenha temporariamente funções no âmbito do conselho consultivo do Vaticano para a proteção das crianças.

Numa série de respostas enviadas por correio eletrónico à Associated Press, Andrew Small refere que as transferências de dinheiro foram "totalmente aprovadas, no melhor interesse da igreja e da TPMS-US".

Andrew Small apresentou à Associated Press cartas de bispos e de freiras em África que se mostram "agradecidos" indicando que foram gerados benefícios dos empréstimos a juros baixos da Missio Corp. 

O padre Andrew Samall mostrou igualmente cartas de dois cardeais do Vaticano que expressaram interesse nestas iniciativas de investimento.

Segundo a Associated Press, as transferências reduziram, pelo menos temporariamente, o fundo de dotação do TPMS nos Estados Unidos em um quarto e, aparentemente, "desviaram" o dinheiro que foi angariado em nome do Papa para instituições de caridade e projetos aprovados pelo Vaticano em África, na Ásia e na América Latina.

A AP escreve que as perdas são "a mais recente dor de cabeça financeira para a Santa Sé", que durante décadas foi assolada por "episódios de investimentos deficitários, métodos contabilísticos opacos, orçamentos porosos" e conflitos de interesses que minaram a reputação financeira da igreja católica. 

De acordo com os registos fiscais e as demonstrações financeiras disponíveis publicamente, o dinheiro transferido incluiu sete milhões de dólares em "reembolsos" de despesas, "contribuições" indefinidas e "apoio" da TPMS-US para a Missio Corp entre 2019-2021, bem como um investimento de 10,2 milhões de dólares na MISIF, dos quais 7,5 milhões de dólares saíram de uma dotação da TPMS-US.

As transferências foram todas aprovadas pelo conselho de administração da TPMS-US, o que torna pouco plausível qualquer litígio para as recuperar.

O padre Robert Gahl, teólogo que dirige um programa de administração e gestão da igreja na Universidade Católica da América, disse que o "impulso evangélico" dos donativos do TPMS-US difere da estratégia de desenvolvimento geral do MISIF dos empréstimos que têm de ser reembolsados.

Andrew Small defendeu as transferências que foram efetuadas, considerando-as coerentes com a missão da TPMS-US e com o "dever fiduciário de aumentar o financiamento", que, afirmou, tem vindo a diminuir constantemente à medida que os donativos se esgotam.

Disse ainda que tentou novos métodos de angariação de fundos, incluindo a iniciativa de "crowdsourcing", em que os doadores podiam ver o resultado direto dos donativos.

Os doadores, segundo Small, já não estão dispostos a "dar mais" através da estrutura típica do TPMS, em que Roma decide sobre os projetos.

Small disse ainda que desenvolveu a Missio Corp e o portal eletrónico Missio Invest, destinado ao público, porque queria aplicar os "princípios do investimento de impacto" às necessidades da igreja nos territórios das missões.

A "ideia" encontrou apoio em alguns setores do Vaticano, que acolheu três conferências sobre este tipo de investimento em 2014, 2016 e 2018.

"O objetivo final era criar um fundo de impacto social que pudesse conceder empréstimos a juros baixos a empresas geridas pela igreja em África, de modo a criar uma fonte de rendimento sustentável para a igreja e, presumivelmente, torná-la menos dependente de donativos anuais estrangeiros, que se tinham revelado cada vez mais precários", afirmou Small.

Small afirmou também que a direção da TPMS-US foi informada de todos os desenvolvimentos e aprovou todas as transferências, e que fez apresentações anuais ao gabinete missionário do Vaticano.

Robert Warren, ex-investigador de crimes ficais e professor de contabilidade na Universidade de Radford, na Virgínia, explicou à AP que a relação entre a TPMS-US e a Missio Corp é, à primeira vista, "problemática", porque Small dirigia ambas instituições.

Segundo Warren, estas relações interligadas exigem um controlo adicional por parte dos auditores e da administração.

Depois de o mandato de Small ter terminado em 2021, a TPMS-US, sob a liderança do novo diretor nacional, monsenhor Kieran Harrington, contratou uma firma de advogados para investigar a situação. Small nunca respondeu às perguntas dos advogados.

"A análise independente concluiu que o conselho de administração da TPMS aprovou as transferências de fundos de uma forma coerente com os poderes que detém e com os estatutos da TPMS", segundo um comunicado da TPMS-US enviado à AP.

Posteriormente, Harrington substituiu a direção por funcionários de "alto nível" que trabalham sob a supervisão do Vaticano.

A nova direção inclui o embaixador do Papa nos Estados Unidos, o arcebispo Christophe Pierre, bem como outros cardeais e arcebispos norte-americanos, incluindo o cardeal Sean O'Malley, de Boston, que, na qualidade de chefe da comissão de proteção das crianças do Vaticano, é atualmente o superior de Small.

Mesmo assim, Small critica a auditoria e as mudanças que foram operadas.

No entanto, até os próprios auditores de Small disseram que não conseguiram verificar o cálculo do valor justo da carteira de investimentos do fundo em dezembro de 2021 e recusaram-se a emitir um parecer sobre as demonstrações financeiras desse ano.

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