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Turquia. Jovens confrontados com inflação e desemprego

A população jovem da Turquia, particularmente afetada pela inflação e o desemprego, revela um descontentamento generalizado que, traduzido nas urnas, poderá ser também determinante nas eleições de domingo.

Turquia. Jovens confrontados com inflação e desemprego
Notícias ao Minuto

11:04 - 13/05/23 por Lusa

Mundo Turquia/Eleições

Aysenur, 21 anos, estudante universitária na área digital, passeia com uma amiga perto do castelo numa rua em declive junto a lojas tradicionais agora vocacionadas para o turismo na zona velha de Ancara - cidade por onde passaram romanos, bizantinos, turcos seldjúcidas até à conquista pelo sultão otomano Ohran em 1356.

"Não tenho a certeza qual será a situação para nós após as eleições, não consigo distingui-la de uma forma clara, mas acredito que o regime tem de mudar", indica após ser confrontada quase de rompante e passada alguma hesitação.

"Não estou contente. Não podemos fazer nada daquilo que fizeram as gerações anteriores. Não temos dinheiro suficiente, não consumimos nada, não podemos viajar pela Turquia e muito menos para o estrangeiro. Queremos ter também essa possibilidade".

Aysenur reflete o sentimento de uma parte muito considerável dos 85 milhões de habitantes da Turquia, um país ainda jovem com uma média de idades de 31,5 anos.

Um recente estudo da Associação Habitat, organização da sociedade civil sediada em Istambul, revelou que a proporção de jovens satisfeitos com as suas vidas decaiu 46% nos últimos cinco anos, e quando cerca de 80% dos mais jovens se confrontam com uma pobreza relativa.

O inquérito "Bem-estar da população jovem na Turquia", iniciado em 2017 e que abrangeu 1.228 jovens com idades entre os 18 e os 29 anos em 28 províncias do país, conclui que a questão do emprego tem um impacto decisivo nas perceções da juventude sobre o seu futuro.

"Gostava de trabalhar para uma empresa estrangeira, mas viver na Turquia. Trabalhar à distância, por computador", prossegue Aysenur e que tem vários amigos a trabalhar no estrangeiro, uma perspetiva que ainda rejeita.

"Apenas quero receber um bom salário e ter uma vida boa neste país. Tenho alguma esperança nestas eleições", diz à Lusa.

Junto a uma das portas de entrada do castelo otomano, Elif, 32 anos, empregada num restaurante com horário de nove horas, revela uma primeira prioridade: "Espero que estas eleições tragam liberdade, não existe muita liberdade no nosso país", assinala.

"A maioria dos jovens precisa de um trabalho extra para conseguir estudar na universidade. E para ter uma habitação é preciso trabalhar muito. É muito difícil. Quero liberdade, e bem-estar para todos", frisa.

A inflação e o elevado custo de vida permanecem a principal preocupação dos jovens eleitores, quando no domingo se dirigirem às assembleias de voto, para além do desemprego e a dificuldade em encontrar emprego. A Habitat revela que apenas 38% dos jovens manifestam satisfação pela situação financeira, um valor que desceu de 61%.

Buket, 28 anos, está em Ancara de visita e indica ser proveniente "da zona dos terramotos", uma referência aos dois violentos sismos que há cerca de três meses devastaram o sudeste da Turquia e o noroeste da Síria.

"A situação dos jovens é má. Quando terminam a universidade espera-os o desemprego", indica Buket, que conclui um curso de Gestão, trabalhou num 'call center', e, desiludida, decidiu regressar à universidade e ao curso de Geografia. "Após as eleições talvez sinta alguma esperança...".

Para além da inflação e o custo de vida, do desemprego e dificuldade em encontrar trabalho, outras preocupações dos jovens relacionam-se com o elevado custo das rendas de casa e a violência nas ruas. A Associação Habitat revelou que apenas 48% das jovens mulheres se sentem seguras nas suas zonas residenciais, face aos 55% em 2017.

Os dados recolhidos também concluem que 80% dos jovens se confrontam com uma pobreza relativa devido a um rendimento inferior às suas necessidades. Atualmente, situa-se entre as 3.000 e as 9.000 liras (entre 140 e 420 euros), longe das 9.000 a 18.000 liras de que necessitam para um quotidiano mais confortável (entre 420 e 835 euros).

Na capital turca, o aluguer de uma casa mobilada com duas assoalhadas ronda as 10.000 liras por mês, e por mobilar atinge as 6.500 liras. Segundo os dados oficiais, o desemprego afetou 22% da população ativa (mais 13 pontos face a 2002), em particular a mais jovem.

Em dezembro de 2022 o Presidente Erdogan anunciou um amento do salário mínimo para 8.500 liras (cerca de 400 euros), uma medida destinada a compensar a elevada inflação e quando desde setembro de 2021 a moeda turca perdeu mais de metade do seu valor em relação ao dólar.

O Grupo de pesquisa ENAG, uma instituição independente fundada em 2020 para acompanhar o índice de preços no país, indicou que a inflação anual na Turquia atingiu 105% em abril de 2023, muito acima dos números oficiais que apontam para 43% (mais 15 pontos face a 2002).

A inflação também constitui o principal flagelo para Emre Aysen, 23 anos, proprietário do talho Yayla Kasap em Temelli, localidade bucólica a 50 quilómetros de Ancara.

O estabelecimento fica ao lado da sede local do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, no poder) e frente à delegação do seu principal rival, Partido Republicano do Povo (CHP), ambos em combate aceso para as eleições legislativas e presidenciais de 14 de maio.

Emre tenta segurar o negócio familiar iniciado em 1963 e que vem do seu avô e depois do seu pai, ainda em atividade. Faz contas à vida e queixa-se da política do partido no poder para a agricultura, uma atividade que diz estar a caminho do ocaso.

A quinta agropecuária da família situa-se nos arredores, ainda com 750 vacas e 859 carneiros, que garantem a carne, o sucuk (salsicha de vaca condimentada), o queijo, a manteiga, o iogurte. Emre Aysen convive de perto com este universo familiar desde os seis anos.

"Há 7 anos as rações para os animais custavam 40 liras e agora 400 [cerca de 20 euros]. E o mesmo se passa com a carne, que aumentou para mais do dobro, 300 liras o quilo".

A loja da família Aysen, com dois amplos sofás à entrada para repouso dos clientes, ressentiu-se. "Há dois anos, as pessoas compravam muito mais carne. A classe média desapareceu com a crise. Os combustíveis também aumentaram, e mesmo os salários estão mais elevados", lamenta.

A política para a agricultura do Governo islamita conservador é a grande responsável, garante. Diz que o país está agora a importar carne e produtos agrícolas que antes eram excedentários no país.

"Houve uma grande alteração no consumo. Há anos comprava-se um carneiro inteiro, agora não. Já não há classe média, desapareceu", reafirma. E avança com outro exemplo, a apreciada manteiga produzida na quinta, que num ano aumentou de 60 para 200 liras o quilo.

Muitos campos foram abandonados. Agora, os pastores da região são todos provenientes do Afeganistão. "Já não há turcos que queiram fazê-lo e os salários que lhes pagamos são muito baixos", diz o jovem comerciante.

A autoestrada entre Ancara e Remelli, colorida com enfeites eleitorais, ilustra a política do AKP para a habitação: uma sucessão de dormitórios com edifícios altos, construídos nos arredores de uma capital que antes dos grandes sismos de 06 de fevereiro albergava 6,5 milhões de pessoas, e que entretanto recebeu mais um milhão de desalojados.

No centro destes complexos de habitações impessoais, imponentes novas mesquitas separam os prédios. Para gente mais abastada há, claro, complexos de vivendas em zonas mais aprazíveis.

Leia Também: Turquia. Erdogan compara escrutínio de domingo a golpe de Estado de 2016

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