O governo da Argentina reagiu de forma rápida e sóbria na quinta-feira à morte da rainha, expressando sua "tristeza" e garantindo "acompanhar o povo britânico" e a família real na sua dor.
No entanto, o Ministério dos Negócios Estrangeiros argentino, questionado pela agência France-Presse (AFP), não confirmou esta sexta-feira o nível de representação do país no funeral da monarca.
A imprensa como um todo saudou com dignidade, e não sem admiração, um inquestionável "símbolo do século XX", com aura planetária, e que, segundo resume o diário conservador La Nacion: "mais conhecida que as nossas próprias tias".
Reino Unido e Argentina têm relações conturbadas. A história do conflito começou com duas incursões inglesas em Buenos Aires (1806 e 1807), seguindo-se uma presença económica muito influente, incluindo a construção da rede ferroviária mais importante da América Latina.
Depois, as relações extremaram-se devido à Guerra das Malvinas (Falklands), entre 02 de abril e 14 de junho de 1982.
Naquele ano, uma junta argentina logo esmagada por protestos lançou uma aventura militar no pequeno arquipélago do Atlântico Sul - reivindicado pela Argentina desde 1833 - e "recuperou" as Malvinas.
Após o envio de uma força expedicionária britânica, a coroa britânica recapturou as ilhas em 74 dias, mas o conflito custou mais de 900 vidas: 649 soldados argentinos, 255 britânicos e três ilhéus.
Na altura, bancadas dos estádios argentinos cantavam, como ainda se houve por vezes nos dias de hoje, cânticos anti-ingleses com referência à rainha.
"O inimigo era Margaret Thatcher, não a rainha", explicou à AFP o cientista político da Universidade de Buenos Aires Raul Arlotti, referindo que a rima com a palavra "rainha" em espanhol [reina] era mais fácil.
"A relação com a própria rainha sempre foi respeituosa", assegurou Arlotti, que relembra a visita do ex-presidente Carlos Menem ao Reino Unido, em 1998.
A ferida histórica, revivida pela humilhação militar de 1982, continua viva e, em abril, pelo 40.º aniversário do conflito, o Presidente Alberto Fernández reafirmou que "as Malvinas foram, são e serão argentinas".
Uma sondagem em 2021, com uma amostra considerável de 5.000 pessoas, apontou que mais de 81% dos argentinos acham que o seu país deve continuar a reivindicar a soberania sobre as ilhas e 10% que deve parar.
Todos sabem que durante muito tempo os monarcas britânicos não interferiram nas ações do governo, e a rainha foi "uma líder distante das decisões durante a guerra", exceto "o relatório semanal de Margaret Thatcher", lembrou o cientista político Rosendo Fraga.
Junto à embaixada britânica em Buenos Aires, quem se deslocou para depositar algumas flores saudaram a monarca, como Celia Carlen, de 88 anos, que estava muito emocionada lembrando uma soberana "muito sensata, equilibrada, que prometeu a seus súbditos, servir impecavelmente".
Mas sobre as Malvinas, a argentina defendeu que estas devem ser devolvidas pelo Reino Unido, embora tenha garantido que não confunde os temas.
A celebridade argentina de 95 anos, apenas dez meses mais nova que Isabel II, popular ex-atriz e apresentadora de TV Mirtha Legrand, terá resumido da melhor forma a ambivalência de sentimentos na Argentina: "Sinto muita dor. Acompanho-a desde que ela conquistou a coroa aos 25 anos. Foi uma grande rainha, mas não posso esquecer que ela reinou durante a Guerra das Malvinas. Não posso esquecer. Foi uma época muito triste para todos".
A Rainha Isabel II morreu aos 96 anos no Castelo de Balmoral, na Escócia, após mais de 70 anos do mais longo reinado da história do Reino Unido.
Elizabeth Alexandra Mary Windsor nasceu em 21 de abril de 1926, em Londres, e tornou-se Rainha de Inglaterra em 1952, aos 25 anos, na sequência da morte do pai, George VI, que passou a reinar quando o seu irmão abdicou.
Após a morte da monarca, o seu filho primogénito assume aos 73 anos as funções de rei como Carlos III.
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