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Conflito entre Turquia e Chipre altera relações no Mediterrâneo Oriental

O contencioso entre a Turquia e Chipre em torno da exploração de hidrocarbonetos está a originar uma recomposição das alianças regionais no Mediterrâneo Oriental e a suscitar crescente preocupação nos EUA e União Europeia (UE).

Conflito entre Turquia e Chipre altera relações no Mediterrâneo Oriental
Notícias ao Minuto

08:12 - 21/07/20 por Lusa

Mundo Conflito

A descoberta de grandes jazidas de gás natural nos últimos dez anos junto às costas da ilha dividida abriu novas perspetivas sobre o fornecimento de energia a partir desta região e forjou alianças entre países que pareciam até então pouco prováveis.

A Turquia, potência regional, foi excluída dos contratos de exploração dos recursos energéticos, reivindicados por oito países, da Líbia ao Egito e Israel.

Os gigantes da energia envolvidos neste novo e potencial maná (em particular a norte-americana Exxon Mobile, a francesa Total, e a italiana Eni) ambicionam concretizar o projeto de fornecimento de gás para o sul da Europa e reduzir a dependência da região dos fornecimentos vindos da Rússia. Mas a Turquia está a comprometer estes planos.

O conflito evoluiu para uma importante questão estratégica que terá consequências em todos os países da região e envolve diretamente dois Estados-membros da UE, a Grécia e a República de Chipre, a parte sul da ilha dividida e reconhecida internacionalmente.

"Hoje, Ancara é vista por muitos na Europa como um ator agressivo, envolvido em conflitos em diversas zonas da região e que se comporta agressivamente face à UE", considerou Dorothée Schmid, especialista em Turquia no Instituto francês de relações internacionais (IFRI), citada em recente artigo do diário Financial Times.

A disputa no Mediterrâneo oriental tem origem no longo conflito em torno de Chipre, dividido há quase 50 anos, na sequência da intervenção militar da Turquia em 1974, entre o sul cipriota grego e o norte cipriota turco, cerca de um terço do território.

A Turquia assume o estatuto de protetor da população cipriota turca e é o único país que reconhece a autoproclamada República Turca de Chipre do Norte (RTCN) como Estado independente.

No final da década de 2000, e após Israel anunciar a descoberta de jazidas de gás natural na região, o Governo de Chipre contratou diversas empresas de energia para iniciarem a prospeção de hidrocarbonetos em redor da ilha. E em dezembro de 2011 a empresa norte-americana Noble Energy anuncia a descoberta de "significativos recursos de gás natural".

Ancara reagiu, argumentou de imediato qualquer benefício desta exploração também deveria contemplar os cipriotas turcos e permanecer dependente das negociações sobre a reunificação da ilha, sob mediação da ONU mas que permanecem num impasse.

Para além de considerar que Nicósia está a violar os direitos dos cipriotas turcos, a Turquia também acusa Chipre de ingerência na sua plataforma continental.

De imediato, definiram-se dois blocos rivais, de um lado a Turquia e Chipre do Norte, do outro Chipre, Grécia, Egito e Israel, para além do apoio dos Emirados Árabes Unidos (EAU) e França.

Numa comprovação sobre o que está em jogo, o Congresso dos EUA levantou no final de 2019 o embargo às armas a Chipre e aumentou a ajuda externa à ilha para demonstrar o seu apoio à exploração de gás, onde está envolvido o poderoso gigante da energia Exxon Mobil.

A deterioração das relações da Turquia com diversos países da zona ribeirinha do Mediterrâneo Oriental (em particular Israel e o Egito após o golpe de Estado de 2013) surgiu como uma oportunidade para Chipre, que atuou como catalisador da cooperação entre as lideranças israelita e egípcia.

Juntamente com a Grécia, seu principal aliado, a República de Chipre delineou um plano para a extração e exportação de gás dessa região e que ignorou a Turquia. Em 2019, garantiram ainda a adesão da Itália, Jordânia, e da Autoridade Palestiniana instalada na Cisjordânia ocupada e anunciaram o Fórum de Gás do Mediterrâneo oriental, com sede no Cairo. Neste caso, o contrato de exploração incluiu a Novatek, o segundo produtor de gás da Rússia.

O envio de navios de prospeção e de fragatas turcas para esta ambicionada zona de riquezas energéticas, e que comprometeram diversas prospeções, apenas contribuiu para aumentar a tensão.

"Erdogan e alguns dos seus aliados acreditam que a Turquia está a restaurar a sua importância perante os aliados ocidentais", argumentou Ozlem Kaygusuz, professor associado de Relações internacionais da Universidade de Ancara, citado pelo Financial Times.

"Acreditam que quanto mais a Turquia desempenhe um papel assertivo, mais valiosa se tornará e será impossível de ignorar para os interesses ocidentais na região", acrescentou.

No entanto, ainda não se perspetiva uma distensão na região, e quando as relações entre a Turquia do Presidente islamita Recep Tayyip Erdogan e a UE estão muito comprometidas -- apesar do início oficial das negociações de adesão em 2005, de momento congeladas --, não apenas por responsabilidade de Ancara mas ainda pelos "anticorpos" que prevalecem nas altas esferas de Bruxelas face ao país euro-asiático.

Em 25 de junho, durante um encontro com os dirigentes cipriotas em Nicósia, o chefe da diplomacia europeia Josep Borrell apelou à Turquia para "terminar" as prospeções de exploração de gás "ilegais" ao largo da ilha, e defendeu que a delimitação das zonas económicas exclusivas contestadas pela Turquia deve ser feita "no respeito do direito internacional".

Num contexto de grande desconfiança mútua e ausência de diálogo, altos responsáveis turcos retorquiram no início de julho ao acusarem a UE de "parcialidade", de "ficar refém das posições maximalistas da Grécia e dos cipriotas gregos" e aconselharem Bruxelas que "deve ser parte da solução e não parte do problema".

Em janeiro, a República de Chipre tinha já acusado Ancara de "pirataria" devido às repetidas prospeções em áreas que considera exclusivas -- e que têm também suscitado crescentes advertência da Grécia -- e emitiu mandados de captura para a tripulação de um navio turco.

No entanto, diversos estudos têm questionado a viabilidade económica do gasoduto em estudo, que deverá dirigir-se para a Grécia continental, pelo facto de implicar um percurso de quase 2.000 quilómetros em águas profundas, com elevados custos.

Apesar desta indefinição, a Turquia tem promovido ações destinadas a impedir as prospeções das grandes multinacionais do gás, após as licenças concedias por Chipre, e quando permanece muito dependente de recursos energéticos, em particular importados da Rússia e Irão.

E no início de janeiro, para romper o isolamento, Ancara promoveu um "Memorando de Entendimento" com o Governo de Acordo Nacional (GAN) líbio que estabelece uma zona económica exclusiva, de imediato denunciado pelos seus rivais e relacionado com a evolução da guerra civil, onde intervêm vários e contraditórios interesses externos.

Na perspetiva de analistas, e mesmo mantendo uma posição privilegiada para frustrar avanços substanciais nestes projetos de exploração de gás, a Turquia poderá por fim procurar um acordo negociado com Chipre que desbloqueie o conflito regional.

Mas que reconheça a sua função absolutamente central e que nunca deverá ser ignorada.

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