"Estranhamente, passou-se muito bem a viagem. Melhor até do que costume porque havia menos pessoas. Pela primeira vez a aplicação dos transportes serviu para alguma coisa e, apesar de até ter um plano B com bicicleta que seria complicado, tudo se passou bem", disse à agência Lusa Hervé na Gare de Lyon.
Este francês fez o seu trajeto normal, a partir de Asniéres sur Seine, apanhando o comboio regional até Paris - a previsão era de um em 10 comboios - e a seguir encaminha-se para uma das duas linhas automáticas do metro que passam na Gare de Lyon. Sem possibilidade de teletrabalho na área da banca, Hervé espera que a greve não se prolongue apesar de os sindicatos anunciarem um protesto ilimitado.
"Não desejo que esta greve dure e não compreendo esta maneira de protesto. Há maneiras mais dignas de se manifestarem, noutros países isto não acontece, mas em França é sistemático parar o país. É só estúpido", afirmou.
Já Claire, vinda da região de Essone, podia ter optado pelo teletrabalho, mas decidiu esta manhã vir para Paris.
"Há dois meses que nos anunciam que há greve geral, portanto as pessoas ficaram em casa e nem vieram para Paris. Eu decidi esta manhã que vinha trabalhar. Vi nas redes sociais que não havia muita gente e que havia circulação", indicou.
No entanto, para os comboios de meio e longo curso, a história é bem diferente. Um dos pontos nevrálgicos dos caminhos de ferro em França, a Gare de Lyon estava esta manhã praticamente deserta, patrulhada por mais agentes da empresa ferroviária SNCF do que por passageiros.
Com apenas um em cada 10 TGV [comboios de alta velocidade] a fazerem o seu trajeto habitual, os primeiros comboios nos écrans eram anunciados para as 11:00 da manhã e escassos durante o resto do dia. Estas perturbações não se fazem sentir só em Paris, mas um pouco por todo o país com destaque para cidades como Lyon, Toulouse ou Estrasburgo.
Se quase todos os passageiros com bilhete foram prevenidos por mensagem ou mensagem de correio eletrónico, nem todos puderam evitar vir até à estação.
"Eu sabia que havia greve, mas cheguei um dia mais tarde dos Estados Unidos e aqui estou no meio da greve. Normalmente para chegar a Montargis ou a Orleans, vou de comboio e nunca há problemas. Mas agora vou ter de ir para Bercy apanhar o autocarro e eu não percebo nada de Paris. Saí daqui há 30 anos!", lamentou Eveline, que tem como destino Montargis, a cerca de 100 quilómetros de Paris.
Para esta francesa radicada no outro lado do Atlântico, as greves não fazem sentido.
"Estou muito aborrecida com toda esta situação. Se vim a França é porque tenho coisas muito urgentes a tratar aqui. Há demasiadas greves e nos Estados Unidos não há este tipo de problemas", indicou.
A greve não afeta apenas os transportes, mas está em todos os gestos do quotidiano dos franceses esta quinta-feira. Por exemplo, a rádio pública, Radio France, está em greve há duas semanas com apenas alguns programas esporádicos nalgumas das suas antenas devido ao anúncio de despedimento de 300 trabalhadores e uma vontade de juntar este protesto à greve geral de hoje.
Também a escola pública é afetada. A maior parte dos estabelecimentos escolares fecharam - cerca de 70%, segundo o Ministério da Educação -, mas alguns, tal como a escola primária de Dausmenil, no 12.º bairro, estão abertos parcialmente.
"A minha filha mais pequena não tem aulas e a maior tem, portanto eu fico a fazer teletrabalho para cuidar dela e o meu marido, por acaso, também está de férias. A escola disse-nos desde segunda-feira que as coisas se passariam assim", explicou à Lusa Aude, que veio deixar uma das filhas à escola.
Esta escola primária vai ter apenas cinco salas de aula a funcionar e sem atividades extraescolares, o que significa que as crianças vão sair mais cedo.
"Não me incomoda que o meu filho saia mais cedo porque eu hoje não trabalho. Mas se trabalhasse faria greve porque sou professora. De forma geral, o Governo está a abusar nas suas medidas, especialmente em relação à reforma do sistema de pensões", indicou Melanie, referindo que os professores podem ser os que mais vão perder com o novo sistema de pensões que foi proposto pelo Governo francês.
A agência dos correios mais próxima da escola anuncia na porta que hoje está fechada, acrescentado que poderia ser o caso para outras agências à volta. E mesmo se a greve afeta mais o setor público, mais visado pela reforma do sistema de pensões, muitos comércios avisam os clientes que não vão abrir ou que vão encerrar mais cedo.
O regresso a casa é, aliás, o que mais assusta agora Hervé.
"Tenho mais medo em relação a esta noite, se vou conseguir chegar a casa porque acho que ainda vai haver menos transportes, mas com muito mais pessoas", concluiu.