Os relatórios, a que a Associated Press (AP) teve acesso, já deviam ter sido divulgados em maio passado numa reunião da Comissão Conjunta de Fiscalização e Avaliação (CCFA) do fracassado cessar-fogo imposto no país em dezembro de 2017, encontro a que o Governo do Sudão do Sul não compareceu, evitando desta forma que os documentos fossem tornados públicos.
"Os casos são inúmeros e horríveis. Há os casos de uma jovem estrangulada e violada por um grupo de militares e de crianças queimadas vivas depois de soldados governamentais terem bloqueado a porta para impedir a saída delas de uma cabana anexa a uma escola, à qual atearam fogo", indica a AP, que lembra que a guerra civil já entrou no quinto ano.
Segundo a agência noticiosa, os relatórios contêm evidências de que os soldados governamentais "continuam a matar, a cometer violações e a destruir propriedades.
"A decisão de manter em segredo estes crimes e atrocidades está a enviar uma mensagem errada", disse à AP Jehanne Henry, investigador sénior da organização Human Rights Watch (HRW), lembrando que apenas cinco relatórios foram divulgados este ano.
Por seu lado, contactado também pela AP, Edmund Yakani, diretor executivo da Organização da Comunidade para o Reforço do Progresso, instituição que congrega também um grupo de advogados sul-sudaneses, defendeu que a União Africana (UA) e a Comunidade dos Estados da África Oriental, que medeiam o conflito no Sudão do Sul, devem incrementar mais ações no terreno.
"O silêncio em relação às violações encoraja novas violações", alertou.
Cópias dos relatórios sobre as atrocidades ainda por divulgar foram, porém, disponibilizados a diplomatas das Nações Unidas, Estados Unidos, Reino Unido e de outros países, mas nenhum deles divulgou ou publicitou os dados neles contidos, segundo as informações recolhidas pela agência noticiosa.
O Governo sul-sudanês, por seu lado, também não respondeu nem aos pedidos de comentário aos relatórios nem explicou as razões que o levaram a faltar à reunião de abril.
Os relatórios ainda por divulgar, refere a AP, descrevem violações tanto por parte das forças de segurança regulares como das da oposição. Mas, na maioria dos casos, a responsabilidade é atribuída às tropas governamentais, que instigam os ataques que visam deliberadamente alvos civis.
Como exemplo contido num dos relatórios, a AP dá conta de que, em fevereiro, um ataque a uma escola na localidade de Modit, um grupo de crianças procurou esconder-se numa cabana para evitar as tropas governamentais que, depois de descobrirem o local, trancaram a porta e incendiaram a barraca, matando todos os que ali se encontravam.
Um outro caso contido noutro relatório, descreve como numa povoação em Yei, uma jovem rapariga que tinha ido buscar água ao rio foi estrangulada depois de, junto com a mãe, ter sido violada sistematicamente por soldados governamentais.
Mais de 30 casos de violações sexuais foram registados em Yei e arredores nos três meses seguintes ao acordo de cessar-fogo assinado em dezembro.
O grupo que elaborou os vários relatórios, integrado no Mecanismo de Fiscalização do Cessar-Fogo e de Preparativos para uma Transição com Segurança, dependente, por sua vez, da Comissão Conjunta de Fiscalização e Avaliação, não está mandatado para publicar os documentos, cabendo a tarefa à comissão.
A AP refere que o acesso da agência noticiosa a partes dos relatórios surge numa altura em que a comunidade internacional está a "perder a paciência" com a guerra civil sul-sudanesa, que já causou dezenas de milhar de mortos e gerou uma das maiores crises de refugiados em África desde o genocídio no Ruanda, em 1994.
Os Estados Unidos, o maior doador do Sudão do Sul, tem intensificado a pressão sobre o Governo de Juba, capital sul-sudanesa, argumentando com as alegações de que as autoridades locais são quem mais lucra com o conflito em vez de lhe tentarem pôr cobro.
Na semana passada, o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução apresentada pelos Estados Unidos que alerta para a imposição de um embargo de armas e com sanções contra seis altas parentes militares sul-sudanesas se a guerra persistir.
No entanto, os Estados Unidos, bem como outros países ocidentais, insistem na ideia de que cabe à União Africana e ao bloco sub-regional leste-africano encontrarem uma solução para o fim do conflito e levar os principais responsáveis à justiça.
Washington, prossegue a AP, tem apelado às instituições de fiscalização do cessar-fogo no Sudão do Sul para divulgarem os relatórios, bem como lamentado que o Governo sul-sudanês tenha faltado à reunião de maio, inviabilizando a divulgação dos vários documentos.
"É importante que os responsáveis pelo conflito e pelas violações sejam responsabilizados pelos seus crimes, para garantir a segurança dos civis sul-sudaneses, que continuam a ser as vítimas da violência e da falta de credibilidade do processo de paz", concluiu, por seu lado, o representante do Reino Unido para o Sudão do Sul, Chris Trott.