Começou com o Olivier Avenida, um espaço requintado que conta com uma carta “de inspiração mediterrânica com uma forte associação ao gosto tradicional da cidade de Lisboa”, e, em pouco tempo, o negócio expandiu-se a outros restaurantes, cada um com o seu conceito, a que dedicou mais atenção durante os quatro anos em que ocorreram as aberturas. Na celebração dos 10 anos do Olivier Avenida, o chef regressa à casa onde admite que passa mais tempo, fazendo questão de ir à mesa de todos os clientes. Apesar disso, não deixa de manter uma presença assídua nos outros restaurantes que assina.
O Guilty é um convite a um público mais jovem, o K.O.B. orgulha-se de ser o primeiro restaurante de carnes maturadas do país e o Yazuka, oferece uma diferente experiência da cozinha japonesa. Comum a espaços tão diferentes está a atenção ao cliente e às tendências, assim como o constante afinar para um restaurante que se quer aproximar do ideal mas onde acha que nunca chega: “Falta sempre alguma coisa”.
Olivier iniciou a sua carreira como chef, como hoje ainda é conhecido, mas atualmente o papel que mais desempenha é o de empresário, que acompanha o comportamento do mercado e faz por responder à tendência em cada um dos espaços que a que empresta o nome, desde a carta à decoração.
Por Portugal, recebe quase tantos estrangeiros como portugueses, um aspeto que acredita ter tido peso no crescimento de que se orgulha, mas sabe, sem modéstia, que o sucesso do seu negócio em muito se deve ao seu trabalho que resultou num aumento do lucro de 13% em 2017, com uma faturação superior a sete milhões de euros. A tendência parece ser continuar a crescer, como provam os dados do primeiro trimestre.
É inegável todo o seu prestígio enquanto chef e empresário. Como se descreve nestes dois papéis?
No início da minha carreira, estava totalmente focado na conceção de receitas minhas, inspirado pelas minhas raízes gastronómicas e pela procura permanente de novos sabores. Sentia-me entusiasmado a testar ingredientes inovadores e a criar novas combinações e pelo momento decisivo, que mais prazer me dava, de quando o prato chegava à mesa para ser testado. Pelo paladar, pelo aroma, mas também pela forma como se apresentava aos olhos.
Posso, por isso, dizer que comecei a minha carreira como chef, mas, muito cedo fui percebendo que as pessoas procuram num restaurante uma experiência que vai além da gastronomia, e acabei por me ver confrontado com uma outra realidade, mais abrangente. Com o evoluir do tempo, a minha veia de empresário obrigou-me a dar maior atenção à criação de conceitos que englobam muito mais do que uma experiência “meramente” gastronómica.
Trabalho com as minhas equipas diariamente na definição e afinação constante de tudo o que servimosJá há alguns anos que não sou eu quem está na cozinha a produzir as receitas dos meus restaurantes, mas trabalho com as minhas equipas diariamente na definição e afinação constante de tudo o que servimos aos nossos clientes. Desde a seleção dos ingrediente, até à forma de servir cada prato. Do atendimento ao cliente, à chegada, à escolha dos vinhos, tudo faz parte de um processo mais vasto, que permite criar uma experiência dos sentidos no cliente.
Conta com vários e diferentes espaços, cada um com o seu conceito próprio. É esta a chave para o seu sucesso?
Sim, diria que me preocupei em criar conceitos alternativos e que não sejam concorrenciais entre si, por forma a permitir uma abrangência considerável de públicos distintos. Em todos os meus espaços, há muito rigor e exigência para manter um elevadíssimo critério de qualidade, seja nos produtos que servimos e no serviço que prestamos, seja em toda a envolvente dos espaços que concebemos.
Se é verdade que temos tido sucesso, ele deve-se sobretudo ao nível de qualidade que exijo a mim próprio e às minhas equipas, mas também, e acima de tudo, ao ambiente e atmosfera que cada espaço representa.
O conceito de cada um dos seus restaurantes adapta-se à zona lisboeta onde se encontra. A par deste aspeto, o que difere cada um?
Tudo é diferente em cada espaço! Das receitas, à decoração e iluminação, passando pelas equipas, tudo tem o seu ADN próprio, consistente e coerente com o conceito de cada restaurante.
O Olivier Avenida é o mais antigo dos meus restaurantes e nele é possível encontrar um ambiente exclusivo e uma carta de inspiração mediterrânica com uma forte associação ao gosto tradicional da cidade de Lisboa. Tem uma decoração elegante e romântica e é um espaço requintado com um ambiente cosmopolita.
O Guilty é um espaço moderno, 'trendy' e mais versátil, onde é possível experimentar sensações novas nas saladas, hambúrgueres ou pizzas que criámos de acordo com o conceito de ‘casual food with twist’.
Já o K.O.B, as iniciais de ‘knowledge of beef’, foi o primeiro restaurante de carnes maturadas em Portugal. Ali servimos desde os bifes nacionais Black Angus, com 35 dias de maturação, ao famoso bife da vazia Wagyu, proveniente do Japão e considerado um dos melhores em todo o mundo.
Não é por acaso que o Yakuza First Floor é o restaurante mais bem classificado pelos utilizadores da Zomato
O Yakuza First Floor, junto ao Rato, é um espaço de que muito me orgulho e não será por acaso que este é o restaurante mais bem classificado pelos utilizadores da Zomato, com um rating de 4.9, em 5. À interpretação que criámos da cozinha japonesa, junta-se a experiência de um espaço arrebatador.
Ainda nesta zona fica o Petit Palais, um espaço para eventos que temos estado a gerir e que se situa num palacete do século XIX. Tem um ambiente sofisticado e especial, inspirado nos grandes palácios franceses.
O público difere de espaço para espaço. Limita a sua clientela neste sentido?
O cliente não é, nem deve ser, encarado por nós como estando limitado a cada espaço. O nosso cliente é a razão para existirmos e a sua escolha é sempre livre.
É curioso constatar que temos uma base considerável de clientes que frequentam todos os espaços porque sabem que encontrarão experiências diferentes, sempre com os mesmos critérios de qualidade e com um ambiente selecionado e requintado.
Adapta os restaurantes ao ‘tipo’ de cliente ou o conceito de cada espaço é fixo?
Quando imagino um novo restaurante, penso sempre naquilo que gostaria de encontrar, enquanto cliente e consumidor. Há dias que me apetece um jantar calmo num ambiente requintado e outros em que gostaria de ser surpreendido por um ambiente mais informal.
Gosto particularmente dos ingredientes e das inúmeras combinações da comida tipicamente portuguesa, mas também gosto de inovar com sabores menos comuns na nossa gastronomia.
E estou atento à oferta que existe em Lisboa, por forma a perceber quais são os detalhes que os clientes procuram e as áreas em que existe espaço para inovar. Quando abrimos o K.O.B. não existia em Lisboa um espaço exclusivamente dedicado a confecionar carne, nomeadamente carnes maturadas, por exemplo.
Ao criar um restaurante, sei que existe mercado para ele Ao criar um restaurante, sei que existe mercado para ele. O conceito de cada espaço faz parte daquilo que oferecemos, enquanto experiência, e não é limitado à clientela, embora esteja permanentemente a ser afinado e melhorado.
O que unifica o público do Olivier?
Eu diria que é aquilo que eu chamo a 'movuca', que não é mais do que a aglomeração festiva e animada de pessoas que gostam de desfrutar de um ambiente cuidado e descontraído.
A animação dos espaços que desenhei ao longo do tempo é algo a que temos dado toda a atenção e faz parte da experiência global que os nossos clientes procuram. Obviamente que essa animação varia de restaurante para restaurante, pois aquilo que se espera no Guilty, que é um espaço mais jovem e descontraído, não é aquilo que se pode encontrar no Yakuza, um espaço requintado e exclusivo. O que é transversal a todos os restaurantes com a chancela Olivier é a exigência de qualidade.
Certamente que conta com muita clientela estrangeira. Qual a proporção de portugueses para estrangeiros?
Neste momento, recebemos cerca de 30% de estrangeiros, um número que tem vindo a crescer com o aumento do fluxo turístico que se tem verificado na cidade de Lisboa.
Acredito que este número possa chegar aos 50%, mas não mais do que isso.
A verdade é que não queremos ter restaurantes que vivam maioritariamente de clientes estrangeiros – não só porque não seria equilibrado ou seguro, do ponto vista do negócio, mas também porque acreditamos não ia ser uma boa experiência nem para uns, nem para outros.
Nota que o turismo de restauração tem-se alterado? Quando sentiu tal mudança?
Sem dúvida. É impressionante a quantidade de novos espaços que abrem todas as semanas em Portugal, mais concretamente em Lisboa, principalmente no decorrer dos últimos quatro ou cinco anos.
E, se há alguns conceitos novos que são bastante interessantes, a grande maioria acaba por ser uma cópia de outros espaços que já existem, o que não traz nada de novo ao panorama da restauração.
Adaptou-se à mudança, ou o crescimento de faturação, que se aponta em 2017, deve-se também ao aumento do turismo?
É claro que o aumento do turismo também contribuiu para o nosso crescimento. Mas eu, pessoalmente, atribuo um papel mais relevante à estratégia que definimos para o grupo, no início de 2017, e ao trabalho desenvolvido desde essa altura.
A nossa estratégia passou fundamentalmente por profissionalizar a equipa de gestão e focar todas as atenções na melhoria dos produtos e na operação das quatro marcas existentes, revendo conceitos mais antigos e lançando novos subprodutos. Paralelamente, temos estado a desenvolver uma estratégia de marketing, investindo em comunicação e relações públicas de forma muito consistente, criteriosa e exigente.
O consumidor português, como consumidor exigente, volta sempre aos espaços que lhe dão garantia de qualidade
E o cliente português, o que procura? Ao longo da sua carreira, acha que o cliente nacional mudou os seus interesses?
O consumidor português está cada vez mais exigente e conhecedor. Os nossos clientes sabem o que procuram e valorizam a qualidade do serviço e a inovação. É o tipo de pessoa que gosta de ir conhecer as novidades, mas como consumidor exigente que é, volta sempre aos espaços que lhe dão a garantia de qualidade e bom ambiente.
E o próprio Olivier, em que mais mudou desde o início de carreira até aos dias de hoje?
Hoje em dia, sinto que tenho muito mais experiência e ganhei muita maturidade. Reconheço que nem sempre soube lidar com o crescimento exponencial que fui tendo ao longo destes 20 anos. Na vontade que sempre tive de inovar e lançar conceitos ‘fora da caixa’, acredito que possa ter-me excedido na criação de alguns conceitos que o mercado ainda não estava à espera naquele preciso momento.
Mas este é um setor de risco e se há algo de que me orgulho é de ter a capacidade de estar permanentemente a avaliar aquilo que não está a correr tão bem e a implementar as mudanças e as afinações necessárias. Mesmo aqueles espaços que criei e que foram menos bem-sucedidos, ao longo do tempo, foram sempre bons negócios, do ponto de vista da operação.
Muitas celebridades passam pelos seus restaurantes. Que momentos mais o marcaram ao longo da sua carreira?
Felizmente, fiz e continuo a fazer muitas amizades nesta minha profissão, onde incluo algumas destas celebridades, mas a relação que tenho com as pessoas é a mesma com toda a gente. Quem me conhece sabe que sou um amigo verdadeiro, por isso não tenho nenhum momento que mais me tenha marcado. Sinto-me honrado por todas as pessoas que frequentam os meus restaurantes e dos amigos, sejam eles figuras públicas ou não, apenas espero que possamos estar juntos sempre que as suas vidas o permitem.
É no Olivier Avenida que passa mais tempo. Porquê?
Sim, o Olivier Avenida é claramente “a casa do Olivier” e o sítio onde passo mais tempo. Na definição da estratégia que já referi, identificámos que o Olivier Avenida é a única das minhas marcas que tem efetivamente o meu nome – não é apenas “by Olivier”. É o mais antigo dos meus restaurantes – comemora, este ano, o seu décimo aniversário – e funciona como a minha casa. É o espaço onde tenho as minhas receitas e os meus 'best sellers' dos últimos 20 anos, onde eu recebo todos os meus clientes, dou a cara e não dispenso ir às mesas.
Depois de ter estado cerca de quatro ou cinco anos mais dedicado à abertura dos novos conceitos que fui criando, senti que era altura de voltar a focar-me no Olivier Avenida e repensar todo o produto, processo que se iniciou em maio do ano passado e que tem tido resultados surpreendentes.
Qual a sua assiduidade em cada espaço?
Diária! Independentemente de estar mais tempo no Olivier Avenida, sempre que estou em Lisboa, vou todos os dias aos meus outros espaços. Gosto de estar presente, de falar com os meus clientes e de ver se está tudo bem. Faço reuniões regulares com as minhas equipas que estão no terreno e trabalhamos permanentemente nas afinações que são necessárias.
Gosto de controlar tudo o que se passa em cada espaço
Confia os seus espaços a pessoas com quem trabalha? O que tem imprescindivelmente de passar por si?
Sim, tenho muita confiança em todo o meu grupo de trabalho, mas assumo que, como sou ultra exigente comigo próprio e com eles no que diz respeito à qualidade do nosso produto, gosto de controlar tudo o que se passa em cada espaço.
Não me envolvo na gestão corrente do dia a dia, mas exijo saber tudo. É por isso que não dispenso as reuniões regulares com as equipas responsáveis pela operação do diária.
O seu negócio já marca presença além-fronteiras. Após cerca de um ano, como descreve o lançamento do Seen?
O Seen é um projeto inacreditável e de que muito me orgulho. Confesso que ultrapassou largamente as nossas espectativas (tanto as do Tivoli como as minhas) e é considerado por muitos um dos melhores restaurantes de São Paulo [Brasil].
O sucesso desta experiência, que desenvolvi em colaboração com o grupo Tivoli, tem sido tão grande que posso acrescentar que estão a surgir uma série de novas oportunidades para crescimento desta marca.
Porquê São Paulo?
A cadeia Tivoli tinha o 23.º andar do hotel Tivoli Mofarrej, em São Paulo, disponível e formulou-me o convite para lançar um conceito que lhes desse garantias de sucesso.
O Seen tem uma das vistas mais incríveis da cidade e desenhei um restaurante surpreendente, com um bar 360º e um ambiente marcado por uma certa nostalgia 'art déco'.
Há novos projetos já para este ano. O que nos pode avançar?
Depois de ter investido na consolidação da operação das marcas atuais do grupo em 2017, estamos preparados para lançar novos projetos durante o ano de 2018.
Neste momento ainda não posso revelar detalhes, mas posso assegurar que estamos em fase final de preparação para abertura de novos espaços e de novas marcas. Acredito que estas novidades fiquem firmadas até ao verão deste ano e as mesmas vão implicar uma alteração profunda no nosso portefólio de produtos, enquanto grupo.
Ao longo da sua carreira de duas décadas, aponta algum negócio ou projeto que não tenha tido tanto sucesso ou que tenha optado por, afinal, não avançar?
Claro que, em mais de 20 anos de carreira e com o meu espírito irrequieto e empreendedor, houve muitos negócios e projetos que, por uma razão ou por outra, não tiveram uma maior longevidade.
Outras ideias houve que nem sequer chegaram a sair do papel, mas não posso dizer que houve alguma que tenha sido um fracasso, ou que tenha feito maus investimentos.
Confesso que sou muito intuitivo e intempestivo em relação aos negócios. Quando me sinto desconfortável com determinado projeto, prefiro sair ou fechar do que estar a consumir energias desnecessariamente. Tenho tantas coisas com que ocupar o meu tempo que tento ser o mais pragmático possível na sua gestão.
Mas nenhum destes projetos morre. Ficam em carteira para serem trabalhados no futuro, é tudo uma questão de tempo.
O que falta à marca Olivier?
Falta tudo. Nunca estou 100% satisfeito e acho sempre que falta alguma coisa em tudo o que faço.