"Aquilo que aconteceu em [19]89, com a passagem para o novo sistema retributivo, vai repetir-se agora com os suplementos remuneratórios. É lamentável que as reformas na administração pública tenham este percurso: vem um Governo faz, vem outro desfaz, depois a seguir o outro faz e o outro desfaz e a questão da administração pública é tratada desta forma, sem haver racionalidade na gestão da coisa pública", afirmou a presidente do STE em declarações à agência Lusa.
Manifestando "apreensão" com o diploma que revê a tabela de todos os suplementos na administração pública, hoje publicado em Diário da República, Maria Helena Rodrigues disse ter "dúvidas" relativamente a como vai ser feita a integração na tabela única dos trabalhadores que hoje têm suplementos remuneratórios e à criação de um "diferencial de integração", receando que acabem por ficar "num nível abaixo da tabela de suplementos".
"Vai traduzir-se claramente em perda de remuneração", antecipou a dirigente sindical.
À Lusa, Maria Helena Rodrigues disse ainda não saber "a que árvore da floresta é que este diploma se vai aplicar", mas assegurou que se destina "a muito menos de 50% dos trabalhadores com eventuais suplementos remuneratórios".
"A revisão dos suplementos remuneratórios é para uma parte muito pequena [dos trabalhadores], porque a grande percentagem dos que têm hoje suplementos está fora da aplicação do diploma", notou, apontando como exemplos os gabinetes de apoio aos membros do Governo, as forças militares (como a GNR e a PSP) e as magistraturas.
Por outro lado, acrescentou, "aos trabalhadores que exercem funções em condições gravosas -- como os médicos veterinários que fazem a inspeção fitossanitária às carnes e peixes nas lotas e matadouros, a maior parte dos quais trabalha em horário noturno e paga do seu bolso os meios próprios com que se deslocam até aos locais de trabalho - provavelmente agora, em vez de corrigirem a integração numa carreira específica de inspeção, vai ser atribuído um suplemento sabe-se lá de que valor".
Neste contexto, a dirigente do STE sustenta que a função pública, cujo atual sistema remuneratório já "não é de fácil leitura nem tem racionalidade a nível dos grupos profissionais", passará a ter um sistema "ainda mais opaco e sem qualquer coerência".
"Arriscamo-nos a dizer que, daqueles menos de 50% [de trabalhadores com suplementos abrangidos pelas novas regras], poderá haver para cada trabalhador, cada remuneração, sendo certo que uma parte é fixa e outra parte é suplementar", sustentou.
Para a sindicalista, "não é esta a reforma da administração pública que os portugueses julgam adequada e os trabalhadores sentem-na na pele, mais do que ninguém, como profundamente errada".
Nos próximos dois meses, o Governo vai distribuir todos os atuais suplementos remuneratórios da Função Pública por 17 categorias, no âmbito do novo decreto-lei hoje publicado e promulgado pelo Presidente da República na quinta-feira.
Segundo o diploma, o Governo tem 60 dias para rever os suplementos e decidir os que se mantém, os que são extintos e os que deixam de ser auferidos, tendo os responsáveis máximos pelos serviços um prazo de 30 dias, contados a partir de hoje, para comunicarem "os suplementos remuneratórios que processam, bem como o respetivo enquadramento, fundamentos, pressupostos e critérios de atribuição".
A 22 de janeiro, a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, afirmou que o diploma agora publicado irá "criar coerência e transparência na administração pública".
Em causa estão um total de cerca de 700 milhões de euros que o Estado distribui anualmente, divididos por mais de 200 justificações diversas, conforme as funções exercidas.
A intenção do executivo da maioria PSD/CDS-PP é "racionalizar e uniformizar" aquelas formas de pagamento, pondo fim a algumas e fundindo diversas outras.