Meteorologia

  • 26 ABRIL 2024
Tempo
12º
MIN 12º MÁX 17º

"Abdiquei de tanto que não imagino forma de viver que não pelo futebol"

Em entrevista ao Desporto ao Minuto, João Amaral fala dos sacrifícios que teve de fazer para chegar ao principal escalão do futebol português e admite o "sonho" de representar a seleção nacional.

"Abdiquei de tanto que não imagino forma de viver que não pelo futebol"
Notícias ao Minuto

07:57 - 09/03/18 por Carlos Pereira Fernandes e Luís Alexandre

Desporto João Amaral

Aos 26 anos, João Amaral cumpre o sonho de uma vida e serve como exemplo para milhares de jovens (e não só) jogadores que militam nos escalões amadores no futebol português.

Há pouco mais de ano e meio, o extremo natural de Vila Nova de Gaia alinhava pelo Pedras Rubras, conjunto do Campeonato de Portugal. O ordenado não era 'grande', mas chegava para ajudar a mãe. Agora, é pedra-chave no Vitória de Setúbal.

É o segundo jogador mais utilizado em todo o plantel sadino, a apenas 80 minutos do ‘maratonista’ Costinha. É também o segundo melhor marcador português do campeonato – leva oito golos, menos um do que Paulinho, do Sporting de Braga. Fatura tanto quanto Bruno Fernandes e mais do que ‘pesos pesados’ como Pizzi, Gelson ou o seu antigo companheiro de equipa, Gonçalo Paciência.

Em entrevista ao Desporto ao Minuto, João Amaral recorda os tempos em que “saía do trabalho a correr e já chegava com 15 ou 20 minutos de atraso aos treinos, mas treinava na mesma” e assume o desejo de chegar à seleção nacional.

Era um sonho que tinha, mas que estava já a ficar escasso pela idade

Estatisticamente, esta é a melhor época da tua carreira. Pessoalmente, sentes que estás no pico da tua forma?

Sem dúvida, é a minha melhor época, mesmo falando de campeonatos amadores. Ainda se torna mais importante pelo facto de o ano passado ter sido o meu primeiro em Setúbal. Este seria o ano de afirmação, de maior responsabilidade, em que as pessoas já não iriam olhar para mim e pensar ‘é o primeiro ano que está cá’. Felizmente está a correr bem.

Sentes outro tipo de pressão?

Não, coloco em mim sempre a mesma pressão. Quero sempre ser o melhor ano após ano. Se estiver melhor, ajudo mais a equipa. A pressão é a mesma, o que os outros esperam de mim… A mim interessa-me é o que o mister me pede e como respondo.

Os números estão dentro das metas que tinhas estabelecido para esta época?

Não tinha estabelecido qualquer meta, mas não esperava chegar a esta altura do campeonato já com tantos golos e assistências. É bom, estou feliz. A meta é, jogo a jogo, fazer o melhor pela equipa.

És dos jogadores mais utilizados por José Couceiro. Tem sido complicado gerir o esforço?

Um pouco, mas isso é bom, eu quero jogar sempre. Tive aqueles dois problemas de desgaste, na coxa, mas são coisas que acontecem no futebol. Até nos melhores clubes do mundo vemos isso a acontecer a jogadores.

E esperavas ter tanta preponderância tão rapidamente?

Não. No primeiro ano, quando cheguei aqui, achava que poderia ter alguma oportunidade em jogos da Taça de Portugal ou Taça da Liga, em que o mister quisesse rodar a equipa. No entanto, no ano passado, esses até foram alguns dos jogos que não joguei. Em 42 jogos, fiz 37. Não esperava uma afirmação tão plena e tão rápida. Não é muito diferente, mas a intensidade é totalmente diferente dos campeonatos amadores. Vim com esperança, com sonho, para trabalhar, e foi o que aconteceu.

Lembras-te do que mais te surpreendeu quando chegaste?

Tudo. O entrar no Bonfim pela primeira vez, para treinar, e olhar para as bancadas… Tudo o que eu via na televisão e que sonhava que poderia acontecer, estava ali. Os próprios balneários eram diferentes, a mística, os adeptos. Isso também acontece muito nos campeonatos amadores, mas o futebol na I Liga é acompanhado pelas televisões, mostra mais. Era um sonho que tinha, mas que estava já a ficar escasso pela idade que tinha, não estava a ver que poderia lá chegar.

Aos 19 anos deixei a escola para ir trabalhar e ajudar a minha mãe, e mesmo assim ia aos treinos

Chegaste à I Liga com 24 anos, há quem diga que já é tarde…

Tinha dado uma meta: até aos 25 anos chegar aos campeonatos profissionais. Tive sorte, aconteceu, o mister Couceiro deu-me essa oportunidade, ficou comigo. Treinei na pré-época, trabalhei bem. As pessoas à minha volta, a minha família, diziam-me que não estavam à espera que fizesse tanto na pré-época. Tenho tudo a agradecer ao Vitória e ao mister.

Há assim tanta qualidade esquecida nos campeonatos amadores?

Há muita qualidade. Tive muitos amigos de que se esperava que chegassem a muitos lados e que infelizmente não conseguiram. Os clubes da I Liga procuram cada vez mais nos campeonatos profissionais, o Vitória Setúbal é uma referência disso mesmo. Antes de mim, já tinham ido buscar o Vasco Costa, o Ruca, o Costinha… Há muita qualidade. A diferença está na diferença de intensidade, senti alguma dificuldade com isso. Mas com o sonho e com a vontade, tudo se ultrapassa. Viemos lá de baixo, tivemos esta oportunidade. Quantos e quantos existem que gostavam de ter a oportunidade que tive. Tentei agarrá-la com tudo.

Antes do Vitória conseguias dedicar-te a 100% ao futebol?

Nos últimos dois anos, dediquei-me completamente só ao futebol. Consegui receber algum ordenado, que não era muito, mas que dava para, com a ajuda da minha família, orientar-me. Sentia que, naqueles dois últimos anos, não podia… Não era não querer, porque nos anos anteriores trabalhei. Aliás, aos 19 anos, no segundo ano de júnior, deixei a escola para ir trabalhar e ajudar a minha mãe, e mesmo assim ia aos treinos. Saía do trabalho a correr e já chegava com 15 ou 20 minutos de atraso aos treinos, mas treinava na mesma.

Se não tivesses feito essa ‘pausa’ teria sido possível chegar aqui?

O problema nunca foi o trabalhar. O problema é que, depois de um dia de trabalho, um jogador quando vai treinar, por mais vontade que tenha, nunca vai totalmente focado, porque já vai cansado. A evolução nunca é total porque já não se tem o mesmo discernimento. A vontade já não é a mesma, porque temos família em casa, gostamos de descansar, e isso prejudica. Nestes dois últimos anos disse que, para dar tudo, tinha que me focar totalmente no futebol. E foi o que fiz. Trabalhava em coisas à parte. O meu irmão tinha um bar no Porto, em que eu trabalhava. Aquilo fechava cedo, às 2h da manhã, e os meus treinos eram à noite, por isso nunca saía prejudicado. Trabalhava alguns dias, quando ele precisava, para fazer algum dinheiro para mim.

Chegaste a pensar que não seria possível fazer vida do futebol?

Passou-me algumas vezes pela cabeça que, afinal, não ia dar. Mas nunca desisti. Pensei sempre ‘dei aquela meta até aos 25 anos. Se conseguir, consegui. Não consigo? Tenho que ir trabalhar’. Iria continuar a jogar futebol da mesma forma, mas se calhar já ia pensar de outra maneira. Vivia só com a minha mãe, tinha que a ajudar, tinha que ser independente. Nunca desisti porque é algo de que não se pode desistir. Se se sonha, tem que se tentar até ao fim.

Consegues imaginar o que serias se não fosses futebolista?

Imaginar… Talvez não, porque isto foi tudo na minha vida. Deixei tudo quando era miúdo. Deixei de sair à noite, deixei de jantar com os amigos antes dos jogos. Eles diziam ‘Vá, anda jantar’. Eu dizia ‘Não posso, porque vocês vão comer francesinhas ou o que seja, e eu não posso. Tenho que comer em condições’. Tive muitos amigos a dizer ‘O teu jogo é só domingo, sais na sexta-feira à noite, tens o sábado todo para descansar’. Pois, é verdade. Mas não durmo de noite, vou dormir durante o dia todo. Depois já troquei os sonos, de sábado para domingo não tenho sono, domingo vou acordar com aquela moleza. A preparação nunca iria ser a mesma. Abdiquei de tanta coisa que não imaginaria outra maneira de viver que não pelo futebol.

A derrota com o Sporting na final da Taça da Liga foi o pior momento da época

Que balanço fazes da época do Vitória até agora?

Está a ser uma época difícil. Toda a gente sabe e a classificação não mente. Felizmente, estamos melhor neste momento. Conseguimos uma vitória muito importante contra o Rio Ave. Vem aí o jogo com o Marítimo e esse é o mais importante. Depois, para a frente, logo se vê. Temos pensado assim. Infelizmente, por umas razões ou outras, por erros de arbitragem, por erros nossos… No ano passado não tivemos estas lesões todas. O futebol é mesmo isto. Há épocas melhores, épocas piores. Esta não está a ser tão boa, mas estamos a dar tudo para conseguir o objetivo da manutenção, e vamos consegui-lo.

Contavas que a equipa já estivesse mais aliviada neste momento?

Sem dúvida. A equipa tem qualidade, joga bem, cria ocasiões. Por uma ou outra razão, às vezes cometemos erros. Mas no futebol tem de haver erros, senão não havia golos. Já contava estar, pelo menos, a meio da tabela já com pontos suficientes para evitar a descida. Temos que lutar até ao fim.

Vai ser uma luta até à última jornada?

Daremos tudo para que fique resolvido o mais breve possível. Não será já. No ano passado, 30 pontos chegavam, este ano se calhar 32 já não vão chegar. Se tiver que ser até ao último jogo, lutaremos até ao último jogo. Se não, melhor ainda.

Aquela série de sete derrotas consecutivas já está ultrapassada?

Sim, completamente. Quando perdemos com o Sporting de Braga, vínhamos de nove jogos sem perder. Depois, conseguimos um resultado positivo, voltámos a perder… Agora conseguimos a vitória novamente. Isso já passou, foi uma fase menos boa. Estávamos a dar tudo, mas quando se perde os níveis de confiança baixam imenso. Mas conseguimos dar a volta, mostrámos que somos uma equipa forte. Se calhar, já muita gente não acreditava em nós.

A vitória sobre o Sporting de Braga e o empate com o Benfica na Taça da Liga foram importantes para dar a volta?

São jogos diferentes, estávamos focados e queríamos chegar longe. E chegámos. Até tivemos oportunidade para ganhar. Foram importantes, deram-nos ânimo. Conseguimos mostrar a nós próprios que não éramos tão maus como parecíamos ser. Mostrámos que temos qualidade e que podemos fazer melhor.

Doeu muito perder com o Sporting na final?

Doeu… Foi sem dúvida o pior momento da época para mim. Quem esteve a ganhar tanto tempo por 1-0 ao Sporting… Na primeira parte, o Sporting tinha bola mas não tinha criado nada. É um momento marcante. Quem me viu no estádio, viu que custou muito. Estava de rastos, foi uma derrota muito difícil de digerir.

Diz-se que o Sporting está interessado em ti, o Benfica também…

É sempre bom reconhecerem o nosso trabalho. Estou numa grande instituição, mas todos sonhamos com clubes grandes e com conquistar títulos, ainda para mais depois de tanto tempo à espera deste sonho. É importante, mas não tem peso nenhum. O grande peso que temos aqui é atingir o nosso objetivo. Os clubes grandes… Antes o maior problema fosse ter clubes grandes atrás de nós [risos]. É muito bom, fico contente, mas não penso nisso neste momento.

Mas é um objetivo a concretizar?

Nem é um objetivo, é um sonho. É importante, é um sonho, mas não quero pensar nisso.

E o segundo melhor marcador português do campeonato tem direito a sonhar com uma chamada à seleção?

É um sonho que sempre tive. Representar o nosso país seria o topo da minha carreira. Mas também sei ver como são as coisas. Há jogadores em grande forma, como o Gelson ou o Bruma, para não falar do Ronaldo. Há também o Quaresma ou o Gonçalo Guedes, que está a fazer uma época fantástica no Valencia. Adoraria, daria tudo pelo nosso país, será sempre um objetivo jogar pela seleção, mas para isso tenho que trabalhar todos os anos.

Recomendados para si

;

Acompanhe as transmissões ao vivo da Primeira Liga, Liga Europa e Liga dos Campeões!

Obrigado por ter ativado as notificações do Desporto ao Minuto.

É um serviço gratuito, que pode sempre desativar.

Notícias ao Minuto Saber mais sobre notificações do browser

Campo obrigatório