João Noronha Lopes acredita ser a pessoa certa para recolocar o Benfica na rota dos títulos. Aos 59 anos, o gestor avança para um novo ato eleitoral depois de ter concorrido em 2020 e pede uma mudança aos sócios, lembrando que Luís Filipe Vieira e Rui Costa trabalharam lado a lado nos últimos anos e que agora estão a "lavar roupa suja".
Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, Noronha Lopes aborda a questão dos direitos televisivos, garantindo saber defender os interesses do Benfica, ao mesmo tempo que desvenda os planos que tem para equilibrar as contas.
O candidato às eleições de 25 de outubro também fala sobre o desejo de fazer regressar Bernardo Silva e promete um investimento significativo no Benfica Campus, localizado no Seixal.
Um dos pontos mais polémicos nestas eleições tem sido a questão do voto eletrónico. Qual é a sua posição relativamente a este tema?
É uma posição muito clara. Eu quero que os benfiquistas tenham um voto que seja de acordo com os estatutos, que seja fiável e que garanta a integridade do ato eleitoral. O próximo presidente do Benfica tem de ser eleito sem que existam quaisquer dúvidas. No próprio interesse do futuro presidente e no próprio interesse do Benfica. Não podemos passar mais anos a discutir se o resultado é fiável ou não. Isso é garantido através do voto escrito, sejamos claros. A falta de fiabilidade do voto eletrónico é a razão pela qual não existe voto eletrónico em nenhum país da Europa, exceto na Estónia. E é exatamente a mesma razão pela qual não existe voto eletrónico nas eleições legislativas em Portugal ou nas eleições para a Presidência da República, nem em clubes como ao Real Madrid ou o Barcelona. Isto deve-se à falta de fiabilidade do voto eletrónico. Houve uma tentativa em Portugal de fazer o voto eletrónico nas eleições europeias em Évora e não correu bem.
Falando do processo, nós estamos desde junho a perguntar ao Presidente da Assembleia Geral como é que ele vai garantir que o voto chegue ao maior número possível de sócios do Benfica. Sugerimos o voto por correspondência e o Presidente da Assembleia Geral negou.
Hoje conhecemos os locais de voto. Acho positivo que tenhamos estas secções de voto no estrangeiro. Na minha opinião ainda poderiam existir mais, porque há um número significativo de benfiquistas noutras cidades. Aquilo que nós queremos, mais uma vez, é que as eleições sejam íntegras, transparentes e que o maior número possível de benfiquistas possam votar.
Também já falou no contrato que tem para Bernardo Silva. Se for eleito, pode garantir aos sócios e aos adeptos do Benfica que Bernardo vai ser reforço?
O Bernardo quer vir para o Benfica, já disse isso publicamente, e eu quero trazer o Bernardo para o Benfica. Vou fazer todos os possíveis para isso acontecer.
Já na próxima temporada, quando acaba o contrato com o Manchester City?
Vou fazer todos os possíveis para que ele venha para o Benfica o mais rapidamente possível.
Qual é o seu plano para reestruturar a financeiramente o Benfica? Admite, por exemplo, vender parte da SAD ou isso está fora de questão?
Há aqui duas questões: a financeira e a dos investidores. Aquilo que teria feito se já tivesse sido presidente do Benfica, seria um programa de compra de ações dos investidores minoritários para permitir depois ir à procura dos investidores estratégicos.
Investidores estratégicos poderiam vir da área digital, da área comercial ou da área desportiva, mas que fosse o Benfica a escolher e que eles fossem complementares entre si. Infelizmente isso não foi feito. O Benfica agora já tem um investidor minoritário, com o qual eu liderei enquanto investidor minoritário. Foi isso que eu fiz toda a vida: lidar com investidores e com acionistas. Estou preparado para o fazer e quero perceber exatamente quais são as suas intenções para o Benfica.
O que eu garanto é que o Benfica deterá sempre a maioria do capital. Isso é absolutamente inegociável. Relativamente ao futuro, o Benfica tem antes de mais um problema de equilibrar as receitas e as despesas correntes. Ou seja, as receitas e as despesas sem contar com a venda dos jogadores. E neste mandato, essas despesas apresentam em média um valor negativo de 15 milhões de euros.
Como é que vai resolver esse problema?
Primeiro, obviamente que precisamos de ter sucesso desportivo para que continuemos a contar com as receitas da Champions, que representam 30% a 40%. Por isso é que eu tenho um projeto desportivo muito forte, porque sem as receitas da Champions isto coloca o Benfica numa situação delicada.
Segundo, a questão dos direitos televisivos. O Benfica tem de ter um bom contrato de direitos televisivos. A direção do Benfica disse que tinha um contrato que iria apresentar à próxima direção com valores superiores. Fico satisfeito por haver esses contratos em cima da mesa, mas vamos ver.
Terceiro, aumentar as receitas de dia de jogo. O Benfica tem capacidade de aumentar as receitas de dia de jogo, não através do aumento dos preços dos red pass, porque é impossível pedir aos sócios do Benfica que paguem 20% de aumento todos os anos. Este ano, inclusivamente, houve uma proposta de aumentar os red pass para os jogos europeus de 40%. Quando eu denunciei o assunto, foi retirado do site do Benfica umas horas depois.
E como tenciona aumentar essas receitas no dia de jogo?
Fazendo aumentar as receitas do lado das empresas e não dos sócios individuais do Benfica. Como? Através da monetização de várias atividades que se podem fazer da zona envolvente do estádio. Tenho um plano para isso, e através da melhoria das patches no estádio, como no catering e outros que hoje funcionam muito mal. Do ponto de vista do longo prazo, com um projeto de aumento da capacidade do estádio para 80 mil lugares, para o qual tenho um estudo prévio. Obviamente que isso vai contribuir para fazer aumentar as receitas de dia de jogo. Depois, por outro lado, temos as receitas que são as receitas comerciais: patrocínios e merchandising. O Benfica tem um potencial enorme para expandir.
A nível de produção de conteúdos digitais, através de uma parceria com uma empresa internacional que torna o merchandising do Benfica um merchandising global, através de uma ativação das redes sociais, por exemplo. Tudo isso pode aumentar significativamente as receitas comerciais, que hoje representam cerca de 23% das receitas do Benfica, para valores próximos dos 30%, que são valores próximos de algumas equipas com as quais nós fizemos benchmarking.
E depois, obviamente, há espaço para cortar custos. Nós conseguimos, ativando todas estas rubricas, e não contando ainda com as receitas do novo estádio, transformar um déficit de receitas e despesas correntes de menos de 15 milhões de euros num superávit de 30 milhões de euros por ano.
Considera ter ferramentas para implementar todas essas medidas rapidamente?
Obviamente que para isto é preciso uma equipa, gente competente e gestores que saibam fazer os ajustamentos necessários do lado dos custos, mas também pessoas que tenham experiência para fazer crescer a marca, nomeadamente do ponto de vista internacional. É isso que eu tenho feito a vida toda, tenho pessoas comigo que o sabem fazer do ponto de vista estratégico e do ponto de vista digital. Nós apostamos muito no crescimento das receitas exatamente para tentar equilibrar esta situação. No fundo, o que é que nós queremos com este aumento de receitas? É estar menos dependentes da venda de jogadores. Vamos sempre ter de vender jogadores, mas ao passarmos de uma situação deficitária para uma situação positiva, obviamente que isso nos vai permitir não estar tão dependentes da venda de jogadores.
E, no meio disso, também admite, por exemplo, vender o naming do estádio?
É uma hipótese, mas não tenho pressa para vender o naming do estádio. Tem de haver um parceiro, que seja um parceiro de prestígio e com uma grande reputação internacional. O Estádio da Luz não pode estar associado a qualquer proposta que chegue ao Benfica.
Rui Costa apresentou recentemente o Benfica District, que pretende criar um comércio envolvente no Estádio da Luz. Considera esta uma boa medida?
O Benfica não precisa de centros comerciais ao lado do Colombo, nem precisa de hotéis. O Benfica precisa de concentrar o seu investimento em património em duas coisas. Primeiro, aumentar a capacidade do estádio, da qual já falei e que nos vai ajudar a resolver parcialmente a questão dos red pass. Não totalmente, porque uma parte desses lugares, obviamente, têm de ser lugares corporate, para ajudar ao financiamento do estádio.
Agora, eu não vou apresentar algo aos sócios do Benfica que não seja um projeto completo, e muito menos vou apresentá-lo primeiro ao Governo, à Câmara e aos jornalistas. Tem de de feito com sentido de responsabilidade e com um projeto fechado. Tenho um estudo arquitetónico completo e tenho um estudo financeiro, mas que tem de ser aperfeiçoado com determinados elementos que terei conhecimento quando chegar ao Benfica. E é assim que se devem fazer as coisas. Apresentar um estudo completo aos sócios do Benfica que o vão conhecer em primeira mão.
A segunda coisa é criar melhores condições de comunidade do estádio. Do ponto de vista digital e do ponto de vista do catering. Acho que há uma oportunidade para o fazer e o Benfica tem estado completamente parado relativamente a isso.
E no Seixal, pretende fazer algum tipo de investimento?
Essa é a outra prioridade em termos de investimento: criar condições para o alargamento do Seixal, como constará no nosso programa, nomeadamente em relação a mais campos de treino e mais infraestruturas. Essas são as duas prioridades em termos de investimento que o Benfica tem de fazer. À volta do estádio, o que eu vou fazer não é um projeto imobiliário, é criar a casa do sócio, um local de encontro e convívio para os sócios do Benfica que andam pelo estádio, mas também que seja um local para onde as casas do Benfica podem utilizar quando vierem a Lisboa.
E, depois, revitalizar a zona envolvente, mas de uma forma que não seja muito dispendiosa, à imagem daquilo que se faz noutros estádios e noutras competições da UEFA e da FIFA. Tenho experiência nessa área, e portanto a revitalização do Estádio da Luz obviamente pode ser é uma fonte adicional de receitas e pode ser feita sem ser à custa de betão, mas com capacidade e com conhecimento.
Sobre os direitos televisivos, que tipo de modelo defende?
O projeto de centralização que foi apresentado e que falava em valores de 300 milhões de euros era completamente irrealista à época. Durante três anos não se fez rigorosamente nada sobre isto. E o Benfica também não fez nada. Ou seja, o Benfica ficou parado à espera que aparecesse um projeto que já na altura se sabia que podia ser lesivo dos interesses do Benfica em cerca de 20 milhões de euros.
E depois de estar parado durante tanto tempo, quando havia de facto o risco do Benfica ser prejudicado, dispara em todas as direções após os acontecimentos vergonhosos que aconteceram na final da Taça de Portugal e sai fora do processo. E o Benfica não pode estar fora do processo de direitos de televisivos. Não pode. Passámos do oito para o 80. E esta direção revela, mais uma vez, total falta de estratégia e desnorte. E pior, não defende os interesses do Benfica.
Como é que é possível que se entregue um projeto à Autoridade da Concorrência relativamente ao qual é dado conhecimento ao Benfica? Isto não pode acontecer. O Benfica não pode estar fora do processo de centralização. Mas tem de ser outro projeto de centralização. O Benfica enche estádios, gera mais audiências e contribui mais para a economia local. O Benfica quer apenas aquilo a que tem direito. E nesta discussão há que ter em atenção uma coisa: Portugal tem condições únicas. Tem três clubes que representam 94% das receitas. E nesta percentagem a maior parte das receitas é gerada pelo Benfica.
Todos nós queremos melhorar o futebol português, mas os direitos televisivos são apenas uma parte disso. Temos de olhar para a reformulação dos quadros competitivos, temos de olhar para as infraestruturas e também temos de ser sensíveis ao facto de os clubes que disputam competições europeias, como o Benfica, não poderem chegar às competições europeias com uma sobrecarga de jogos que coloquem em causa a sua competitividade e as receitas que vêm da Champions.
Defende, então, a redução do número de jogos?
Eu digo que nós temos de ter uma perspectiva holística relativamente a isto tudo. Centralização, reformulação dos quadros competitivos, redução do número de jogos que não nos façam ganhar competitividade na Europa e depois a partir daí eu sou apologista de fazer funcionar o mercado. Que se criem condições de mercado para que todos os operadores possam apresentar propostas, porque foi assim que nós conseguimos ter, em 2015, um valor de direitos televisivos que na altura foi um valor bastante elevado. Foi porque tivemos condições de mercado e de concorrência entre vários operadores. Temos de as criar, em diálogo com a Autoridade da Concorrência, explicando quais são as especificidades do futebol. É assim que nós lá vamos chegar e o Benfica obviamente vai proteger os seus interesses. E se eu tiver de estar isolado na defesa dos interesses do Benfica, vou estar, porque essa é a minha prioridade.
Falou do apoio de Rui Costa ao projeto Pedro Proença. Qual seria a relação que o presidente Noronha Lopes teria com Pedro Proença e também com o Presidente da Liga?
O Benfica quer ter boas relações institucionais com todas as instâncias do futebol português. Mas eu vou ser muito claro. Quem não respeitar o Benfica, não vai ser respeitado. E eu não me vou esconder. Quando o Benfica for prejudicado, não me vou esconder atrás de comunicados quando for preciso dar a cara. Isto não quer dizer falar sempre, mas sim quando é importante. E falar na altura certa, não quando está tudo perdido. O que os benfiquistas podem contar da minha parte é uma defesa intransigente dos interesses do Benfica.
E há outra coisa que eu trago para estas eleições. Eu sou uma pessoa completamente independente. Estou neste lugar, não devo nada a ninguém, não tenho amizades com as pessoas que estão no futebol, não fui empurrado para isto e não tenho de fazer alianças com A ou com B. Sou completamente independente. Luís Filipe Vieira já apoiou Pedro Proença. Rui Costa tem apoiado Pedro Proença. Sou o único que nunca apoiou Pedro Proença. É isso que eu garanto aos benfiquistas. Respeito institucional, mas não vou ficar calado e não vou ficar quieto quando o Benfica estiver a ser prejudicado. Isto aplica-se às relações com a Liga, às relações com a Federação e também se aplica às relações com os nossos adversários.
Admite, então, sentar-se ao lado de Frederico Varandas e André Villas-Boas nos dérbis e nos Clássicos?
Os três clubes têm, obviamente, questões que são do seu interesse comum. Portanto, admito ter relações com todos os clubes em questões que são do interesse comum, como, por exemplo, como é que nós vamos melhorar o futebol português. Obviamente, defendendo sempre e intransigentemente os interesses do Benfica. E não hesitarei em dizer que o Benfica não tem de ter medo de assumir as suas posições. O presidente do Benfica tem de dar a cara nos momentos difíceis para assumir as suas posições. Se tiver de entrar em oposição a outros presidentes dos outros clubes, é isso que eu farei pelos interesses do Benfica. Obviamente, com toda a urbanidade e de acordo com aquilo que tem de ser um comportamento do presidente do Benfica, mas não hesitarei em defender e em proteger o Benfica quando achar que está a ser prejudicado.
Que mensagem quer deixar aos sócios do Benfica para as eleições do dia 25 de outubro?
O Benfica precisa de mudar, mas uma mudança com confiança. Acho que os benfiquistas estão fartos das tricas do passado. Estão fartos das pessoas do passado, do lavar de roupa suja. Aquilo que eu ofereço aos benfiquistas é uma mudança com confiança e com tranquilidade. Eu não aterrei aqui de paraquedas. Estou a preparar a minha candidatura há um ano. Tenho pessoas que me acompanham, cujo currículo e cujo perfil falam por elas. Tenho pessoas escolhidas por mim. Tenho pessoas que já estão a trabalhar em conjunto há muito tempo. E, portanto, nós temos uma ideia de futuro. Eu quero voltar a ter um Benfica europeu. Quero voltar a ter um Benfica que os benfiquistas se orgulhem. Quero voltar a ter um Benfica em que os sócios estejam próximos dos órgãos sociais. E quero ter um Benfica de sonho e de otimismo a olhar para o futuro e não a ter de justificar o passado.
Para fechar, o que diria o jovem Noronha Lopes, que há uns anos era apenas sócio do Benfica, ao agora Noronha Lopes, candidato à presidência do Benfica?
[Risos] Diria... Traz-me de volta um Benfica europeu. Traz-me de volta o vulcão do Estádio da Luz. Traz-me de volta os pavilhões cheios das modalidades. Traz-me de volta um Benfica unido e muito ambicioso.
Leia AQUI a primeira parte da entrevista de João Noronha Lopes ao Desporto ao Minuto.
Ao longo das últimas semanas o Desporto ao Minuto tem publicado entrevistas com os candidatos à presidência do Benfica. Até ao momento, apenas Rui Costa não respondeu às nossas questões.
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