Fernando Manuel Antunes Mendes deu que falar dentro das quatro linhas e, por esta altura, continua a 'dar cartas' no mundo da televisão. O antigo internacional português foi um dos poucos a jogar por Benfica, FC Porto e Sporting, algo que, por si só, chegou a gerar controvérsia.
Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, Fernando Mendes aceitou ser o quarto convidado da rubrica 'Eu "show" de bola' (lançada na primeira semana de cada mês), em que se pretende perceber melhor o que faz alguém 'viajar' do desporto para o mundo do entretenimento. E que longa viagem...
O ex-defesa 'pendurou as botas', aos 42 anos, em 2008/09, mas nem por isso deixou de aparecer nos ecrãs, ora como participante num reality show, ora como comentador desportivo. Após o fim da carreira, uma das grandes referências do futebol português lançou, ainda, o (polémico) livro 'Jogo Sujo'.
Arrependido pela forma como trocou o Sporting pelo Benfica, Fernando Mendes surge, agora, na CMTV, como comentador afeto aos leões, onde garante não ser "cartilheiro" de ninguém. Ainda assim, é preciso puxar a fita atrás, até 2011, para recordar a sua primeira grande aventura televisiva - o 'Perdidos na Tribo Famosos'. Foi lá que assistiu a um "choque tremendo", por força das diferenças de realidades entre Etiópia e Portugal.
Afinal, o que motiva alguém apaixonado pelo desporto a 'abraçar' o ramo do entretenimento de forma tão diversificada? É o próprio Fernando Mendes que nos explica.
Apareceram várias soluções para ir para o estrangeiro, mas também não me interessava sair do Sporting, do Benfica ou do FC Porto para qualquer clube lá para fora.Passou por Sporting, Benfica e FC Porto, tendo sido um dos poucos jogadores em Portugal a fazê-lo. Quantas vezes foi chamado de "traidor" por ter representado cada um dos três ditos clubes 'grandes'?
[risos]. Fui… Quando saí do Sporting para a Benfica. Fui criado no Sporting, desde pequenino. Saí numa situação complicada, uma vez que já não recebíamos [salários] há uma série de meses e apareceu a oportunidade no Benfica. Não foi fácil, mas é a vida. São as opções que se tomam. É a vida de um profissional de futebol, somente.
Repetiu-se quando rumou ao FC Porto?
Repete-se sempre. Ainda hoje isso acontece, também, com os jogadores. Há sempre pessoas que não se esquecem. Fui criado num clube de uma dimensão tremenda, fui para outro clube de uma dimensão tremenda e fui para o FC Porto, também de uma dimensão tremenda. Estava habituado. Às vezes, até é bom sinal. Não digo chamarem nomes, que isso é corriqueiro no futebol. Até é bom assobiarem. É sinal de que se lembram do passado.
Faria tudo igual?
Não. Principalmente, pela forma como saí do Sporting. As coisas não correram lá muito bem no Benfica… Arrependo-me de poucas coisas que fiz no futebol, mas é a vida. Foi uma opção que eu não tomei. É a vida.
Nunca saiu de Portugal durante toda a carreira de jogador. Por que motivo?
Na altura, era mais complicado. Apanhei aquela fase que era só dois ou três estrangeiros [por equipa]. Apareceram várias soluções para ir para o estrangeiro, mas também não me interessava sair do Sporting, do Benfica ou do FC Porto para qualquer clube lá para fora. Já estava em clubes 'grandes'. Mesmo para ganhar mais algum dinheiro, na altura, não compensava sair desta dimensão para ir para clubes menores lá para fora. Não me interessava. Tive uma oportunidade de Barcelona, aí sim, num dia em que até fiz 20 anos. Jogámos em Alvalade e até vencemos por 2-1 [com duas assistências], mas depois fomos eliminados, porque tínhamos perdido, por 1-0, na Taça UEFA. Vim depois, a saber, mais tarde, que o falecido presidente Jorge Gonçalves tinha pedido mil contos [5 mil euros] por mim, mas as coisas ficaram por aí...
Fernando Mendes destacou-se no Sporting no início da sua carreira, até que saiu para clubes como Benfica, Boavista, Estrela da Amadora, Belenenses, FC Porto e Vitória FC.© Global Imagens
Ficou algum sonho por concretizar?
Em Portugal, ganhei tudo o que havia para ganhar. Fui campeão quatro vezes, ganhei três Taças de Portugal e três Supertaças [Cândido de Oliveira]. Ainda fui internacional. Na altura, não era fácil ser internacional. Apareci no futebol sénior ali por 1985 e, logo a seguir, veio o Mundial de 1986, no México. Tínhamos grandes jogadores, grandes laterais-esquerdos, como o Álvaro Magalhães e o Inácio. Não era fácil. Com 18 ou 19 anos, ainda fiz parte dessa 'fornada' de jogadores. Também não havia tantos jogos como agora. Agora, há a Liga das Nações, a Liga disto, a Liga daquilo, mais o Campeonato da Europa e o Campeonato do Mundo... Há jogos para tudo. Há mais oportunidades para mais jogadores. Fui internacional nos iniciados, nos juvenis e nos juniores, estive nos Olímpicos e acho que, a nível nacional, não podia desejar melhor.
Já no fim da carreira, decidiu lançar o livro 'Jogo Sujo' (2010), em que admitiu ter compactuado com situações ilegais como doping e prostituição, durante a carreira. Arrepende-se de algo?
Lamento, mas já falei na altura. É um assunto encerrado para mim. Entendo que um monte de pessoas me perguntem sobre isso. Falei o que tinha a falar e tive os problemas que tive, na altura, por lançar esse livro. Sou uma pessoa verdadeira, nunca me escondi atrás de nada, mas é mesmo um assunto encerrado. Alertar para os perigos? Era uma chamada de atenção… Em qualquer modalidade, há sempre disso, hoje em dia. É a vida. Cada um toma as suas opções, umas vezes, obrigados, outras vezes, conscientemente. Já tenho quase 60 anos, é passado.
'Perdidos na Tribo Famosos'? Conheci pessoas giras e simpáticas. Conheci outra pessoa que não presta para nada.Seguiu-se a entrada no mundo dos reality shows, com a participação no programa 'Perdidos na Tribo Famosos' (TVI), em 2011, onde lidou com um contexto altamente adverso. Por que motivo aceitou o convite?
Foram as circunstâncias da vida. Houve uma altura na minha vida mais complicada e precisava de qualquer coisa para as pessoas se lembrarem de mim, por assim dizer. Apareceu-me essa oportunidade e optei. Foi uma experiência fantástica. Se fosse hoje, só ia por causa de uma coisa: perdi 11 kg em 23 dias. Foi giro. Conheci pessoas giras e simpáticas. Conheci outra pessoa que não presta para nada. Quem? Não posso dizer [risos]. Ela sabem quem é.
Quais as melhores aventuras que recorda dessa experiência?
Quando me perguntaram se estava interessado, apresentaram-me aquilo como sendo o 'Perdidos na Tribo Famosos'. Aquilo não foi fácil, foi muito complicado, mas como ouvi o termo 'famosos', levei a ideia de que teria regalias. As coisas não foram assim. Estávamos lá, no meio da tribo Hamer, e foi complicado a nível de comida, calor, frio… É uma experiência fantástica para ver como aquilo é, mesmo a nível das tarefas que tinham. Eles foram criados ali e estão habituados àquele tipo de realidade, mas é sempre um grande choque. Pelo menos, para mim, foi um choque tremendo. Gostei, mas não voltava a repetir.
Detalhe as dificuldades da aventura na tribo Hamer.
As nossas atividades eram no meio da tribo, e a produção estava ali a uma distância de metros. Tratavam de toda aquela logística. Higiene não havia, e tínhamos de comer o que os rapazes de lá da tribo comiam. Era tudo muito à base de farinhas e de chupar canas. Nos últimos dias é que a produção nos foi dar um prato de arroz ou de massa. De resto, vivemos mesmo a experiência como as pessoas da tribo. Fazíamos o que eles faziam e vivíamos como eles viviam. Se precisássemos de alguma coisa de urgência, claro que as pessoas da produção estavam ali. Perguntavam-nos se estava tudo bem connosco.
Presenciou alguma situação muito intensa no interior da comunidade?
Não. Eram pacíficos. A única coisa que me chocou um pouco foi ver que as mulheres é que faziam praticamente tudo lá. Elas carregavam a água. Nós só bebíamos água engarrafada, era a única coisa que tínhamos. Havia lá uma fonte de água a três ou quatro quilómetros da aldeia onde estávamos. Faziam aquilo tudo entre montanhas. Além disso, ainda carregavam a lenha. Lá, na Etiópia, existem cerca de 750 mil pessoas separadas por muitos quilómetros de distância, por muitas tribos. Já os homens não faziam praticamente nada. Caçavam e tinham as danças deles. Passavam a vida a dançar.
Manifestou a vontade de desistir em algum momento?
Manifestei, logo após dois ou três dias. Não me adaptei. Foi uma experiência gira depois, mas não me consegui adaptar. Mostrei essa vontade [de desistir], mas, se desistisse, ia para onde? Tinha de ficar lá.
Quando chegamos cá [a Portugal], começamos a olhar para as coisas de outra maneira e a dar valor a outras coisas.
Regressou a Portugal com uma outra forma de olhar para a vida?
Sim, em algumas situações. Nós estamos numa realidade totalmente diferente e vamos vendo documentários. Uma coisa é nós vermos, outra coisa é presenciar e viver essas experiências. É a vida deles. Começamos a dar valor a outras coisas que, se calhar, antes não dávamos. Há abundância de comida aqui para a maior parte das pessoas. Lá já não é assim. Há um grande aproveitamento deles da água e da comida. Quase até comem os ossos. Nós, aqui, é a carninha e os ossos vão para fora. Quando chegamos cá [a Portugal], começamos a olhar para as coisas de outra maneira e a dar valor a outras coisas.
Desde então, nunca mais foi convidado para participar num outro programa de entretenimento?
Uma vez ainda me falaram, há uns anos, no Big Brother. Perguntaram-me se eu poderia estar interessados. Não foi ninguém lá da produção ou da TVI, foi através de uma espécie de agente. Eu descartei completamente. Foi aquela [experiência] e chegou. Não me interessava, na altura, e não me interessa minimamente estar numa casa com pessoas que não conheço de lado nenhum. Há depois uma 'chafurdice', por assim dizer, da vida cá fora. Sabem tudo, inventam tudo e eu sou muito claro… Tive a experiência de reality show que tive. Aquilo sim, parece-me ser um reality show. Foi muito complicado e fiquei-me por aí. Novo reality show? Não, não...
Quando é que passou a ser comentador desportivo na televisão?
Já tinha ido a vários canais como convidado, mas, depois, apareceu-me uma oportunidade com o [Paulo] Futre, na CMTV. Tínhamos um programa, lá, na segunda-feira. O canal começou a crescer e assim continua diariamente. Convidaram-me, em 2013 ou 2014, para ficar lá. Já lá vão uns 12 anos.
Há uma coisa que as pessoas, por vezes, confundem. Eu não sou comentador do Sporting, sou um comentador afeto ao Sporting.Atualmente, surge nos ecrãs em defesa do Sporting, mesmo tendo representado os três 'grandes'...
Há uma coisa que as pessoas, por vezes, confundem. Eu não sou comentador do Sporting, sou um comentador afeto ao Sporting. Nasci sportinguista. O meu pai era sportinguista, a minha mãe era sportinguista. Muita gente da minha família é sportinguista. Fui para o Sporting com apenas 9 anos. Joguei nas escolinhas, nos iniciados, nos juvenis, nos juniores e nos séniores. Foi sempre o clube do meu coração. Cresci ali como homem e cresci como jogador. Tudo o que eu consegui no futebol está relacionado com a minha passagem pelo Sporting.
Como lida com as críticas de adeptos ou até comentadores do FC Porto ou de Benfica?
Há sempre pessoas… Basta ir às redes sociais, apesar de eu não ligar muito a isso. Estúdio? Pode acontecer, às vezes. Uma vantagem que temos ali é que dizemos tudo o que nos vai na cabeça. Não há filtros. Já nos conhecemos uns aos outros há muitos anos. Da minha parte e de outras colegas que estão lá, nunca partimos para ataques pessoais. Isso não faz sentido nenhum. Defendemos os nossos clubes. Eu sei coisas deles, eles sabem coisas minha. Sempre com respeito, mesmo que, por vezes, as coisas fujam um bocado da linha. Depende do tipo de discussão. As coisas são como são. Temos de estar preparados. A experiência que vamos tendo em televisão também nos obriga a saber contornar, muitas das vezes, alguns ataques.
Sente que a emoção que hoje em dia é 'espelhada' por si em contexto de televisão acaba por 'compensar' a saudade que sente dos relvados enquanto jogador?
A saudade vem sempre... Eu fui criado no futebol. Segui muitos anos no futebol de alto nível. O futebol de hoje em dia não tem nada a ver com o que era no meu tempo. Há sempre uma saudadezinha que bate, principalmente, quando estamos a ver e a fazer o acompanhamento dos jogos. É a vida, tudo tem um fim.
Já não se imagina fora do ecrã?
Nunca se sabe o que poderá acontecer no futuro. Gosto, habituei-me. Modéstia à parte, acho que faço um bom trabalho, tanto para mim, como para o objetivo de defender o meu clube. Tudo sem filtros. Nunca recebi uma cartilha de ninguém, não sou cartilheiro. Não gosto de coisas que acontecem no Sporting e digo-o claramente. Estou a gostar imenso [da experiência de comentador]. Em princípio, até me reformar, vou-me manter na televisão.
O jogo do 'Prefere...?'
Prefere estar no mundo do entretenimento ou no mundo do desporto atualmente?
Desporto.
Prefere ser reconhecido no futuro por aquilo que fez na televisão ou pelo deu que falar como futebolista?
Dentro de campo.
Prefere conquistar um campeonato pelo Sporting ou ser classificado como o melhor comentador afeto ao Sporting?
Preferia ganhar um campeonato no Sporting, mas na altura era complicado. Também me sinto bem com os elogios de alguns sportinguistas ao meu trabalho e em prol do meu clube, apesar de não ser unânime.
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