A carta aberta, dirigida à Federação Argentina de Futebol e à sua seleção nacional, é subscrita pela Comissão Episcopal de Justiça e Paz e Integridade da Criação da CEAST [Conferência Episcopal de Angola e São Tomé], Pro Bono Angola, Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) e Friends of Angola (FoA).
As quatro organizações angolanas sublinham que o seu apelo "não se opõe ao desporto nem aos laços de amizade entre povos", mas significa "um grito de consciência diante da dolorosa realidade vivida por milhões de angolanos --- uma realidade que contrasta de forma chocante com a ostentação e os gastos milionários envolvidos na organização deste evento".
Os subscritores do documento citam o relatório SOFI 2025 -- O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo. Neste, indica-se que mais de 27 milhões de angolanos (cerca de 71,4% da população) não tiveram acesso a uma dieta saudável em 2024 e que a subnutrição afeta 22,5% da população, aproximadamente 8,3 milhões de pessoas.
"Enquanto recursos públicos são canalizados para eventos desportivos de grande porte, milhares de crianças e adultos enfrentam fome crónica, anemia severa e insegurança alimentar generalizada", realçam na carta.
Segundo estas organizações, "a grave crise social ocorre num ambiente político marcado pela repressão sistemática contra cidadãos que expressam pensamento crítico".
"Embora Angola se apresenta como uma democracia de economia livre, apenas um grupo seleto de cidadãos, maioritariamente ligados ao MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola] --- partido que sustenta o Governo --- usufruem dos negócios e têm acesso às linhas de crédito", enfatizam.
Descrevem igualmente que, "apesar de o país possuir uma enorme quantidade de riquezas naturais --- petróleo, minerais, biodiversidade, recursos hídricos e mais de 11 milhões de hectares de terras aráveis --- a esmagadora maioria da população vive em extrema pobreza".
Na carta, os subscritores recordaram que o país viveu três dias de protestos, entre 28 e 30 de julho deste ano, período em que, segundo a Polícia Nacional, foram registados "pelo menos 30 mortos, mais de 277 feridos e cerca de 1.515 detenções".
"Esse cenário inclui: prisões arbitrárias de jornalistas, ativistas e manifestantes pacíficos; uso excessivo da força policial, com relatos de execuções sumárias e criminalização da liberdade de expressão e da mobilização cívica, sobretudo entre os jovens", refere-se no documento.
"Tais abusos são amplamente documentados por organizações como Human Rights Watch, Amnistia International e relatores especiais das Nações Unidas", acrescentam, sublinhando que este cenário revela "um Estado que silencia vozes dissidentes em vez de ouvi-las --- uma lógica de controlo político, não de compromisso com a justiça e a dignidade".
Para estas organizações, o amigável com a Argentina, promovido como parte das celebrações dos 50 anos de independência, está a ser utilizado como "um instrumento de propaganda" e "não representa uma comemoração inclusiva para o povo angolano".
"[É] usado para encobrir violações e desviar a atenção da grave crise social", acusam, considerando que "investir milhões de dólares num evento desportivo, enquanto milhares passam fome, hospitais colapsam e a repressão se intensifica, não é uma prioridade legítima --- é um insulto à dignidade humana".
Num apelo direto ao jogador argentino Messi, à Associação de Futebol Argentino e jogadores da seleção argentina, as organizações disseram que o cancelamento seria "um ato corajoso, ético e profundamente humanitário --- uma mensagem clara ao mundo de que a justiça, a dignidade e a igualdade valem mais do que qualquer espetáculo desportivo financiado com o sofrimento de um povo".
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