Depois de três anos no Brasil, a orientar clubes como Atlético Paranaense, Ferroviária, América Mineiro e São Bernardo, Sérgio Vieira regressou a Portugal, na última temporada, para orientar o Moreirense. No entanto, a experiência não chegou ao fim e acabou por deixar o clube em março do presente ano.
No verão, abraçou um novo desafio: o comando técnico do Famalicão. Com o objetivo de subir à I Liga, a equipa de Vila Nova de Famalicão termina o ano na liderança dividida da II Liga com 30 pontos, os mesmos que o Paços de Ferreira.
Deixou o Moreirense em março de 2018. Como surgiu esta possibilidade de orientar o Famalicão, esta temporada? Foi a única oferta que recebeu?
Não foi uma surpresa, eu queria trabalhar. Queria trabalhar num projeto organizado, havia oportunidades de I Liga e outras situações de II Liga, mas eu queria um projeto que valorizasse a dedicação ao trabalho, a forma capacitada e os processos de treino. O resultado a cada jornada é um pouco fruto de todos os processos e eu teria de tomar uma decisão sobre o mais parecido com isto, num projeto credível e ambicioso. O Famalicão foi aquele que se apresentou mais ambicioso.
A equipa termina o ano na liderança da competição. Qual é o balanço até ao momento?
Tudo aquilo que foi feito até agora foi extremamente positivo, a todos os níveis: estrutural, desportivo... Tal como a implementação de bases que são fundamentais para ter sucesso sustentado no futuro. Em poucos meses (cinco), o clube cresceu muito a nível estrutural e, desportivamente, é o que a classificação reflete. Para além disso, criou bases de sustentabilidade para o sucesso do futuro, e isso é o mais importante. Não é só ganhar por ganhar, mas a forma como ganhamos é fruto de todo o trabalho feito.
Uma liderança dividida com o Paços de Ferreira....
Nunca definimos, em nenhum período da época, estar na liderança ou num lugar de subida. O que definimos era estarmos envolvidos a todo o momento na luta pela subida, estar próximo ou a poucos pontos dos lugares que dão acesso aos lugares da I Liga. Para que depois consigamos concretizar o nosso objetivo.
Subir à I Liga é um objetivo assumido por parte Famalicão...
Desde o início, o nosso objetivo sempre foi conseguir o máximo da qualidade e ganhar todos os jogos em que vamos estar envolvidos. Pela dimensão histórica do clube e a paixão dos adeptos, sabíamos que tínhamos objetivos ambiciosos. Agora, se os vamos conquistar ou não… Mas vamos lutar até às últimas forças. Chegar a dezembro e conseguir estar em lugares de destaque, estar na liderança, é algo para o qual lutámos.
Como é que é gerir um balneário que lida com essa "pressão"?
Não é fácil, porque temos exemplos ao mais alto nível. Por exemplo, vemos equipas do Campeonato de Portugal ou da II Liga que se transformam num jogo de Taça de Portugal. Porquê? A motivação no atleta mexe muito no seu rendimento. Num ambiente de elite, o jogador está muito motivado. Quando há estádios vazios, relvado mau, o próprio atleta não pode ir com a motivação toda, é diferente. Tentamos mexer com a mente deles. Tentamos criar outros fatores de motivação, para que isso não seja perturbador.
E como é que isso se consegue? Como se gerem as emoções e a ambição dos atletas?
Quando se está num bom projeto, com bons gestores, com pessoas capacitadas, o futebol é diferente, a emoção fica de lado e vão muito pela razão. Competência, razão... Mas sabemos que é um fenómeno global, mesmo na Europa sabemos que o ser humano é mais emocional. Somos um país em que ainda há algum equilíbrio, instabilidade na gestão só prejudica o que é o trabalho diário.
Se olharmos para o plantel do Famalicão, temos jogadores com várias diferenças de idade. Uma camada mais jovem e depois um 'nicho' que está há mais anos no futebol, como é o caso de Rafael Defendi ou Ricardo. Essa experiência é fundamental para manter o equilíbrio e o foco no objetivo?
É muito importante, é extremamente importante a maturidade de vida e competitividade que os jogadores têm de ter num plantel. Temos também de ter jogadores jovens, mas quem sustenta a evolução desses jovens, são jogadores com uma maturidade muito maior que ajuda a que haja um equilíbrio.
O mercado de transferências está aí à porta e, olhando para o objetivo de subir à I Liga, há algum setor que gostaria de ver reforçado?
Estamos a avaliar o que é que será importante fazer para se atingir o objetivo máximo da instituição. Os objetivos são coletivos e estamos a refletir.
O Famalicão acabou por ficar pelo caminho, na Taça de Portugal, após uma derrota com o Águeda, por 0-1, numa partida em que mexeu na equipa. Ficou algum 'amargo de boca' por terem saído da competição?
Não ficou porque fizemos o máximo, o que estava ao nosso alcance para passar a eliminatória. Demos oportunidade a jogadores que estavam a trabalhar bem, mas com menos minutos. Jogámos num relvado impraticável, mexemos muito na equipa, que não tinha rotinas e, por isso, corremos o risco. Acredito que o risco que corremos foi merecido pela oportunidade dada aos jogadores. Já sabíamos que quando não há entrosamento corremos o risco, mas o mais importante é o campeonato, esse sim é fundamental.
Na época passada, esteve na I Liga e, esta época, aceitou um desafio no escalão inferior. Quais são as principais diferenças e de que forma podem até ser "prejudiciais" para as equipas?
A II Liga é uma competição com fatores muito diversos a nível competitivo. Temos equipas que, não estando em situação aflita, jogam com uma pressão menor do que uma equipa que tem que lutar para subir. Para além disso, comparativamente à I Liga, tem condições para a realização de jogos com maior diversidade: condições de relvado, infraestruturas, recursos humanos… Tal como o destaque que é dado. Há jogos à 20h15 da noite com características de I Liga, como foi o nosso jogo recente em Coimbra, que passam na televisão e têm um ambiente de I liga, e depois há outros jogos, às 15 horas, com pouco público, principalmente fora, que não conseguimos levar as duas ou três mil pessoas que colocamos em casa. Na I Liga todos os jogos passam na televisão e o ambiente competitivo é um ambiente mais estável.
Regressou ao futebol português em 2017. Pretende ficar por Portugal a longo prazo?
Eu tenho objetivos a curto, médio e longo prazo. Claro que esses objetivos vão sendo reforçados, principalmente, em função da família. Nunca podemos colocar a profissão acima da família, que é mais importante do que a profissão. Principalmente por causa da minha filha. A curto prazo, os meus objetivos são triunfar aqui na nossa realidade, portuguesa ou europeia, conquistar coisas.
Saiu do Moreirense em março de 2018, numa altura em que a equipa caiu na zona de despromoção. Foi uma surpresa?
Trabalhar no Moreirense foi uma experiência positiva, como todas as outras que tive na vida. Tento ver pelo lado positivo e tirar ilações para continuar a evoluir. Foi extremamente gratificante. Para além disso, conquistei muitos pontos fundamentais para a manutenção da equipa na I Liga. Ajudei ainda jogadores a evoluir e fico muito satisfeito com isso.
Um deles foi Alfa Semedo, que esteve no Moreirense na última temporada. O que nos pode dizer sobre o jovem jogador do Benfica?
É um jovem com um potencial muito grande, com características físicas e técnicas muito altas. Manter o nível de elite constante, não é fácil. Depois de ter jogado no Moreirense, impor-se por completo e de uma forma extremamente regular numa equipa grande, não é fácil. Mas o tempo vai provar que é um jogador de elite e de grande importância para o Benfica.
É importante essa 'escola' em clubes médios, ter contacto com a I Liga, antes de vingar num 'grande'?
Quanto mais um jogador jovem for exposto a ambientes competitivos e de grande exigência, mais ele vai evoluir, por isso é que os projetos das equipas B são muito importantes, onde têm uma diversidade competitiva grande, muito importantes e que permitem o amadurecimento a nível técnico, mental e físico. Muitas vezes, os jogadores não têm lugar nos clubes grandes mas têm espaço em clubes menores e, por serem estimulados, vão amadurecer. Depois comprova-se que afinal até tinham qualidade, fruto do processo competitivo ao qual foram expostos.