Chegou a Portugal com apenas 18 anos e com o rótulo de uma das maiores promessas do futebol brasileiro, a par de nomes como Diego e Robinho, com quem formava um trio demolidor no Santos. Foi campeão europeu no FC Porto de José Mourinho, mas o calvário das lesões impediu-o de alcançar o topo do futebol mundial, ao contrário do que todos previam.
Hoje, aos 33 anos, Bruno Moraes é um jogador feliz e realizado com a carreira construída, acima de tudo, tendo por base o força, a perseverança e o espírito de sacrifício. A humildade, por seu lado, levou-o a aceitar o convite do Sp. Espinho, da série B do Campeonato de Portugal, onde apontou 10 golos em 26 jogos.
Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, o avançado fez o balanço de uma carreira de guerreiro e deixou uma lição para os mais novos que sonham vingar no ingrato mundo do futebol.
Avançado esteve à conversa com o Desporto ao Minuto, no Porto.© Fábio Aguiar
Uma das imagens mais marcantes da sua carreira no FC Porto é o golo apontado frente ao Benfica, no Dragão, que deu a vitória (3-2) ao FC Porto, em 2007. Lembra-se?
Se lembro... Sinto muita alegria e felicidade por ter participado neste tipo de jogos. É um dos golos que fica marcado na história, sempre que há clássicos recebo chamadas, faço algumas entrevistas e isso é muito à custa deste golo.Até existe uma história bem engraçada, da qual já não me lembrava, mas que o Castro, um dia, quando nos encontrámos, me relembrou.
Então?
Sempre que ia para o Olival, tomava o pequeno almoço num café ali num café bem perto. No dia após esse golo, o Castro estava lá e presenciou o momento. Eu entrei e todas as pessoas que estavam lá levantaram-se a aplaudir por causa do golo marcado ao Benfica. Foi fantástico.
São estes momentos que ficam da passagem pelo FC Porto...
Sim, sim... São vários momentos no clube e claro que é sempre bom ser lembrado por momentos como este que trouxe muita alegria para os adeptos.
Bruno Moraes chegou ao FC Porto em 2003, com 18 anos, e esteve ligado aos dragões até 2010.© Getty Images
Olhando para trás, que marca fica do FC Porto?
Bem, vivi grandes momentos lá. Tenho pena de não ter aproveitado melhor. Hoje, sendo mais maduro, mais focado e com uma outra perspetiva, tenho pena de não ter aproveitado melhor. Mas foi o que teve que ser, tive algumas lesões, a vida seguiu e agora há que seguir em frente. No entanto, tenho estreitado cada vez mais as ligações com as pessoas do FC Porto e com os adeptos e acho que isso é importante.
Atualmente, fala-se muito da mística. Estando lá dentro e conhecendo bem o clube, como descreve essa famosa mística azul e branca?
Quando cheguei, o José Mourinho tinha conseguido reunir um conjunto de jogadores que já tinham passado pelo FC Porto e isso trouxe para o grupo uma força tremenda. A mística estava toda ali. Todos os jogadores que chagavam era aconselhado, estimulado e entusiasmado por essa mística. Foi o meu caso! Quando cheguei, reparei que o FC Porto era um clube enorme e com uma vontade muito grande de ganhar. Até no par ou ímpar existia essa garra toda, que passava de um para o outro.
Nessa temporada, em 2003/04, no plantel estava Sérgio Conceição. Como jogador já era assim?
Sim, muito aguerrido, batalhador, muito dedicado e sempre pronto a dar o máximo. Era algo muito dele.Já se notava que poderia vir a seguir a carreira de treinador?Claro que durante a nossa carreira cruzámo-nos com muitos jogadores e notamos algumas qualidades, como liderança, comportamento e forma de jogar que nos poderá indicar algo. Mas daí a prever que seria treinador... Teve que desenvolver outras qualidades e acho que o Sérgio foi evoluindo, com as passagens que teve noutros países e noutros clubes, adquirindo as competências necessárias para ser o treinador que é hoje.
Identifica alguma característica neste FC Porto que Sérgio Conceição já evidenciava enquanto jogador?
Sim, identifico! Principalmente a forma de jogar ao ataque, a seriedade no dia-a-dia, o trabalho, as conferências de imprensa, o respeito e o carinho que têm pelo FC Porto... Enfim, tudo isso faz com que todo o staff técnico e os jogadores adquiram essa cultura.
Esse plantel contava também com Nuno Espírito Santo...
Sim, o Nuno também virou um grande treinador, está a crescer muito e foi sempre uma presença muito forte no balneário.
De que forma viu esta conquista do título por parte do FC Porto?
Fiquei muito feliz! Há vários anos que o FC Porto não ganhava, penso que foi importante e, acima de tudo, foi uma conquista de pessoas do FC Porto. Acho que o clube voltou ao caminho que estava a trilhar, com o mérito do presidente, do engenheiro Luís Gonçalves, de toda a direção e, claro, do Sérgio Conceição. Estão de parabéns!
Avançado foi contratado ao Santos e chegou com o rótulo de uma das maiores promessas do futebol brasileiro da altura, juntamente com Diego e Robinho.© Getty Images
Estamos numa fase em que a sucessão do presidente Jorge Nuno Pinto da Costa está na ordem do dia. Que impacto poderá ter esse acontecimento no futuro do clube?
A sucessão vai acontecer de forma natural. O que eu desejo é que a pessoa que vier traga a mesma ambição que o presidente e que mantenha o que se construiu ao longo destes longos anos.
A conquista da Liga dos Campeões foi o ponto mais alto da etapa no Dragão?
Claro que sim! A Liga dos Campeões é uma prova fantástica. Todos os jogadores a querem jogar, quem não joga pergunta como é, e cada segundo, cada minuto e cada momento é inesquecível.
Atualmente é mais difícil uma equipa portuguesa vencer a competição?
Não tenho dúvidas! É muito difícil! Existem as equipas inglesas, as espanholas, que são de topo, como Real Madrid e Barcelona, e uma conquista desse tipo tem que ser muito comemorada porque é, de facto, um feito enorme. Tem que ser um ano em que tudo corra bem, um verdadeiro ano atípico em que muitos fatores se conjuguem.
Que histórias guarda dessa época?
Tenho muitas... Há uma curiosa: O Mourinho chegou junto de mim e informou-me de que iria jogar frente ao Real Madrid, mas pediu-me para guardar segredo e não contar a ninguém. Foi difícil resistir! Chegou a hora do jogo, acabei por ficar no banco e só entrei nos minutos finais...
Foi difícil de digerir isso...
Sim... Mas para mim já foi muito bom estar ali junto dos galáticos todos. No final, o adjunto Baltemar Brito veio conversar comigo, dizer-me que entretanto o mister teve que mudar os planos e eu encarei numa boa. Estavam ali os craques todos, desde Zidane, Ronaldo, Beckham, Roberto Carlos... Tive o privilégio de trocar a camisola com o Roberto Carlos. Tinha 18 anos e já estava maluco. Aprendi muito e foi um grande ano.
Que jogadores foram mais importantes na adaptação?
Foram todos muito importantes, mas o Deco ajudou-me bastante. Ele também chegou a Portugal bem jovem, passou pelas mesmas dificuldades e então chamava-me sempre e nunca me deixava sozinho. Eu tinha a minha família no Brasil e ele sempre me tratou como um irmão. A adaptação à Europa é sempre difícil e ele foi fantástico comigo, tal como o Derlei. Foram os meus irmãos mais velhos nessa altura.
Brasileiro conquistou a Liga dos Campeões na época 2003/04 sob o comando de Mourinho.© Getty Images
E José Mourinho? Como era nessa altura?
Para mim, foi o melhor treinador que tive. Era já muito inteligente, extremamente focado naquilo que queria, muito organizado, sabia como fazer as coisas, taticamente era muito evoluído e aprendi muito com ele, especialmente ao nível do treino. Era um treinador que motivava a equipa, não só os que jogavam, como aqueles que estavam mais tempo de fora. E isso era muito positivo.
Na caminhada para essa conquista histórica da Champions, em 2004, há um jogo, aqui no Dragão, da primeira mão dos oitavos-de-final, frente ao Man. United, em que participou um tal de Cristiano Ronaldo. Que memórias guarda desse encontro?
Foi uma coincidência... Ele é um ano mais novo do que eu. Lembro-me que fizemos um grande jogo. Eu estava no banco, via os jogadores do Man. United a passar e pensava: 'É com cada máquina...' Foi uma alegria imensa entrar porque participar nesse tipo de jogos é que faz um jogador crescer. Defrontar aquelas estrelas todas é o sonho de qualquer jogador.
Qual foi a primeira imagem de Cristiano Ronaldo?
Eu estava mais preocupado com o meu jogo... (risos) Não estava muito focado neles. Para ser sincero não o conhecia muito bem. Era a primeira época dele lá, estava a entrar aos poucos e não estava bem adaptado, mas já era um fora de série. Aqueles dribles, a velocidade, a movimentação e a capacidade física eram impressionantes. Já chamava muito a atenção.Chegou ao futebol português como grande promessa do Brasil, tal como o Diego e o Robinho, com quem jogava no Santos.
Foi difícil lidar com essa pressão?
Eu cheguei com 18 anos, mas não sentia pressão. Pelo contrário! Sempre gostei dessa pressão e da exigência dos treinadores, pois tinha muito para dar. Não tinha medo. No entanto, todos os jogadores necessitam de adaptação. Alguns treinadores apostam, outros não, e isso vai-nos adiantar ou atrasar. Eu passei por todos os momentos. O primeiro ano no FC Porto foi de aprendizagem, de adaptação, e o segundo já joguei muito e bem melhor. Infelizmente, depois tive as lesões que me atrapalharam bastante.
Onde é que um jogador que foi afetado com tantas lesões vai buscar forças para ultrapassar obstáculo atrás de obstáculo?
A fé em Deus, depois a ajuda da família, que sempre me apoiou, e depois a força de vontade. Sempre gostei muito de jogar, acho que teria um futuro bem diferente, mas isto é o futebol.
Que mensagem gostaria de deixar aos jogadores que sofrem graves lesões?
Que a vida tem que continuar, pois quem quer jogar futebol tem que acreditar e fazer por isso.
Lesões deitaram o avançado ao chão vezes sem conta, mas este levantou-se sempre mais forte.© D. R.
Esta época no Sp. Espinho serviu para reconquistar alguma confiança?
Sim, consegui algo que ainda não tinha alcançado, que era fazer um hat-trick. No último jogo consegui e isso só demonstra que tudo pode acontecer no futebol e acredito que ainda posso surpreender.
Que balanço faz desta temporada?
Muito positivo! Apesar de todas as dificuldades, com condições, etc, conseguimos superar tudo e terminar a época muito bem. Pessoalmente, têm aparecido algumas propostas, fico muito feliz e espero continuar bem a minha carreira.
Para um jogador que esteve no topo, foi campeão europeu e representou grandes clubes, calculo que seja complicado enfrentar este tipo de condições próprias de clubes que militam no Campeonato de Portugal.
Não é nada fácil, mas temos que pensar apenas nas coisas positivas. Contudo, com uma mentalidade forte e a convicção de que tudo é passageiro e que irá melhorar, conseguimos superar tudo.
Com o fim do contrato com o Sp. Espinho, já existem possibilidades de futuro?
Até ao momento ainda não tenho nada certo. Recebi proposta de renovação, mas agora vou para o Brasil e depois logo vejo. Vou conversar com a minha família e ver o que será melhor.
Atacante apontou 10 golos esta temporada ao serviço do Sp. Espinho, da série B do Campeonato de Portugal.© D. R.
Mas a vontade é ficar em Portugal?
Também... Estou bem aqui, sou bem tratado, gosto imenso do país, mas vamos ver...
Onde se vê daqui a 10 anos?
No futebol... Em que área? Não sei... Gosto da ideia de treinar uma equipa, mas acho que tenho que me preparar bem, pois sou muito exigente comigo e vou querer chegar a um nível alto.
Que imagem gostaria de deixar no futebol português?
Acima de tudo, uma boa imagem, aquela que sempre deixei por onde passei. Deixei sempre as portas abertas, sempre fiquei com boa relação com as pessoas dos clubes e isso é o mais importante.