Jorge Mario Bergoglio tornou-se Francisco após o conclave de março de 2013, um dos que mais atenção reuniu, tendo resultado do primeiro ato de renúncia no Vaticano desde 1415. A história do padre Bergoglio não começou, porém, nesse dia 13 de março.
O filho de imigrantes italianos na Argentina cedo descobriu a sua vocação e ingressou na Companhia de Jesus aos 22 anos de idade. A história realizada pelo italiano Daniele Luchetti (‘A Nossa Vida’, ‘O Meu Irmão é Filho Único’) começa nessa altura mas foca-se no período da ditadura militar, quando o padre Bergoglio se viu a braços com as mais difíceis e trágicas escolhas, e termina com a sua eleição como Papa Francisco.
Bergoglio, um acérrimo defensor dos mais desfavorecidos, tornou-se dirigente de um colégio de jesuítas aos 37 anos, altura em que ajudou a esconder fugitivos do regime e deparou-se com dramas que o marcariam para sempre, conforme confirmaram os amigos em relatos para a realização do filme. Daniele Luchetti falou com o Notícias ao Minuto, através de email, sobre o processo de investigação e sobre aquilo que pretendia transmitir acerca do Papa que veio “do fim do mundo”.
O que é que queria que as pessoas, religiosas ou não, vissem com este filme sobre a vida do Papa Francisco?
É a história de um homem que no decurso da sua vida continua a crescer, continua a mudar e a sobreviver a mil dificuldades. Não é só um filme para crentes, quem não for crente vai achar interessante a história de um país que atravessa uma ditadura, uma crise económica, uma crise devido ao aumento da pobreza; a história de um país inteiro através deste ponto de vista e parecia-me uma chave interessante para aumentar a sua amplitude. Uma grande história vista a partir de uma pequena personagem.
Enquanto esteve a fazer investigação para este filme falou com pessoas muito próximas do Papa Francisco, na Argentina. O que é que descobriu que teve um impacto mais profundo na sua perceção do Papa?
A visão que os argentinos têm de Bergoglio é muito diferente do que imaginamos. Há quem sempre tenha visto um conservador e agora vê uma atitude ‘prática’, há, por outro lado, quem acredite que Bergoglio esteve sempre do lado das pessoas pobres e quando era Cardeal de Buenos Aires manteve posições rígidas ou conservadoras em oposição aos governos da altura. Agora não encontram qualquer separação entre a sua atitude do passado e do presente.
Eu nunca vi o Jorge sorrir. O seu primeiro sorriso aconteceu quando foi eleito Papa. Isto deixou-me intrigado
Qual foi o momento da vida do Papa, ou o relato de um dos seus amigos ou familiares, que mais o inspirou?
Quando eu ouvi por parte de pessoas muito próximas dele: “Eu nunca vi o Jorge sorrir. O seu primeiro sorriso aconteceu quando foi eleito Papa”. Isto deixou-me intrigado, o relato de um homem sério e preocupado foi o primeiro motor da narrativa: queria descobrir porquê. O filme é a exploração dos seus dramas, do forte impulso idealista, os obstáculos abrandaram-no mas também o amadureceram.
O Daniele disse, em entrevistas anteriores, que não queria que este filme se tornasse numa hagiografia. E, de facto, vemos o relato da vida e dos desafios de um homem espiritual mas, sobretudo, de um homem, mais focado em ações e decisões do que em debate espiritual. Acredita que o impacto que o Papa Francisco tem se deve ao facto de as pessoas o verem mais com um homem diligente e atento do que como um líder espiritual?
É a história de um jesuíta. Os jesuítas são assim: procuram pôr de lado o individualismo, os sentimentos, para fazer aquilo que é útil. A oração é uma forma de ajudar a manter o olhar fixo em Cristo, mas também para procurar resolver os próprios sentimentos até ser clara qual é a ação mais eficaz a tomar. O seu ser espiritual deve ser visto nesta perspetiva: o jesuíta.
Não é uma biografia mas é a história de um homem que se conta a cada dia, através das dificuldades. Esta personagem atravessa momentos extremamente duros e senti o dever de o dizer sem ênfase, sem romantismos, como o faz um jesuíta, ou seja, colocando de lado as emoções para compreender o que é mais útil para os outros. E eu fiz o mesmo como narrador, para ser mais prático e mais conciso.
Qual foi o seu maior desafio como não-crente? Afinal de contas, descreve a vida de um homem movido pelo amor a Cristo e ao próximo.
Tentei encontrar um fio condutor emocional, narrativo, e mais político e social do que religioso. Mas respeitando o seu ser crente. De facto, alguns momentos-chave do filme são resolvidos com oração ou com o encontro de símbolos e imaginário religioso porque mesmo que eu não acredite em Deus, acredito nas personagens, nas suas crenças e na sua simbologia.
O Papa não viu o filme porque é uma pessoa introvertida e rigorosa, creio que atribui ao cinema uma experiência cultural importante, mas com a qual não se deseja cruzar
Alguma vez recebeu uma reação do Papa Francisco?
O Papa não viu o filme porque é uma pessoa introvertida e rigorosa, creio que atribui ao cinema uma experiência cultural importante, mas com a qual não se deseja cruzar. Penso que está no seu direito de se recusar a ver um filme que é apenas uma hipótese sobre a vida de uma figura pública e não necessariamente a verdade, a não ser em termos narrativos e poéticos.
O filme também é lançado na versão minissérie para televisão. O que é que acrescenta ao filme?
É explorada a altura em que é um jovem professor de literatura, em especial um episódio no qual convida Borges a lecionar no próprio Instituto. A substância do filme é a mesma, com mais concisão e menos desvios narrativos.
A estreia do filme aqui em Portugal é bastante oportuna. Acontece no mês da mais importante celebração religiosa, a Aparição de Nossa Senhora de Fátima aos Pastorinhos. O Papa Francisco vai estar cá. Está familiarizado com esta data?
Sim, em Itália estamos imersos na tradição católica, religiosos e leigos, e não estar a par das principais devoções é muito difícil. E acrescentaria mesmo que não seria justo não conhecer bem os fundamentos da formação religiosa do nosso continente. Ainda que não tenha aderido à fé, respeito-a e reconheço os seus traços em cada aspeto da nossa vida.