Isabel Stilwell: "D. Pedro V fez uma sublimação, renegou comida e sexo"

O Notícias ao Minuto entrevistou Isabel Stilwell sobre o novo romance histórico da jornalista e escritora: 'Estefânia - A Rainha Virgem'. No livro conta-nos a história sobre Estefânia, que casou com D. Pedro V.

Isabel Stilwell

© Grupo Planeta

Mariline Direito Rodrigues
26/06/2025 09:20 ‧ há 3 horas por Mariline Direito Rodrigues

Cultura

Isabel Stilwell

'Estefânia - A Rainha Virgem' é o mais recente romance histórico de Isabel Stilwell. A jornalista e escritora conta-nos a história de Estefânia de Hohenzollern-Sigmaringe que deu o nó com Pedro, rei de Portugal.

 

Fala-nos da adaptação da jovem monarca à corte portuguesa, das dificuldades que esta teve em lidar com Pedro (apesar de se ter apaixonado por ele perdidamente) e da angústia que sentiu por não conseguir cumprir o seu papel enquanto mulher e rainha: ser mãe. 

Estivemos à conversa com Isabel Stilwell que nos deu pormenores sobre o romance e um dos aspetos mais curiosos acerca desta rainha: o facto de, ao que tudo indica, ter morrido virgem. 

Como é que os leitores estão a reagir a 'Estefânia', o seu novo livro?

Têm reagido muito bem! É lógico que ainda estamos no início, as pessoas estão a guardar [a leitura] para as férias, mas as que eu tenho recebido são muito entusiásticas. É uma história que comove, que toca às pessoas. É o amor do Pedro e da Estefânia, mas a história é mais complicada do que isso...

  Notícias ao Minuto Capa do novo livro de Isabel Stilwell© Grupo Planeta  

É uma história trágica, os dois morrem muito cedo e não deixam descendência…

Nas cartas da rainha Vitória para a filha, ela diz que é mesmo horrível e que nem sequer há uma criança da Estefânia. 

Penso que podemos já falar do elefante na sala… Estefânia morreu, de facto, virgem?

O conhecimento [de que a rainha tinha morrido virgem] existe desde o artigo de Ricardo Jorge*. Quando se volta a olhar, a pergunta é: 'será que isto é mesmo verdade?'. Apesar de tudo, há os chamados hímenes complacentes e a autópsia revelou a presença de um hímen, embora que só por si, hoje não seria indicador suficiente para se declarar que não tinha havido relações sexuais... 

*O médico Ricardo Jorge publicou um artigo na revista 'A Medicina Contemporânea' - 'A parteonoplastia: ensaio de medicina ética sobre a revirginização' (1909). No artigo, como refere Isabel numa nota no seu livro, escreveu: "A rainha D. Estefânia, esposa de D. Pedro V, morreu, como é conhecido, de difteria: à medida que as falsas membranas se espalhavam pela vulva, os médicos examinaram-na e ficaram surpreendidos por encontrar o hímen intacto". 

Se imaginarmos as mulheres tão afastadas do seu próprio corpo, com aquelas saias, tudo muito púdico, realmente será um choque numa noite partilhar o corpo com outra pessoaEntão o que dá força a essa conclusão?

É juntar dois mais dois, porque não é o único indicador. 

Na primeira carta que escreve Estefânia diz: 'isto é muito desagradável'. Se imaginarmos as mulheres tão afastadas do seu próprio corpo com aquelas saias, tudo muito púdico, realmente será um choque numa noite partilhar o corpo com outra pessoa. Contudo, quando começamos a estudar as cartas, temos os indícios todos de que ela estava disponível, porque na realidade o que mais queria era ter um filho. 

Mais, no fim ela escreve novamente à mãe e diz: 'eu sei que a mãe só quer cá vir no grande momento', que obviamente seria o parto, 'mas isso pode demorar muito, muito tempo. Por favor, venha antes'. Normalmente uma pessoa não responde isto. Diz sempre 'talvez seja em breve, talvez seja para a semana', mas percebe-se - pelo menos é a minha leitura - que ela está a tentar dizer à mãe que não estava a correr bem. 

Falei com sexólogos, psiquiatras e um fisioterapeuta pélvico para tentar perceber se fazia sentido o que estava a dizerNa apresentação do seu livro referiu que chegou a falar com especialistas sobre o assunto. 

Sim. Falei com sexólogos, psiquiatras e um fisioterapeuta pélvico para tentar perceber se fazia sentido o que estava a dizer. A conclusão é que sim, existe o hímen complacente, mas uma jovem ao fim de 14 meses de relações sexuais terá muito pouca probabilidade de continuar virgem e com o hímen intacto.

D. Pedro V estava sempre a dizer que não se podia empregar a energia nas partes físicas para sobrar para a parte intelectual. Como ele era um 'workaholic' sublimava a sua libido e projetava-a no trabalho

Afinal, o que é que se passava com D. Pedro V? Na flor da idade não se envolveu com nenhuma mulher? É difícil de acreditar…

Ele anteriormente [ao casamento] era extremamente puritano. Os biógrafos dele já diziam que nunca fazia um comentário sobre a beleza de uma mulher, de como o encantava. Quando conheceu Carlota da Bélgica, com quem supostamente ia casar, não houve uma palavra a dizer. Da Vicky, da filha da rainha Vitória, fala com amizade, mas não houve nenhum comentário físico, não digo brejeiro e sim de atração. 

Estefânia diz que era a única mulher com quem ele falava. Dizia que o Pedro numa sala escolhia só os homens, falava só com eles, com conversas intensas, não sabia fazer conversas sociais e perdia muito, porque quem não o conhecia achava que era arrogante e antipático. 

Das cartas que escrevia para o príncipe Alberto percebemos que considera - e era típico deste tempo - que as pessoas possuíam uma energia limitada que se empregava de uma maneira ou de outra. Estava sempre a dizer que não se podia empregar a energia nas partes físicas para sobrar para a parte intelectual. Como ele era um 'workaholic' sublimava a sua libido e projetava-a no trabalho. Ele criticava muito o irmão [Luís I] e o pai [Fernando II], dizia que saíam muito à noite, que tinham mulheres e que isso os enfraquecia. Desde criança que se sublimava muito. 

E qual é a sua perspetiva perante estas informações?

Quando comecei a olhar para isto tudo percebi que D. Pedro tem uma relação muito forte com o pai até aos 16 anos, altura da morte da mãe, e depois corta a relação - e embora fique muito dependente dele - está muito zangado com o pai. 

A Estefânia, o príncipe Alberto e a rainha Vitória estavam sempre a dizer que não podiam morar todos na mesma casa do que o pai e os irmãos, porque a corte fazia-se à volta do novo rei e rainha e enquanto o rei velho estivesse presente, a corte dava primazia ao velho. 

Ele amua, recusa-se a falar durante os almoços e jantares e recusa-se a mudar de casa, porque a mãe [rainha D. Maria II] dizia que se tinha de manter a harmonia da família. Ele não consegue libertar-se da dependência do pai mas, simultaneamente, está sempre a dizer mal dele. 

Acho que D. Pedro V fez uma sublimação, porque também comia muito pouco, estava sempre com problemas de estômago. Renegou o lado que para ele significava morte: o prazer da comida e do sexoPorque é que houve essa rutura?

Quando Pedro escreve a Estefânia a contar a sua própria história, descreve-se como um trabalhador que vive para que a mãe - mesmo no céu - o reconheça. Ele admirava a maneira como ela trabalhou e como se mostrou corajosa. 

Tinha 12/13 anos quando a mãe começou a ter aqueles filhos que nasciam mortos ou morriam logo a seguir. [D. Maria II ] Começou a engordar, embora os médicos dissessem para não comer e era uma mulher a quem os médicos diziam que 'não podia voltar a engravidar'. Volta a engravidar uma segunda vez e a ter um nado morto e fica em risco de vida iminente. Depois engravida a terceira vez e morre. 

Se pensarmos que um miúdo, um rapazinho, que tem uma adoração e uma ligação fortíssima com a mãe vê-a a engravidar sucessivamente, acho que começa a associar na cabeça dele o engravidar uma mulher com a morte e a pôr o pai como culpado.

Acho que ele fez uma sublimação, porque também comia muito pouco, estava sempre com problemas de estômago. Renegou o lado que para ele significava morte: o prazer da comida e do sexo. 

Quando escreveu ao Alberto e ao Leopoldo sobre Estefânia nas duas vezes refere: 'felizmente que Estefânia sabe sublimar os aspetos materiais do casamento ao companheirismo, à lealdade, à amizade, etc.' No fundo estava à procura de uma companheira, de uma mãe de certa maneira, tanto que a última frase de Estefânia é "tomem conta do Pedro". 

Se for ver todas as recomendações - e cito um livro sobre a história da impotência ao longo da história - aquilo era exatamente o que no século XIX se recomendava… Alimentação rigorosa, exercício físico, tentar outros hobbies que não o trabalhoMas para Estefânia não foi fácil.

Ela foi-se cansando. Pelas cartas vai-se percebendo que ela primeiro acha que o vai mudar, como acontece com todos nós quando encontramos alguém de quem gostamos. A certa altura já diz: 'ele podia mudar e não muda'. 

Mas depois tem uma fé enorme. A última carta que escreve é dramática, porque diz: 'mãe, diga que vai rezar connosco e vamos avançar'. Escreve ainda: 'Agora estou a ser muito rigorosa com o Pedro, não o deixo trabalhar mais de X horas, tento que ele mude a alimentação'. 

Se for ver todas as recomendações - na bibliografia cito um livro sobre a história da impotência ao longo da história - aquilo era exatamente o que no século XIX se recomendava… Alimentação rigorosa, exercício físico, tentar outros hobbies que não o trabalho... 

Então poderia haver um problema clínico do próprio Pedro…

Acho que havia uma sublimação, um bloqueio.

Na altura deveria ser um tabu enorme falar sobre isto abertamente.

Um tabu total! Algo que não se poderia pôr em carta nenhuma, nem uma insinuação de perto, o que seria! A única pessoa com quem nós vemo-la a ter alguma proximidade é com a mulher de D. Pedro IV, avô de Pedro. Encontrei cartas em que a avó de Estefânia pede à imperatriz para falar a sério com a neta. 

E eles já deveriam pressentir isto há algum tempo, porque antes de D. Pedro V casar, a imperatriz do Brasil, na realidade duquesa de Bragança, escreveu à irmã de Estefânia e à avó dela, a rainha da Suécia, a dizer que a mulher que viesse para Pedro deveria ser experiente e ir para uma corte mais aberta. Nitidamente era como se dissesse: não me mandem para cá uma 'verde', porque o meu neto - embora uma pessoa extraordinária - é um melancólico e tem pouca "energia", é muito parado, passa muito tempo sentado a trabalhar. 

No fundo, eram dois jovens de 20 anos com o primeiro amor… Se calhar se tivesse continuado, das duas uma: ou ela desesperava, ou ele talvez fosse mudando um bocadinho com o tempo. 
 
Quando a Isabel faz a investigação, como é que encontra o equilíbrio entre o que é ficção e o que é facto? Deve sentir essa responsabilidade. 

As pessoas sabem que é um romance histórico, mas eu é que tenho o meu rigor de jornalista, que é muito intrínseco e me faz sentir que não posso ir mais além. 

Neste caso, temos muita informação. Muitas cartas dela desde pequenina, cartas à mãe, os diários do próprio Pedro, biografias, cartas da rainha Vitória… Embora os diálogos terão de ser sempre ficcionados, tento que sejam à base das cartas. Mas para mim foi muito libertador o caderno do Leopoldo. No dramatis persona assinalo ao leitor: as cartas que estão todas em itálico são todas verdadeiras, estão transcritas tal e qual. 

O caderno do Leopoldo são pensamentos dela, com base no que eu estudei, nas cartas, com base no que é universal as mulheres sentirem. Para no fundo poder construir esta tese, que é a minha, da razão que leva Pedro a ter tanto medo de consumar o casamento. É um trabalho muito intenso e solitário, mas eu gosto que seja assim.  

Voltei a sonhar depois de ter entregado os manuscritos, não sonhava com coisas que tinham que ver com aquiloNão há momentos em que sente 'estou farta disto, só quero acabar'?

Ah, sim! Aqueles momentos em que vou ver montras ou vou buscar as minhas netas à escola, porque a certa altura já não aguento isto. 

Depois, à medida que vamos conhecendo a história, começamos a dizer 'mas toda a gente sabe isto' e é preciso que alguém nos diga 'não, ninguém sabe, tu sabes porque estás há um ano a fazer isso'.

Há momentos de desânimo e demasiado intensos. Voltei a sonhar depois de ter entregado os manuscritos, não sonhava com coisas que tinham que ver com aquilo. Pouco tempo depois de ter entregado sonhei com o meu cunhado que morreu há tempo, como se houvesse um espaço que desse autorização ao meu cérebro de pensar noutras coisas. 

Durante esse tempo percebeu um pouco do que Pedro V passava…

Exatamente! Se me dissessem para ir almoçar fora dizia que não, porque tinha de trabalhar. É igualzinho [ri-se]. 

Agora que lançou o livro como é que vive esta fase? Descansa ou já começa a pensar no próximo?

Agora estou na parte de me encontrar com os leitores, mas já começo a ter umas clareiras e a pensar 'hum, quem será a seguir?' Mas muito hesitantes, ainda estou de ressaca.

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Mariline Direito Rodrigues | 07:07 - 21/03/2025

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