Roger Mello, que está por estes dias em Portugal, a convite do Folio - Festival Internacional Literário de Óbidos, contou à agência Lusa que tem passado os últimos meses em registo nómada, a mostrar o trabalho como autor e ilustrador, depois de ter ganhado o prémio Hans Christian Andersen 2014, descrito como o Nobel da literatura e da ilustração para a infância.
Prestes a completar 50 anos, Roger Mello começou a publicar no final dos anos 1990 e soma mais de uma centena de livros para crianças e jovens, alguns deles premiados. Nenhum está publicado em Portugal.
Em setembro, publicou no Brasil o livro "Inês", uma adaptação da história de D. Pedro e Inês de Castro, do século XIV, mas contada do ponto de vista de uma criança, a filha Beatriz. Roger Mello assinou o texto e Mariana Massarani, a ilustração.
O autor diz que "algumas das melhores histórias são dos reis de Portugal" e que esta é uma história trágica e assustadora, mas entende que não deve haver tabus quando se escreve e ilustra para crianças, nem tão pouco deve haver distinção entre leitores mais novos ou mais velhos.
"O livro é a melhor maneira de permitir o diálogo da criança com o mundo e com todas as mazelas que o mundo tem. Às vezes o adulto tem uma ideia preconceituosa da criança que está ao lado dele. O livro é uma possibilidade de diálogo; é esse triângulo que prevê a possibilidade de conversar a partir desse suporte. É um encontro incrível", afirmou à Lusa.
Nascido em Brasília, Roger Mello cresceu durante a ditadura militar. Recorda-se de que houve gente detida por causa de livros e que as pessoas, com medo, atiravam-nos à água, em vez de os queimar, para não dar nas vistas.
"Para a gente, o livro era um objeto poderoso e cresci num contexto de livros. Estavam sempre aparentes, sem muita propaganda. Sempre houve leitores em casa", contou.
À semelhança do que teve em casa, Roger Mello considera que, sem desmerecer as campanhas nacionais de incentivo à leitura, as crianças precisam de ver o livro a ser manuseado, porque este ainda é um dos objetos menos quotidianos no Brasil. "É um objeto da exceção visual".
"No Brasil, ao contrário de outros países, a leitura está a crescer, porque não havia hábitos antes. Durante a ditadura foram muito eficientes em afastar as pessoas da leitura", afirmou, defendendo que, em tempos de crise, como a que o país vive agora, o investimento devia ser canalizado para a educação.
"As pessoas investem noutras coisas e acham que a educação é uma coisa que só vai dar resultado dali a muito tempo. Não é verdade, todas as pessoas são afetadas por investimentos em bom ensino. Os professores mobilizam toda a sociedade", defendeu.
Quando recebeu o prémio Hans Christian Andersen, o júri elogiou a obra de Roger Mello, por remeter para a cultura do Brasil e por não subestimar as capacidades imaginativas das crianças.
"Quando eu faço uma história e desenho que têm tons locais, acredito que isso possa ser de interesse para o mundo, porque o mundo é grande e diversificado. Aquilo que é considerado 'global' é uma particularidade de um lugar que é muito divulgado. Como o mundo é eurocêntrico, o folclore da Europa é conhecido no mundo inteiro, com fadas, gnomos, trolls", constatou.
Para o autor, "é uma questão de preconceito achar que o público-alvo não vai alcançar, não terá interesse por aquilo que não for o seu espelho", afirmou.
Entre a centena de obras de Roger Mello publicadas contam-se, por exemplo, "João por um fio", "Carvoeirinhos", "Meninos do mangue" e "Nau catarineta".
A tradução das suas obras para outras línguas ganhou um impulso importante depois de ter sido duas vezes nomeado e, a seguir, premiado com o Hans Christian Andersen.
Tem livros traduzidos nos Estados Unidos, França, Japão ou Coreia do Sul, mas em Portugal, mesmo com a partilha da mesma língua, Roger Mello diz apenas que ainda não calhou publicar.
O Folio - Festival Literário Internacional de Óbidos mobiliza mais de 450 criadores e termina no domingo.