Os quadros de Joan Miró pertencem, ou não, ao Estado? Segundo o Ministério Público (MP), sim, mas segundo o Governo, não.
E é assim que estamos desde julho de 2012, data em que a então secretária do Estado e do Tesouro – e atual ministra das Finanças – anunciou as pretensões do Executivo de colocar as pinturas em leilão.
Pela primeira vez, o jornal Público teve acesso à documentação sobre este ‘caso cultural’ e apresenta, esta quinta-feira, os argumentos usados pelo MP e pelo Governo para defender e refutar, respetivamente, a pertença das obras ao Estado.
Comecemos pelos argumentos do Ministério Público. Segundo esta entidade, as obras de Miró não podem ser vendidas e leiloadas, pois estão na posse de duas empresas detidas pelo Estado, a Parvalorem e a Parurps, criadas para abater a dívida do BPN.
Além disso, a coleção do pintor catalão tem “um inestimável valor cultural” e um leilão iria representar uma “perda irreparável” para a cultura nacional.
Neste ‘pingue-pongue’ de pertenças, o MP defende ainda que o Ministério das Finanças é o responsável “pela gestão do património do Estado e através da Direção-Geral do Tesouro e Finanças é acionista único da Parvalorem e da Parupus”.
Para dar mais ênfase aos seus argumentos, o Ministério Público apoia-se, ainda, nas opiniões de Isabel Cordeiro (antiga diretora-geral do Património), de David Santos (diretor do Museu de Arte Nacional Contemporânea – Museu Chiado) e Pedro Lapa (diretor artístico do Museu Coleção Berardo).
Agora, passemos para a defesa do Governo. Desde o anúncio da intenção de leiloar as obras de Miró que o Estado tem rejeitado ser o dono da coleção. A Parvalorem e a Parurps defendem que, apesar de serem duas entidades públicas, se regem pelo direito privado, o que faz da venda das obras uma “decisão livre de particulares que dispensa a intervenção do Estado”, cita o Público.
A inexistência de “ilegalidade” na venda dos quadros é outro dos argumentos usados pelo Governo, que defende ainda que o Tribunal Administrativo não tem competências para fazer a avaliar se as obras devem, ou não, estar sob a proteção pedida, nem para avaliar a decisão do Executivo de as vender.
O lado ‘privado’ da Parvalorem e da Parurps são também anunciados pelo Governo na documentação a que o Público teve acesso. O Executivo, por via do Centro Jurídico da Presidência do Conselho de Ministros, diz que as duas sociedades comerciais atuam como particulares: “Todos os atos que praticaram, e que venham a praticar relativamente às obras de arte de Miró foram, são e serão sempre privados”.
Posto isto, e agora? A decisão de levar a leilão as 85 obras do artista espanhol Joan Miró foi tomada em 2012 por Maria Luís Albuquerque, na altura secretária de Estado do Tesouro. Agora, e já no papel de ministra das Finanças, não tem dúvidas de que este processo está “condenado ao fracasso por razões processuais”, como se lê no Público. Pelo que, a pertença das obras do espanhol continua por decidir...