A Exhibitio está a promover um protesto pela redução do IVA para 6% na Feira Internacional de Arte Contemporânea ARCOlisboa, que foi inaugurada hoje à tarde com a presença da ministra da Cultura, Dalila Rodrigues.
Em vários 'stands' foram colocados cartazes onde se lê "IVA a 6%! Pela redução do IVA das obras de arte para 6%", há quem tenha os cartazes colado nas costas de casacos ou vestidos e também quem exiba nas lapelas autocolantes onde se lê "IVA a 6%".
Numa visita à feira, Dalila Rodrigues passou pelos cartazes, cumprimentou galeristas que usavam os autocolantes, mas ignorou o protesto.
Quando questionada pelos jornalistas sobre se tinha alguma palavra a dizer, escusou-se a comentar.
A galerista e presidente da Exhibitio Vera Cortês disse à Lusa que não contava com esclarecimentos hoje, lembrando que nos últimos quatro meses a associação enviou vários emails e cartas registadas ao Governo, sem qualquer resposta.
"Esperei uma explicação quando saiu o decreto, não esperava nada hoje. E provou-se, porque a ministra avisou que não vinha ao meu 'stand'", disse à Lusa.
Em março, em declarações aos jornalistas em Madrid, a ministra da Cultura afirmou que a arte contemporânea portuguesa atravessa "um momento importante", mas que ainda havia "muito trabalho a fazer", especialmente no que respeita ao "incentivo dos galeristas e dos artistas".
Nessa ocasião, considerou "fundamental conseguir a redução do IVA para os galeristas", com o objetivo de proporcionar uma remuneração mais justa tanto a galeristas como a artistas, permitindo-lhes "viver do seu trabalho".
Contudo, com a publicação do Decreto-Lei n.º 33/2025, de 24 de março, o setor ficou surpreendido ao verificar que a redução do IVA não foi contemplada, mantendo-se a taxa máxima de 23% para as vendas feitas por galerias, ao contrário do que acontece com a venda direta por artistas, que continua a beneficiar da taxa reduzida de 6%.
"Foram enviadas cartas registadas para todos ministérios -- Cultura, Economia, Finanças e Presidência -, para todos os grupos parlamentares. Considerámos que podia ter havido um erro, um lapso e até hoje não explicou nada", lamentou.
Quanto à esperança de os galeristas poderem ver o problema resolvido pelo próximo Governo, Vera Cortês afirmou que a associação está "a trabalhar para isso".
"E se não for possível vamos todos embora de Portugal. Ou resolvem ou resolvemos nós", disse, recordando que "uma obra de arte estrangeira entra em Portugal e paga 6% na Alfândega, o que é produzido e feito neste país paga 23%".
A galerista Cristina Guerra já tem 'um pé fora'. "Há muitos anos que ando a lutar por isto [a redução do IVA]", lembrou à Lusa, referindo que abriu recentemente uma galeria em Paris, onde paga 5,5% de IVA.
"Não vou estar à espera [que o próximo Governo resolva], por isso vamos ver. E faturei bastante [em Paris], são taxas que o Estado [português] não recebe", disse.
A visita de Dalila Rodrigues à ARCOLisboa foi feita com o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, que ia parando em vários pontos e cumprimentando alguns galeristas.
À Lusa, Cristina Guerra - que se recusou a cumprimentar a governante quando esta se lhe dirigiu - referiu que "não esperava absolutamente nada" da ministra hoje.
"A associação mandou cartas e ela não respondeu este tempo todo. E veio aqui à feira, o que eu acho inacreditável", disse.
No dia em que Luís Montenegro é de novo indigitado primeiro-ministro, Vera Cortês fez um balanço da legislatura: "Foi uma péssima ministra". "E eu acho que ela tinha o currículo, conheço-a há muitos anos e achei que ia fazer um bom trabalho. Só fez asneira", disse.
Já para o galerista Pedro Cera, Dalila Rodrigues "teve uma grande coragem" em estar presente na inauguração da ARCOLisboa.
"Não me parece que hoje fosse um dia para vir dar qualquer tipo de explicações, não há muita coisa a dizer", referiu.
Para Pedro Cera, em março em Madrid, a ministra "expressou a sua opinião no momento em que estava ainda no pleno das suas funções", mas "aparentemente o Governo de que ela fazia parte não foi sensível aos seus argumentos".
"Agora temos que esperar pelo próximo Governo", disse.
Por seu lado, o galerista Miguel Nabinho considera que Dalila Rodrigues deveria dar explicações públicas sobre o que se passou - "ela e o Governo".
"Em termos éticos, [a questão do IVA] devia ter sido resolvida claramente durante a vigência deste Governo. Ou foi um erro, ou foi uma desautorização do Ministério das Finanças perante o Ministério da Cultura, ou não sei bem o que é que foi, mas alguma coisa deve ter sido", disse.
Este galerista tem esperança de que, caso Dalila Rodrigues se mantenha no cargo, "resolva este problema imediatamente, que é a única coisa que pode fazer".
"Se mudar, a associação tem que voltar a contactar a tutela e os grupos parlamentares e expor a situação", disse.
Em muitos anos enquanto galerista, Pedro Cera já conheceu muitos ministros e "há muitas coisas que dizem em privado, mas que não expressam publicamente".
"Ela disse em público o que ouvi muitas vezes em privado de outros ministros anteriores a ela. Não acho que nenhum galerista lhe possa assacar responsabilidades pessoais", afirmou.
Vera Cortês tem outro entendimento: "Se a ministra não teve capacidade para argumentar, para falar com os ministros da Finanças e afins, o problema é dela, ela é que esteve mal".
A galerista voltou a lamentar que Dalila Rodrigues não tenha sido capaz de dar uma explicação aos galeristas "durante quatro meses".
Pedro Cera lembra que a questão do IVA "é um problema de há muitos anos", mas considera que "muitas vezes o enfoque que se lhe dá não é o correto".
"O que verdadeiramente está em causa não são as galerias nem os artistas, que também são importantes, mas sim ter uma política que permita que se criem condições em Portugal para que as obras possam permanecer cá e possam ser usufruídas pelas gerações futuras. Temos visão muito fraca relativamente a este tópico", disse.
Para este galerista, "mais do que pensar em política assistencialista aos artistas, ignorando que não vendem diretamente ao mercado, que têm os seus canais próprios que são as galerias, é difícil entender que quando se acaba com a possibilidade de tributar sobre a margem não se legisle no sentido de passar as obras de arte para a taxa mínima".
Em vigor desde 01 de janeiro, a diretiva 2022/542 da União Europeia (UE) visa uniformizar o sistema de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos Estados-membros, que até agora têm usado um sistema complexo, com diferentes valores, e em Portugal Continental um escalonamento a taxas de 23%, 13% e 6%.
O panorama do IVA nas transações das obras de arte na UE é muito diverso, com alguns países a ponderarem alterações no âmbito da diretiva, outros a manter, como é o caso da Espanha, em 21%, mas França e Alemanha -- que estão na vanguarda desta reforma - reduziram-no de 20% e 19% para 5,5% e 7%, respetivamente.
A ARCOLisboa, que decorre até domingo na Cordoaria Nacional, conta com a participação de 82 galerias, oriundas de 17 países.
Leia Também: Museu do Design inaugura em junho exposição dedicada a Vivienne Westwood