"Coisa útil que podemos fazer, além do amor, é transmitir conhecimento"

O pianista Pedro Burmester vê-se como "fruto do saber" que herdou como aluno, uma abordagem "de luxo", entre mestre e aprendiz, que procura manter até hoje na mais útil das suas funções, como afirma em entrevista à agência Lusa.

Notícia

© Getty Images

Lusa
07/12/2024 16:30 ‧ 07/12/2024 por Lusa

Cultura

Música

"O ensino trouxe-me muito saber. Ao transmitirmos o que aprendemos, temos de o organizar. Há um lado nesta profissão, e provavelmente em quase todas, numas mais que outras, de um saber intuitivo, no qual eu confiei sempre muito. Uma das minhas qualidades é ter uma intuição das coisas, às vezes percebo-as sem as perceber. Em miúdo, [porque] isso depois também se vai perdendo", conta.

 

O antigo aluno da pianista Helena Sá e Costa deu uma entrevista à Lusa no Café-Concerto Francisco Beja, espaço na Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo (ESMAE), no Porto, onde atualmente dá aulas, após o lançamento de uma segunda gravação de "Variações Goldberg", de Johann Sebastian Bach, 35 anos após o primeiro disco.

Para o pianista, que aprendeu também com Sequeira Costa, Leon Fleisher e Dmitry Paperno nos Estados Unidos, "não se pode ensinar a intuição", e por isso prefere a expressão "transmitir conhecimento" para se referir ao "luxo" que é poder praticar "de um para um, para quem ensina e quem é ensinado".

"É um lado da minha vida profissional de que gosto muito, e talvez a mais útil de todas. (...) Não há muita utilidade em gravar outra vez as 'Goldberg'. Vejo muito mais utilidade no ensino. A única coisa útil que podemos fazer na vida, para além do amor, é transmitir conhecimento. Alguém nos transmitiu, e agora transmitimo-lo para a frente", acrescenta.

Nesta dinâmica, equipara o ensino de um instrumento à individualidade da "relação mestre-discípulo, como na antiga Grécia", ou a desportos individuais como o ténis.

"A mim, também me ensinaram assim. Sou fruto do saber que herdei, de professores que trabalharam comigo individualmente. Digo aos meus alunos que não há maus professores, temos é de saber aprender com todos. Vamos aprendendo a saber o que fazer com isso, a tornar-se gradualmente o nosso saber", explica.

A própria decisão de voltar a gravar as "Variações Goldberg" 35 anos depois da primeira vez emula não só um nome que tem como referência, Glenn Gould, mas também reflete a passagem do tempo e a experiência acumulada, incluindo a ensinar.

"Tento que a minha leitura seja a minha. Com influências de muita coisa, da música e fora dela, com a experiência, o adquirir de saber. Mas que seja uma experiência pessoal. É um aspeto que friso sempre aos meus alunos. A mim interessa-me passar ao aluno as ferramentas para que ele possa ter uma abordagem interpretativa pessoal da obra", nota.

Assim, o que transmite aos que com ele aprendem é que tentem "criar uma relação pessoal com a obra, e não uma de imitação".

"Porque, depois, [dizem:] 'o professor disse... aquilo que eu digo não é verdade nem mentira, é uma opinião e terás de fazer a tua avaliação'. [É] esse olhar para as obras, interpretando-as com o nosso próprio interior, experiência, maneira de ser, relação com aquela obra, o compositor, o estilo. É fundamental", analisa.

Se aos 60 anos, "quer se queira quer não", tem "mais anos em cima, e mais lastro, bom e mau, mas também mais convivência com aquela música", depois de muitos anos a tocar Bach, não deixa de realçar a possibilidade de que um jovem possa "trazer nova luz sobre as coisas, ao olhar sem filtros, quase como as crianças olham para o mundo".

"Aos 20 e poucos, não tinha tocado tanto como agora aos 60. Todas essas camadas vão ficando e, quando pegamos numa obra, isso está lá. Às vezes, tenho saudades da inocência, que não é possível readquirir. Às vezes, sorrio quando vejo os meus alunos, de 18 aos 21 anos, olharem para uma partitura sem nenhum preconceito, no bom sentido da palavra", exemplifica.

Natural do Porto, Pedro Burmester começou a estudar piano aos sete anos e aos dez iniciou a sua carreira concertística.

Durante dez anos foi aluno da pianista Helena Sá e Costa, uma das mais destacadas intérpretes de Mozart, que viu a sua atividade docente reconhecida pela Academia de Verão do Festival de Salzburgo, onde ministrou 'masterclasses'.

Burmester terminou o Curso Superior de Piano no Conservatório do Porto com 20 valores, em 1981. Estudou ainda com Sequeira Costa, Leon Fleisher e Dmitry Paperno nos Estados Unidos, onde, no Concurso Van Cliburn, recebeu o Prémio Especial do Júri. Participou em 'masterclasses' de Jurg Demus, Aldo Ciccolini, Karl Engel, Vladimir Ashkenazy, Tatjana Nikolaiewa e Elisabeth Leonskaja.

Em 1983 foi segundo classificado do Concurso Internacional Vianna da Motta, em Portugal, numa edição em que não houve vencedor.

Além da música erudita fez incursões no jazz, tendo gravado e atuado com os pianistas Mário Laginha e Bernardo Sassetti.

Ao longo deste verão, Pedro Burmester e Mário Laginha têm vindo a "celebrar a Liberdade", num recital conjunto assente em arranjos para piano de canções de José Afonso, José Mário Branco, Sérgio Godinho e Fausto, assinados por Laginha, Bernardo Sassetti e João Vasco, num programa em que estrearam uma nova obra de Luís Tinoco, "Out of Order".

Depois de Águeda, Vila Nova de Famalicão, Espinho, Coimbra, Vila Nova de Cerveira e Porto, como etapas dessa digressão iniciada em abril, nos 50 anos da queda da ditadura, o caminho termina em 13 de dezembro, no Coliseu de Lisboa.

Leia Também: Governo cabo-verdiano planeia casa-museu com família de Cesária Évora

Partilhe a notícia

Escolha do ocnsumidor 2025

Descarregue a nossa App gratuita

Nono ano consecutivo Escolha do Consumidor para Imprensa Online e eleito o produto do ano 2024.

* Estudo da e Netsonda, nov. e dez. 2023 produtodoano- pt.com
App androidApp iOS

Recomendados para si

Leia também

Últimas notícias


Newsletter

Receba os principais destaques todos os dias no seu email.

Mais lidas